terça-feira, 24 de julho de 2012

A TRAGÉDIA DA EDUCAÇÃO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 24/07/2012
Artigos publicados

Negócios são negócios. Essa sentença expressa o poder soberano do dinheiro onde tudo o mais se torna secundário. Muitos argumentos, teorias, posturas, idealismos são criados para suavizar um pouco a ganância desmedida entranhada na alma do capitalista. Obviamente, isso não poderia deixar de ser aplicável ao ensino privado. O problema é que o ato de educar é revestido de uma aura divina, evocando assim os mais sublimes e elevados sentimentos humanos. O resultado dessa combinação heterogênea é uma engrenagem cujos componentes se atritam e se corroem, tendo como inevitável subproduto a demagogia e o cinismo. Ou seja, fala-se uma coisa e faz-se outra completamente diferente. E na divisão das incumbências, fica a ganância com o dono da escola e a dedicação com o professor; o primeiro passa por cima de tudo quanto é preceito moral para tufar o seu bolso, enquanto que o segundo tem que dar sua alma para encantar seus alunos, não importando quantas chicotadas receba dos superiores nem se ganha pouco ou se houve descontos indevidos no seu salário. Afinal de contas, o professor tem por dever ético zelar pela formação dos seus alunos, enquanto que o dono da escola não tem dever ético nenhum.


O que é evidente e ostensivo nos ambientes educacionais privados é o viés da relação mercantil. Até o cheiro que se sente nos corredores e salas de aula é parecido com aquele identificável num shopping. É possível observar que os alunos adotam uma postura de cliente. O aluno é O CLIENTE. E o cliente sempre tem razão. Por isso, não pode faltar papel no banheiro e o ar-condicionado tem que está na temperatura exata. O desempenho do professor é pautado numa relação contratual; ele é obrigado a atender bem o seu cliente, diga-se, seu aluno. Se o docente passar uma atividade um pouco mais trabalhosa, os alunos imediatamente reclamam junto à coordenação que não têm tempo para estudar e que o professor está exigindo que estudem. Em seguida, o coordenador instantaneamente repreende o professor. Reprovar um aluno que não aparece em sala de aula é algo intolerável, passivo até de demissão sumária. Afinal de contas, o aluno não dá as caras, mas paga o salário do professor. Se compararmos o ensino superior privado com as universidades públicas é possível identificar dois universos diametralmente opostos, com princípios, posturas e atmosferas totalmente diferentes. No ensino público o aluno sabe que se não estudar será reprovado. Por isso mesmo, ele se concentra mais nos estudos do que na limpeza do banheiro ou no ar-condicionado.

A grande tragédia do ensino está no parco retorno financeiro do trabalho do professor. A remuneração somente das horas trabalhadas em sala de aula já é minguada, sendo que as atividades fora da sala de aula consomem madrugadas e finais de semana, não havendo assim pagamento por esse trabalho extra. Dessa forma, só permanece na profissão aquele que não tem outra opção de sobrevivência ou um ou outro idealista sonhador. O aluno acaba tendo como mestre uma pessoa frustrada, cansada e desiludida. Claro, sabemos que, como disse Jesus Cristo, uma árvore ruim não pode dar bons frutos.

Qualidade do ensino é uma coisa que passa muito longe das preocupações das faculdades particulares, visto que focam mesmo é na manutenção do aluno bom pagador e nos índices do MEC. Tudo o mais é ignorado. Se os negócios estiverem indo bem, pouco importa se o professor é bom ou não. Mais importante é o funcionamento do ar-condicionado e dos banheiros.

O aluno, percebendo esse estado de coisas e sendo obrigado a assistir a uma aula chata e improdutiva de um professor que não domina plenamente sua disciplina, acaba não se interessando em estudar nem sendo estimulado a frequentar a faculdade. Ele conclui que o motivo de pagar a mensalidade é a obtenção do diploma do curso superior. Ele sabe que a única coisa que restará ao final do curso será o diploma. Quanto ao aprendizado, ele buscará por conta própria os meios necessários para obtê-lo. Por isso o aluno fica extremamente revoltado quando um professor deslocado do esquema se atreve a reprová-lo.

Por conta de tantas tragédias, certos tipos de reflexões ficam proibidíssimas nas conversas entre professores. O melhor a fazer é bater o ponto direitinho e ir para a sala de aula fazer o “somebody love”. Afinal de contas, só os loucos e as crianças falam a verdade. Por isso mesmo, os primeiros são encarcerados e os segundos educados.

Um comentário:

  1. Reginaldo,

    Finalmente consegui um tempo para ler seu artigo. Excelente artigo e encerrado cm chaves de ouro. Apesar de ser professor, pouco paro para refletir sobre a realidade do ensino de forma geral. Como te falei,me considero um professor-pesquisador estou sempre envolvido em pesquisas e tentando envolver alunos nelas - o que está cada vez mais difícil pela fala de apoio de agências fomentadoras de pesquisa e pelo fato de que muitos não querem estudar, apenas querem o diploma. Seu artigo aborda alguns pontos relevantes da realidade que os cerca e principalmente a mim.Vou citar apena uma rapidamente:

    - o comportamento de alunos de univerisdades públicas por exemplo. Na Faculdade de Estudos Sociais da UFAM onde leciono há um lanche que oferece café da manhã a baixo custo diariamente. Esse "lanche" funciona dentro do que era para ser um banheiro. Inacreditável, né? Mas nunca vi o menor sinal de revolta daqueles alunos, que comem diariamente um lanche preparado no que era pra ser um banheiro. Talvez esses alunos já tenham sido "educados" para achar isso normal e não exigirem mudnaças, pois pareceriam loucos e não universitários;

    Parabéns pelo artigo. Obrigado por esperar os comentários que demoraram em virtude do tempo.

    Um abraço,

    Mauricio Brilhante de Mendonça

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