terça-feira, 22 de novembro de 2011

DOUTRINA DO REFOLHAMENTO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 22/11/2011
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Em recente visita ao Brasil, o Nobel da Paz e autoridade máxima do budismo tibetano, o dalai-lama afirmou que a raiz dos grandes problemas atuais, inclusive no mundo dos negócios, está na falta de valores; pregou que as escolas passem a educar o coração antes do cérebro, para que, dessa forma, as pessoas possam lidar equilibradamente com um mundo de tecnologia, de consumo, de relações sociais refratárias etc.

É possível que, na realidade, o brasileiro esteja cansado das aeronaves midiáticas que incessantemente sobrevoam sua cabeça e despejam carradas de bombas incitadoras do consumo e desencaminhadoras do comportamento da sociedade. O nosso ambiente social é intensamente carregado de mensagens, conceitos e propostas que abarrotam a percepção do indivíduo até o limite da alienação, sendo que muita gente gostaria mesmo era de escapar um pouco dessa realidade sufocante e resgatar os valores primordiais dos seus avós. Prova disso é o sucesso do Pereirão, de Fina Estampa, atual novela da Rede Globo – a personagem Griselda é absolutamente inflexível quanto à retidão dos seus valores morais. A mulher batalhadora que criou os filhos dentro dos mais rígidos padrões de conduta se transformou num refúgio em meio ao oceano de ignomínias que impera principalmente na esfera pública.

O Brasil é simplesmente o paraíso do descaramento e o seu povo é de uma mansidão incompreensível. É impressionante o volume de casos de corrupção, de desmando, de sem-vergonhice, de descalabro que o cidadão brasileiro tem engolido dia após dia e o ritmo alucinante dos acontecimentos escandalosos. Os promotores de tanta balbúrdia se chafurdam em meio ao escárnio que externam quando se transformam em alvo de investigações. Esse pessoal sabe que o solitário anzol da Justiça é muito frágil e por isso não aguenta o peso dos grandes peixes. Os calhordas são também sabedores de que esse mesmo anzol solitário pouco pode fazer diante de um mar infestado de tubarões. Tal cenário dantesco é mais do que um terreno propício à proliferação dos piores tipos de criaturas humanas, pessoas que adotam a doutrina do refolhamento já na tenra idade. E já na tenra idade são arrebatadas pelo péssimo exemplo que vem de cima, vem de baixo, vem dum lado, vem do outro, vem da frente, vem detrás; desde bem cedo aprendem a arte da mentira e do cinismo social. Até o nosso poeta Renato Russo tentou descobrir por que é mais forte quem sabe mentir.

O coroamento dessa nefasta arte da dissimulação acontece nos eventos políticos. Prova disso foram as recentes audiências na Câmara onde o nosso desmemoriado e falastrão Carlos Lupi fingiu que esclarecia fatos nebulosos e os demais colegas políticos fingiram que estavam ali para questionar o ministro sobre denúncias de irregularidades publicadas na mídia. Ali, em meio ao espetáculo de hipocrisias e imposturas se estabeleceu o triunfo da mentira. Dali foi transmitida para todo o país a mensagem de que o mentiroso é sim o mais forte.

Como será que acontece o processo de catequização desses eminentes caras-de-pau? É possível que desde bem pequeno os safados já comecem simulando choro de fome para chamar a atenção dos pais. Mais tarde, mordem os colegas do maternal e culpam o vizinho do lado. Um pouco mais crescidos, dizem que não quebraram a janela do vizinho. Quando adolescentes, juram fidelidade para a namorada, bebem escondidos, colam na prova até o dia em que dão um golpe no caixa da empresa em que trabalham. Assim, vão se doutrinando até estarem prontos para ingressar na política.

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