terça-feira, 16 de outubro de 2012

PACIÊNCIA TEM LIMITE

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 16/10/2012 - A99
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Na Inglaterra da idade média a maioria das pessoas vivia no campo. Devido ao fato de estarem presos à terra dos senhores feudais, os camponeses, também chamados de servos, eram massacrados com pesados tributos. Prevalecia a lei do cão. Quem não pagasse os impostos exigidos pelos poderosos era brutalmente penalizado (algo não muito diferente da nossa atual realidade). Nesse período, o rei Ricardo Coração de Leão empreendeu uma viagem à Jerusalém e entregou o governo do seu povo a um parente chamado João. Malandramente, João aproveitou a ausência do rei para dobrar a cobrança de tributos. Metade ia para a coroa inglesa e a outra metade era usada para a formação de um exército particular capaz de garantir a permanência do suplente no trono. O estrangulamento tributário foi tamanho que houve uma violenta revolta popular. Nessa época surgiu a lenda de Hobin Hood, herói que roubava dos ricos para entregar aos pobres. Ricardo voltou e recuperou seu trono depois de uma batalha sangrenta com João. O estrago causado pelo excesso de tributação culminou na instituição da Carta Magna em 15 de junho de 1215, que foi a primeira limitação legal do poder real de tributar.

Alguns séculos depois, a expansão do comércio e o desenvolvimento das cidades fez surgir na Europa uma nova classe social, representada principalmente pelos comerciantes. Era a burguesia, que passou a sustentar a nobreza e o clero, classe dominante que não trabalhava e era isenta de tributos. Nesse período o rei francês Luiz XIV dizia: “Quero que o clero reze, que o nobre morra pela pátria e que o povo pague”. Insatisfeito com a pressão dessa classe dominante que lhe sugava o sangue, a população promoveu um levante que resultou na queda da Bastilha. O alto escalão da nobreza foi guilhotinado e em 1789 a Revolução Francesa instaurou a república, a separação dos poderes, o orçamento público etc. Nessa mesma época os Estados Unidos da América se tornavam independentes da Inglaterra após uma guerra motivada principalmente pelo insuportável peso da carga tributária imposta pela coroa inglesa.

Uma das causas da Reforma Protestante foi o desejo da nobreza de ver-se livre da excessiva tributação papal. No século XVI Matinho Lutero ficou revoltado ao se deparar com o luxo, a soberba e a grandiosidade das construções da sede do poder católico em Roma. Sua revolta era motivada pelo fato do povo alemão deixar de comer para alimentar a igreja que sempre queria mais e mais dinheiro para financiar seus projetos mirabolantes. Ou seja, muito do supremo poder da igreja católica foi perdido devido à ganância incontrolável de engolir o patrimônio e os recursos do povo que se matava em nome da fé. Interessante é que justamente as nações que mais se distanciaram do catolicismo são as que atualmente dominam o mundo.

No Brasil do século XVIII, a prática intensiva da mineração levou à redução do volume de ouro que era enviado a Portugal. Inconformada com isso a coroa portuguesa comandou invasões às casas das famílias para tomar seus bens. Era a Derrama, uma prática abusiva que desencadeou o processo da nossa libertação do domínio português. Curioso, é que o índice normal de tributação cobrado pela metrópole era de 20% – carga tributária considerada perversa. Tanto, que era chamada de quinto dos infernos. Hoje, o governo devora quase 40% de tudo que é produzido no Brasil e ninguém reclama, sendo que a maior parte dos recursos é consumida na corrupção e nos desmandos administrativos. A sociedade, anestesiada, assiste todos os dias a um festival de escândalos na mídia sem esboçar nenhuma reação organizada.

Os casos aqui tratados deveriam nos envergonhar, visto que os nossos antepassados tinham muito mais fibra e coragem para lutar contra os abusos do poder dominante. Ao que parece nós nos amofinamos e passamos a manter nossa cabeça abaixada como se esperasse o golpe de um machado. O homem perdeu sua essência nociva e o seu espírito definhou. O poder constituído, legítimo, democrático, libertário, massacra muito mais o povo do que os bárbaros do passado. O peso da carga tributária brasileira aumenta continuamente e o que se ouve nas conversas com funcionários das secretarias de fazenda é que o departamento de tributação está permanentemente debruçado em projetos de expansão dos tentáculos arrecadatórios. O ritmo é intenso e os dispositivos normativos não param de pipocar nos diários oficiais. Tais dispositivos ficam cada vez mais virulentos e agressivos, pois mordem com mais força o bolso de quem sua a camisa para produzir a riqueza do país. Será que nunca iremos fazer jus à memória dos nossos ancestrais e também, como eles, dar um basta? Será que só uma revolução violenta é capaz de parar a incessante majoração de tributos? Pois é! Paciência tem limite, até para os inertes. 


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A PERVERSÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/10/2012 - A98
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O Direito existe para proteger o cidadão, mas quem vai proteger o cidadão do Direito? A força bruta do tempo da barbárie foi substituída pela força do Direito – pela força de uma violência coletiva imposta pelos vencedores aos vencidos. A brutalidade da Lei pode até não chocar a sociedade pela maneira ardilosa que é aplicada, mas os efeitos perversos e avassaladores destroem famílias, comunidades e empresas. Essa mesma brutalidade protege o embusteiro, o tirano e o corrupto. E tudo é feito de forma a induzir o cidadão a acreditar no enigmático Estado de Direito. O processo acontece de modo a evitar que muito sangue seja jorrado do lombo chicoteado, visto que a sujeira poderia perturbar o senso coletivo de dignidade. O objetivo é abafar o sofrimento com o manto da legitimidade para assim preservar o ideário de que não somos selvagens como os lobos nem infames como os ratos.

O cidadão comum cresce com a noção de que está protegido pela Justiça, mas lá no fundo uma perturbadora voz lhe diz que isso é privilégio dos poderosos. Mesmo assim, esse dito cidadão insiste em se enganar; insiste na convicção de que o sistema funciona para todos. Na realidade, o que acontece é que muitos procuram se agarrar a alguma crença para não afundar na desesperança. Talvez por isso as igrejas estejam lotadas de gente em busca de refúgio e de alento.

O nosso sistema jurídico é engenhosamente programado para não funcionar, para incutir na alma do cidadão o absoluto senso de descrença na sua eficácia. Um bom exemplo são os pleitos que questionam a legitimidade das confusas, impraticáveis e asfixiantes normas tributárias. Tempos atrás uma grande empresa do nosso polo industrial local teve o seu direito reconhecido pela alta corte do país de não pagar PIS/COFINS sobre suas vendas internas. A reação de muitas outras empresas foi também pleitear junto a Justiça um benefício semelhante. A maioria declinou da ideia quando soube que na melhor das hipóteses seria preciso esperar dez anos para obter uma decisão favorável. Esse exemplo ilustra muito bem a tal engenhosidade aqui tratada. Ou seja, o cidadão sabe que o monstruoso volume de tribunais, varas, comarcas, juízes, advogados etc., não é capaz de trazer as decisões judiciais para o curto ou médio prazo. Quantas e quantas pessoas morrem aguardando uma decisão da Justiça? E que se faz para corrigir isso? Muito discurso e nada de resultado prático.

O ensaísta francês Montaigne disse que o próprio Direito tem Ficções Legítimas sobre as quais ele funda a verdade da sua justiça. É o que acontece no sistema de substituição tributária do ICMS: presunção e ficção são transformadas em fatos, que geram obrigação, que geram punição. É a mesma coisa que uma pessoa ser presa e condenada por um crime que não aconteceu. A imaginação delirante do nosso legislador criou uma lógica metafísica que desafia a mais ousada das correntes filosóficas. Por mais atrevido que fosse, nenhum doutrinador seria capaz de propor a ideia de o servo entregar parte da colheita ao senhor da terra antes da semeadura. Seria o mesmo que convencer alguém sobre o absurdo de que a chuva sobe em vez de cair. Pois é! Por incrível que pareça o nosso legislador fez isso. O argumento utilizado para justificar tamanha perversão foi o tal princípio da Praticabilidade, que não é senão uma das tais Ficções Legítimas transformada em fato.

Como a própria sigla diz, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, que gera débito, que deduzido do crédito das aquisições resulta no valor a recolher ao erário. Na modalidade de substituição tributária o ICMS é cobrado sobre a não circulação de mercadorias. O imposto é cobrado sem que o fato gerador tenha acontecido. A própria essência primeira, justificadora da criação do ICMS foi destruída e no seu lugar foi colocada uma coisa absolutamente transcendental. E o valor cobrado antecipadamente é alto: mais de um quinto do valor da mercadoria deve ser pago de imediato. Isso até lembra o tão absurdo quinto dos infernos que hoje é apenas um dos mais de cinquenta tributos cobrados no Brasil.

De início, foram criadas as figuras do substituto, que era o fornecedor da mercadoria; e o substituído, que era o comerciante adquirente. O fornecedor fazia papel de Fisco ao cobrar do adquirente o imposto sobre uma presumida venda que poderia até nem acontecer. Não satisfeito, o legislador perverteu o próprio pervertido regime de substituição tributária. Isso ocorreu quando o legislador criou a substituição tributária interna, fato que eliminou a figura do substituto tributário. Nesse regime, o imposto é cobrado pela própria SEFAZ, que assumiu o papel de substituto tributário, ficando claro que a operação fiscal é na realidade uma antecipação definitiva e não uma operação de substituição tributária.

Essa perversa e atroz modalidade de cobrança está matando as empresas. Poucos estão conseguindo sobreviver com os caninos da SEFAZ cravados na sua jugular. Uma maneira de amenizar tantos repuxos nas normas do ICMS seria conceder um tempo hábil para as empresas venderem seus produtos. Os valores notificados num determinado mês poderiam ser pagos no quinto mês subsequente. As empresas estão no limite do estrangulamento e algo urgente deve ser feito para evitar um colapso ou uma insurgência coletiva.






terça-feira, 2 de outubro de 2012

A FARRA DOS SISTEMAS ERP

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2012 - A97
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Na época dos computadores de 8 bits a informatização de processos acontecia de forma metódica e sem as turbulências e convulsões hoje tão recorrentes nas organizações. Um fenômeno curioso e paradoxal é que quanto mais avançadas se tornam as tecnologias disponíveis, mais dores de cabeça, mas complicações e mais custos elas trazem para as empresas. Os robustos mainframes de décadas passadas centralizavam os controles de diversas operações de uma organização. Essa centralização permitia manter o sistema de informações rigorosamente alinhado com as diretrizes e normas estabelecidas. O advento dos milagrosos computadores pessoais (PC) dispersou as informações promovendo o caos e a perda de controle, visto que muitas automações de procedimentos se tornaram redundantes, conflituosas e enigmáticas. Depois de anos de convulsões, aborrecimentos e frustrações com as promessas milagrosas da informática, começaram a se disseminar os Sistemas Integrados de Gestão Empresarial ou, em inglês, “Enterprise Resource Planning” (ERP). Mais uma vez as empresas se viam seduzidas com a promessa de integração total dos seus processos. O problema é que, teoricamente, o conceito era excelente, mas a prática descortinava uma realidade turbulenta e destrutiva. Tanto, que casos de falência motivados por desastrosas implantações de
Sistemas ERP são mais comuns do que se pode imaginar.

Apesar do bombardeio constante de notícias sobre produtos tecnológicos revolucionários e apesar das maravilhosas propostas de soluções avançadas oferecidas pelas softwarehouses, o que se observa na rotina da maioria das empresas é um absoluto descompasso com o tal mundo maravilhoso que só existe na propaganda. Os casos de sucesso conhecidos são fruto de altíssimos investimentos, tanto em sistemas ERP como em toda uma infraestrutura de gestão dos negócios. Empresas com nível de profissionalismo insuficiente penam bastante na mão de analistas inescrupulosos, justamente pela estreiteza da visão sobre o assunto. Essas empresas querem chegar ao topo da escada sem ter que passar pelos degraus intermediários. A mistura de miopia com ignorância torna muitos empresários presas fáceis dos mercadores de Sistemas ERP. A tática dos vendedores é não contar toda a história, visto que se fizer isso acabaria perdendo o cliente, que só terá noção do tamanho da enrascada que se meteu quando o processo estiver bem adiantado. Na etapa da negociação só se fala dos benefícios e das virtudes do sistema, não ficando claro o custo necessário para obtenção de níveis razoáveis de sucesso.

Uma das características mais acentuadas no corpo técnico das empresas comercializadoras de Sistemas ERP é o ostensivo e vergonhoso desconhecimento daquilo que vendem. A impressão que essas empresas deixam é que abraçam uma responsabilidade sem o mínimo preparo. A evidência desse fato pode ser constatada numa infinidade de casos de analistas que se enroscam por inteiro quando tentam corrigir um problema de funcionalidade ou atender demandas específicas de clientes. Muitos desses profissionais deixam a coisa pior do que encontram. E o mais revoltante é que cobram, cobram, cobram por cada detalhe, por cada verificação, por cada análise. Tudo é cobrado e pouca coisa funciona. Normalmente, os analistas locais pouco ou nada sabem do sistema em que “são especializados”. É muita gente ruim espalhada por aí, enganando e irritando usuários de sistemas ERP. Um adquirente de sistemas ERP que quiser alguma funcionalidade terá que estar disposto a contratar profissionais caríssimos, oriundos dos grandes centros de tecnologia do país.

Um Sistema ERP deve ser visto como um meio para se atingir determinados objetivos de controle. Tais sistemas não podem acabar se tornando um fim em si mesmo. O empresário não pode deixar de pensar nos negócios, na concorrência, no mercado etc. para concentrar sua atenção exclusiva numa infinidade de problemas gerados pelo seu sistema de gestão empresarial. Interessante é que sistemas gigantescos de controle existem e aparentemente funcionam bem, como é o caso do monumental volume de operações das empresas de cartão de crédito, significando assim que o problema não está na tecnologia e sim na capacitação da mão-de-obra. É angustiante para um empresário ver todo dia seu pessoal tropeçando nas próprias pernas por causa do sistema que não funciona adequadamente. Pior ainda é se sentir refém de uma softwarehouse que diariamente cria uma deformidade para posteriormente cobrar caro para providenciar o conserto. A maior parte dos problemas só acontece porque as empresas não procuram investir na qualificação das suas equipes. Um grupo de profissionais bem qualificados é o melhor antídoto para confrontar os mercadores de softwares mal intencionados.