quinta-feira, 27 de agosto de 2009

DE DENTRO PARA FORA

Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio em 27/08/2009 – A24

ARTIGOS PUBLICADOS

Uma grande edificação precisa, obviamente, de um alicerce que suporte sua estrutura. Se lá pelas tantas alguém decide acrescentar mais andares, as fundações deverão passar por um processo de revisão e reforço. A imprudência de não fortalecer a base ao acrescentar sobrepeso à construção resulta em uma série de efeitos colaterais antes de um provável desastre final. Não adianta colocar uma coluna extra aqui e revigorar outra viga ali. Ou seja, ir empurrando o problema com a barriga e torcendo para que o prédio aguente até o dia que for possível fazer um trabalho decente na sua base.

Alguns empreendimentos não conseguem sustentar seu próprio crescimento, sua própria estrutura. Negócios concebidos em um modesto formato que de uma hora para outra se veem violentamente alçados a um estrondoso sucesso, deixam seus dirigentes atordoados como se tivessem comido uma panela de feijoada de uma só vez. Assim, indispondo de tempo apropriado para digestão os diretores vão ficando empanzinados com tantos assuntos e problemas que se multiplicam como coelhos, sinalizando assim os limites das suas competências. Nesse caso, o modelo de gestão de um despretensioso negócio vai se mostrando cada vez mais incompatível com a realidade vivida na organização; tão contrastante como uma barata passeando numa fatia de pudim. Os esforços então são concentrados na dimensão estética com o propósito de camuflar as panelas sujas e amassadas da cozinha. Investe-se em instalações bonitas, limpas e confortáveis. Mas, seguindo um corredor meio que labiríntico chega-se a uma sala com computadores envolvidos em uma trama de fios dispostos em mesas bem diferentes das encontradas no hall de entrada da empresa. Acrescenta-se a isso uma parede quebrada, sala escurecida, rabiscos na parede, objetos espalhados pelo chão, pessoas com barba por fazer, e temos o Departamento de Tecnologia da Informação da empresa.

Algo semelhante acontece quando um cliente vai ao caixa para pagar um boleto ou solicitar informações sobre a troca de um produto. Nesse caso o atendente demonstra um ótimo aspecto e o ambiente é muito bonito - tem até cafezinho e água gelada. Até aí, tudo bem. O mingau encaroça quando um assunto relativamente simples se transforma num pandemônio. O funcionário responde de um jeito, depois muda de opinião; chama um supervisor, que liga para outro departamento etc., etc. Resumindo, a reluzente casca da fruta não condiz com a polpa azeda e indigesta.

Tudo tem uma ordem natural e seu tempo de desenvolvimento, mas a ânsia de querer aproveitar oportunidades a qualquer custo atropela o processo natural das coisas. Os árabes são mais prudentes nesse assunto. Eles iniciam um negócio, mantém seu formato por um tempo adequado e resistem às tentações de mudanças bruscas e intempestivas nas suas atividades. Preferem operar a mudança de dentro para fora, como acontece com o embrião no ovo da galinha que vai crescendo e se desenvolvendo. Quando a casca é rompida, surge uma outra realidade, só que mais bem estruturada, dinâmica e amadurecida. Deturpar esse processo é sempre uma manobra arriscada.

Se a realidade de uma empresa se apresenta de uma forma e uma série de fatores aponta para outra mais grandiosa, a prudência recomenda a revisão da estrutura funcional e adequações necessárias ao atendimento das novas demandas. O Planejamento é uma ferramenta de gestão que está aí, disponível para uso. É só usá-lo. Se faltar habilidade, basta procurar ajuda de profissionais especializados. Os serviços de consultoria trazem oxigênio e ajudam arejar a mente do empreendedor brilhante, o qual não deve ser presunçoso por achar que pode fazer tudo sozinho. Grandes homens cometem grandes erros e por isso é importante parar um pouco, respirar fundo e vez por outra dar uma olhada panorâmica no desenho da sua organização. Se tal desenho não existe, contrata-se então um desenhista (consultor organizacional) para fazê-lo.

A boa gestão é o núcleo de um negócio bem sucedido e na órbita do comandante do navio devem gravitar profissionais com mentalidade de gestores das suas respectivas áreas de responsabilidade. Tal conceito deve ser de domínio geral na organização, desde o encarregado do estacionamento até o diretor de recursos humanos. E todas as ações devem ser pautadas segundo um propósito que confira caráter e personalidade a entidade, e a torne respeitável perante a sociedade.




quinta-feira, 20 de agosto de 2009

APALPANDO O ELEFANTE

Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio em 20/08/2009 – A23

ARTIGOS PUBLICADOS

A um grupo de cegos foi incumbida a tarefa de identificar um objeto e cada um tinha somente três segundos para fazer isso. Após a sessão de rápida apalpação o primeiro voluntário descreveu uma grossa mangueira de calibre menor na ponta e dois furos na extremidade. O segundo destacou ter tocado em uma forte coluna. O seguinte relatou que se tratava de um animal com um chifre imenso. Outro participante da experiência mencionou algo que lembrava uma parede de textura áspera e o último reclamou que estava havendo exagero, visto ter percebido um objeto que lembrava um chicote. Cada cego traduziu o elefante levando em conta a particular limitação da sua percepção do mundo. Ou seja, os dados que acessaram eram muito limitados e não foi dada a eles a oportunidade de explorar por completo o objeto de estudo. Assim, cada qual estabeleceu em sua mente um juízo e um paradigma, sendo que o conceito perduraria enquanto não houvesse uma nova oportunidade para corrigir o equívoco.

 Algo semelhante acontece no ambiente organizacional, principalmente quando se trata de uma grande e complexa estrutura. Caso fosse feito um estudo aprofundado com cada empregado sobre a imagem que tem da empresa que trabalha, surgiria uma grande variedade de visões e interpretações, sendo que muitas delas surpreenderiam os membros da alta direção. Esse é um fenômeno recorrente nos ambientes organizacionais, fruto das deficiências de gerenciamento dos seus recursos humanos e até crise de identidade da empresa.

 A empresa é um ente detentor de personalidade e sua idiossincrasia a distingue das demais organizações – nenhuma empresa é igual a outra. Ela é resultado de uma série de variáveis que passaram por um complexo processo de catalisação de opiniões, valores, conceitos até se consubstanciar naquilo que se conhece como cultura organizacional. O grande problema é que todo esse processo pode acontecer sem gerenciamento e sem controle. Ou seja, a administração competente nunca se dispõe a fazer um exercício de introspecção com o intuito de refletir sobre o que ela é, o que quer ser, o que faz, o que quer fazer, para onde quer ir e de que forma. Deixando essas questões ao léu, um belo dia o dono não reconhecerá aquilo que achava ser sua empresa e que deveria ter a sua cara. Os exercícios de implantação de programas de qualidade possuem a virtude de provocar tais reflexões, levando a empresa a se situar em termos de objetivos e valores, definindo sua missão e visão, e comunicando tudo isso aos seus públicos interno e externo.

 Cada empregado ao ser admitido precisa tomar conhecimento dos valores do seu novo ambiente de trabalho. Necessita também saber do seu papel da organização, o que dele é esperado, quais são as recompensas; além de várias informações importantes sobre o que fabrica, para quem vende, posição no mercado, hierarquia, horários, regulamentos, procedimentos etc. A falta de visão sistêmica (onde o organismo empresarial é tido como um grande corpo com vários órgãos, fluxos, subsistemas e processos) pode ser comparada a inexistência de monitoramento de uma máquina onde uma engrenagem aqui e outra ali pode estar com um desgaste ou falha que compromete o funcionamento de todas as outras peças. Consequentemente, a coisa começa a se arrastar ou consumir muito mais energia para obter o mesmo resultado. Da mesma forma que um trabalho de manutenção visa identificar e corrigir uma peça defeituosa, também a iniciativa voltada para a gestão de processos e informações pode identificar entraves, gargalos e deficiências que, corrigidas, promovem a desobstrução dos fluxos normais de trabalho.

 A mudança depende de uma ação administrativa. Uma empresa que consiga fazer um bom trabalho com cada um dos seus empregados, será recompensada com uma estrutura altamente produtiva. Uma força de trabalho que atua como um bloco uniforme é um ativo de alto valor no mercado, mesmo que ainda não se consiga mensurar o capital intelectual das organizações. Mas, com certeza, uma equipe de alta competência é o que diferencia uma empresa bem sucedida, visto que as variáveis tecnologia, mercado, acesso aos insumos e aos canais de distribuição já são questões de amplo domínio entre as organizações mais maduras. É preciso então ampliar as capacidades intelectuais, perceptivas e produtivas dos funcionários e isso só se consegue com muito investimento em educação empresarial.



quinta-feira, 13 de agosto de 2009

GUERRA DO ARCO-ÍRIS

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13/08/2009 página A3 - A022

Era uma vez três reinos que ficavam assentados em três grandes nuvens: o reino vermelho, o reino amarelo e o reino azul. Os integrantes de uma localidade podiam avistar ao longe os dois vizinhos, mas não dispunham de tecnologia que permitisse o deslocamento de uma nação à outra. As pessoas estavam separadas por um profundo abismo. Cada cidadão era obrigado a contemplar, valorizar e defender a cor dominante do seu povo. No reino vermelho tudo era vermelho, as roupas, as joias, as paredes, os tapetes etc. Afinal de contas, o vermelho era lindo. No reino amarelo, da mesma forma. Os habitantes do reino azul eram ardorosamente fanáticos pela cor safira, sendo que, se alguém criasse um novo tom para o azul, logo se transformava numa celebridade instantânea.

Numa bela manhã de outono o cientista mais famoso do reino amarelo criou um revolucionário equipamento de transporte aéreo. Então, logo em seguida ele resolveu fazer um teste: viajou no protótipo até o reino vermelho. Chegando lá, encontrou uma bela mulher de lábios saborosamente vermelhos que, obviamente, vestia um magnífico vestido vermelho. Os dois se apaixonaram de imediato e começaram a namorar. Uma denúncia anônima levou os agentes da lei a perseguir o casal até que foram apanhados em flagrante. A mulher foi presa, mas o homem fugiu para o reino amarelo levando consigo uma rosa vermelha que recebeu da sua amada. Estando de volta à sua terra natal, o inventor apresentou sua criação às autoridades que de imediato prepararam uma grande cerimônia para comemorar tão importante conquista. Eis que ao receber a premiação o homem exibiu a rosa vermelha para um grande público. O gesto chocou a todos. Por causa de tamanha heresia o inventor foi do céu ao inferno em poucos minutos, sendo recolhido de pronto a uma penitenciária de segurança máxima.

Com a tecnologia de transporte dominada, um imenso contingente de soldados amarelos partiu para a conquista do reino vermelho. Mal sabiam eles que o reino azul estava fazendo a mesma coisa. Ou seja, o reino vermelho estava sendo simultaneamente atacado pelos dois vizinhos. Cada grupamento desembarcou no terreno inimigo armado até os dentes com pincéis e latas de tinta. O objetivo era mudar a cor de tudo que fosse encontrado pela frente. Os bravos soldados vermelhos resistiram heroicamente. Em meio a tantos jatos de tinta aconteceu um fenômeno inusitado, que foi a explosão de belíssimas outras cores desconhecidas dos presentes até então. Por isso, todos pararam e ficaram encantados com o que viram. Os combatentes nunca poderiam imaginar que o trabalho conjunto poderia resultar em possibilidades tão diversificadas. Ou seja, em vez de passar a vida inteira presos numa vida monocromática, eles agora poderiam interagir e trocar experiências para conferir mais alegria e enriquecimento às suas atividades diárias. Desse dia em diante os reinos passaram a ser multicoloridos.

Essa história, que fez sucesso na forma de vídeo, mostra como as pessoas tendem a se fechar em grupos herméticos. Nas empresas, constroem os famosos setores estanque, onde proliferam rivalidades e hostilidades entre colegas de trabalho. Até a comunicação entre indivíduos de grupos rivais tende ser meramente protocolar e limitada, concorrendo assim para o isolamento dos funcionários. Cada grupo faz um imenso esforço para ser mais importante do que o vizinho. Nessa disputa, diversas armas são usadas e cada conquista é comemorada, gerando ciúme e desavença nos demais. A rivalidade mais comum acontece entre o pessoal da administração e o da produção. Geralmente, os funcionários da administração são os queridinhos da diretoria enquanto que os empregados da produção ficam meio que esquecidos em galpões imensos, quentes e barulhentos.

Do seu posto de trabalho numa linha de produção o operário levanta o olhar e observa através de uma janela ao longe a ocorrência de uma festinha de aniversário da secretária do chefe. Ele vê pessoas sorrindo e se regalando com salgadinhos, tortas e refrigerantes numa sala aconchegante. De repente seu supervisor dá um grito e manda se concentrar no serviço. Com a atenção de volta ao seu trabalho o operário reflete sobre sua condição de cidadão de segunda classe, que nunca terá o mesmo tratamento do pessoal da administração.


A rivalidade entre setores só enfraquece a empresa e, de alguma forma ou em algum momento, todos são prejudicados. A maioria desconhece as infinitas possibilidades de crescimento profissional e de melhoria do ambiente de trabalho caso resolvessem se comportar como um único grande grupo que pudesse compartilhar experiências e cerrar fileiras numa batalha em prol do bem comum.


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

NÓS NUNCA SOBREVIVEREMOS

Reginaldo de Oliveira

Publicado ERRONEAMENTE no Jornal do Commercio em 06/08/2009 – Manaus/AM - Pag. A3

Publicado CORRETAMENTE no Jornal do Commercio em 07/08/2009 – A21
 

ARTIGOS PUBLICADOS

O cantor inglês Seal diz em uma de suas canções: “We're never gonna survive, unless we get a little crazy”. Está impregnada na alma do homem comum a noção muito clara do que ele deve e do que não deve fazer. Ou seja, quais ações são lesivas às outras pessoas e quais providências são necessárias para defender sua vida, sua família e suas posses. Não é necessário passar cinco anos numa faculdade de Direito para saber disso. No filme O Patriota, Mel Gibson mostra os extremos que um homem chega quando sua família é violentamente atacada. O que se segue é uma sequência de atrocidades e banhos de sangue - cenas chocantes que não condizem com o nosso modelo tradicional de civilidade. Só que no final o pai violentado ficou de alma lavada por ter feito o que sua natureza ardorosamente clamava. A suprema corte dos Estados Unidos da América reforçou o direito constitucional do cidadão americano de possuir uma arma. Lá, o direto à defesa da família e da propriedade é sagrado e que ninguém se atreva brincar com essas coisas.

 O cliente pergunta para a vendedora se tem gravata ao que ela responde que sim, tem. Mas está faltando. Ou seja, não tem. O homem comum do nosso meio social não pode protagonizar atitudes semelhantes ao do personagem do Mel Gibson. Ninguém pode sair por aí fazendo justiça com as próprias mãos, visto que isso inviabilizaria a nossa estrutura social tal qual fomos moldados segundo seu conjunto de valores. Em vários momentos históricos e em várias culturas os valores sociais eram ou são pautados por práticas abomináveis, como por exemplo, a escravidão, o açoitamento em praça pública, a santa inquisição, o código draconiano etc. Os integrantes de tais culturas acabam convivendo com as práticas, mesmo que alguns discordem. Só muitas gerações à frente é que é avaliada a extensão das abominações cometidas. Nesse caso, o que será que o nosso tão avançado momento social está fazendo de tão terrível que somente os netos dos nossos netos dos nossos netos ficarão horrorizados? Será que o nosso fictício sistema judicial estará incluído em uma futura lista de horrores?

 Foi arrancado do homem o seu natural direito de se defender ou de reagir às agressões advindas do seu semelhante, mas, na prática, nada foi colocado no seu lugar. Foi colocado no seu lugar um conceito, uma efêmera idéia, somente. Pelo menos para nós, brasileiros. Em alguns países o cidadão vive com a percepção de que o crime precede o castigo; ele confia na justiça e o criminoso sabe que vai ser punido. Nesse caso, o cidadão vive sob o conforto da lei. Aqui, a coisa é bem diferente. As pessoas rezam para que nunca venham a precisar da justiça, considerando-se que ela só funciona terrivelmente ruim para uma camada privilegiada; para os pobres, inexiste. Para os muito ricos e poderosos, esses tem suas próprias formas de fazer a justiça funcionar. O homem já com certa idade vê na televisão o assaltante que matou seu filho e sabe que o dito cujo está preso na 11DP. Ele vai lá com a intenção de encontrar um jeito de matar o bandido, mesmo que isso arruíne mais ainda a sua vida. Esse homem é absolutamente descrente de que o bandido ficará preso por muito tempo. Ele não está nem aí, só que aliviar um pouco a sua dor.

 A impressão é que existe um velado sistema paralelo, uma espécie de rota alternativa. Aqueles que tentam se apegar fortemente aos valores formais são consumidos, injustiçados e massacrados pelo sistema oficial. Tem justiça, mas só no texto da lei, nas suntuosas instalações dos imponentes tribunais, nos rios de dinheiro que inunda o bolso dos mais espertos, nos discursos de falta de estrutura. Ou seja, não tem. O cidadão é obrigado a se conformar com as desculpas já tão esfarrapadas da ineficiência do estado de direito. Ele então é forçado a engolir seco tudo quanto é desaforo e na sua garganta é empurrada uma bucha até o estômago. O resultado é que todas essas coisas ficam fermentando na sua alma e produzindo terríveis amarguras. Esse homem é assaltado, é agredido, é mutilado e quando procura uma delegacia ou um defensor público ele é submetido a um longo e doloroso processo burocrático que o levará a esperar décadas até que nada aconteça.

 Aquele homem que foi até a delegacia com a intenção de matar o assassino do seu filho sofrerá muito menos por absolutamente não confiar no sistema. Daí, que racionalizar tantas e tantas deformidades sociais sem perder de vez a sanidade é muito difícil. Seal tem razão. “Nós nunca sobreviveremos a não ser que fiquemos um pouco loucos”.