terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O PAVÃO E O URUBU

Reginaldo de Oliveira

Consta no Dicionário Aurélio que “pé-de-pavão” é um pé feio e aleijado. Ou seja, todo esplendor do pavão é de certa forma reavaliado por conta dos seus desventurados membros inferiores. Talvez a Natureza nos queira dizer com isso que as criaturas exageradamente sublimes carregam consigo algum detalhe repulsivo. Já o urubu, coitado, é de todo feio: pés, cabeça, hábitos etc. Em face dos nossos valores estéticos essa ave é uma criatura execrável.

Em cartaz no cinema e na televisão, duas produções tratam da política e do que há por trás dela. “Tudo pelo Poder”, do diretor George Clooney, mostra a história de um assessor de imprensa idealista que vê no seu chefe e candidato à presidência dos Estados Unidos, a síntese do estadista impregnado dos mais nobres ideais políticos. Qual sua decepção ao perceber que a política é cheia de armadilhas, onde não há espaço para ingenuidade e idealismo. O protagonista descobre que seu ídolo tinha pés de barro, devido a um envolvimento extraconjugal, fato que poderia destruir um bem estruturado projeto político de ingresso à Casa Branca. Um dos aspectos curiosos dessa produção hollywoodiana é o clima polido e sofisticado da conduta dos personagens. As pessoas são cautelosas; cada palavra é medida e pesada antes de ser pronunciada. Até as discussões e ameaças são amortecidas por fortes doses de civilidade e atitudes pseudo-éticas. O candidato à presidência é perfeito na postura, no discurso, no carisma e na imagem imaculada do cidadão ideal. Seu mortal pecado é engravidar uma estagiária – um assunto tão sério que o faz engolir a chantagem do seu desiludido assessor de imprensa.

“O Brado Retumbante”, em exibição na Rede Globo de Televisão, conta a história de um apagado deputado que de um momento para o outro se torna presidente do Brasil. O recém-empossado é um homem de vida pessoal atribulada. Diferentemente do personagem norte-americano que guarda a sete chaves um caso de infidelidade conjugal, aqui a coisa é escancarada ao extremo. O Presidente da República se comporta como um tarado toda vez que se depara com uma mulher bonita. Suas cantadas são grosseiras e ostensivas; fotos comprometedoras vêm a público humilhando a esposa sem que o chefe da nação ache que fez algo de errado. Ele sabe que grande parte da população até elogia seu comportamento machista. Contrapondo-se à compulsividade sexual, o presidente empreende uma cruzada moralizadora das instituições depauperadas pelas sanguessugas das mais variadas colorações partidárias. O enredo da trama conduz o espectador por um labirinto apodrecido de corrupção e mau-caratismo onde nada de nobre é encontrado nos belíssimos cenários que mistura Rio de Janeiro com Brasília. As malandragens e perversões estão em cada fala e em cada gesto de tudo quanto é personagem que orbita o protagonista. Não há diálogos sofisticados nem ambiguidades. A coisa é de todo feia: o papo é reto, os gestos são brutos e as ameaças são explícitas.

A produção tupiniquim é uma obra de ficção que de ficção tem muito pouco. Os acontecimentos parecem um mosaico de escândalos que há muitos anos vem impactando os lares brasileiros. Assistir à minissérie é como se olhar no espelho pela primeira vez e constatar aquilo que já desconfiávamos que existisse. Seria muito oportuno que outras produções bebessem na fonte dos eventos cotidianos para posteriormente entregar ao público uma visão panorâmica das suas próprias vidas. Ou seja, mostrar a realidade nua e crua de uma sociedade desconstruída pela perversão dos valores morais.

Comparando-se as duas produções cinematográficas, lá como cá, raramente há jogo limpo na política. A diferença é que a sujeira de lá está num cômodo discreto e escondido enquanto que aqui está na casa inteira.

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