sábado, 29 de janeiro de 2011

O RASTRO DA ONÇA

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio edição 30_31/01/2011 – Manaus/AM - pág. A4
http://www.4shared.com/photo/Qts6mB2R/041_o_rastro_da_onca.html
www.artigo41.rg3.net


Avizinham-se ondas e mais ondas que irão varrer uma significativa parcela do nosso ambiente empresarial – uma força tsunâmica que atropelará principalmente os incautos e despreparados. Após anos de anúncios, parece que dessa vez é pra valer. O Fisco diz que finalmente está alcançando a tão propalada inteligência fiscal (Protocolo ICMS 66/2009). Tal empreitada é seriamente comprometida por um fenômeno que há décadas emperra o desenvolvimento do país. Trata-se do descompasso entre a prolixa e indecifrável complexidade da legislação tributária e a sua efetiva aplicabilidade. Basta lembrar que os técnicos de uma conceituada “software house” alemã não conseguiram preparar o mais poderoso sistema de gestão conhecido para atender as necessidades fiscais da maior empresa do Brasil. Isso, apesar de muito dinheiro despejado no projeto. Se uma empresa de porte gigantesco, que investe maciçamente na capacitação do seu capital intelectual passa diariamente por dificuldades relacionadas ao cumprimento das normas tributárias, que dirá as que não dispõem de tantos recursos.

Ao longo de anos vivemos uma esquizofrenia tributária onde a aplicação de procedimentos fiscais está dissociada do texto da lei. Isso acontece porque os dispositivos legais estão entremeados por uma série de condicionantes pormenorizadas, que ainda por cima encontram-se conectadas a uma teia de normativas profusas que se expandem e se multiplicam em escala geométrica. O legislador é também prolífico na criação de regulamentos absolutamente impraticáveis. Um bom exemplo são as regras da substituição tributária do ICMS que estabelece particularidades tão minuciosas que nem o próprio ente arrecadador respeita. Daí o motivo de peregrinações diárias à Praça 14 para se dizer ao Fisco que ele não aplicou a lei que ele mesmo criou.

Não era de se esperar que o legislador imprimisse racionalidade às normas tributárias? A quem interessa tanta complicação? Por que as coisas desembocam em uma confusão dos diabos? Será que não está aí o combustível que alimenta a corrupção? De certo, quem se beneficia dessa mixórdia é a indústria das ações judiciais. Aquele que se aventura na aplicação da legislação tributária em sua profundidade absoluta mergulha num labirinto sem fim. Não é à toa que tanto se fala, mas não se combate a famigerada insegurança jurídica, principalmente o aspecto da ilegalidade potencial, quando o cidadão é impossibilitado de cumprir todas as normas estatais destinadas a regulamentar a sua vida. Daí, que para garantir a funcionalidade das suas operações muitas empresas se utilizam de expedientes tortuosos, como o tráfico de influência, para se manter na legalidade – um paradoxo dentro do paradoxo. Ou seja, se valem da consultoria de altos funcionários públicos para garantir a proteção do seu patrimônio.

A onda do momento, que tem provocado muito rebuliço, é o projeto SPED. O prognóstico aponta para a total sistematização da estrutura fiscal do Brasil, onde as operações de todas as empresas estarão interligadas em um único sistema – uma espécie de “big brother” que lembra o filme Matrix. O ponto crítico desse ambicioso empreendimento está na sua incompatibilidade com a realidade tributária brasileira. Se o SPED terá tentáculos suficientes para alcançar em profundidade tudo quanto é operação fiscal, então a nossa legislação tributária terá que passar por uma transformação radical a fim de conferir lógica ao que hoje não tem lógica nenhuma. Um sistema de processamento eletrônico de dados não é um juiz que a todo instante interpreta o mesmo fato de forma diferente.

Outro aspecto que deve ser observado é se o Fisco dispõe de estofo suficiente para digerir uma estrutura de tamanha grandeza, visto ser flagrante o despreparo de muita gente que hoje ocupa até mesmo cargos estratégicos em órgãos fazendários. Empreitadas dessa magnitude não dependem somente de equipamentos caros e aquisição de tecnologia de ponta. Por mais que tente, uma criança de um ano de idade jamais conseguirá dirigir um carro. Ela terá que comer muito feijão até estar pronta para encarar o desafio. O SPED obrigará o Fisco a se elevar a um outro nível de consciência organizacional. Até que isso aconteça milhões de toneladas de feijão deverão ser consumidas.

Apesar dos pesares, não se deve subestimar as ações do Fisco. É bom lembrar que ele está municiado com artilharia de grosso calibre. O momento é oportuno para o desenvolvimento de uma inteligência fiscal interna que possa amortecer os impactos do SPED. Por enquanto, ninguém sabe exatamente que cara tem o bicho, mas os seus sinais já são perceptíveis. Ou seja, os rastros mostram que a onça é grande e deve estar faminta.

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