terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O sino e o Deputado Marcelo Ramos

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26/02/2013 - A111
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A população de ratos começou a diminuir num ritmo acelerado, significando assim que o apetite do tirânico gato, excelentíssimo senhor Tom, havia aumentado substantivamente. Por conta dessa temeridade, os ratos resolveram se reunir numa assembleia para encontrar uma solução para o problema, visto que se nada fosse feito, toda a comunidade corria risco de extinção. Num debate acalorado de proposições daqui e dali, o cidadão rato, senhor Mickey, propôs o seguinte: – Sugiro que seja colocado um sino no pescoço do gato. Assim, seria possível perceber sua aproximação e fugir antes de ser devorado. A reação de todos foi espantosa frente a uma ideia tão brilhante e por isso começaram a comemorar e agradecer o senhor Mickey pela oportuna sugestão. Só que no meio de tanta festividade o senhor Jerry comentou em voz alta: – De fato, a proposta é excelente, mas... quem vai colocar o sino no pescoço do gato?

Na semana passada ocorreu na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas uma Audiência Pública promovida pelo Deputado Marcelo Ramos, a qual foi marcada pela presença de representantes de várias entidades, imprensa e demais interessados no assunto, que foi o aumento da alíquota do ICMS da gasolina e de itens da cesta básica. O alvo da artilharia pesada foi o Secretário de Fazenda do Estado do Amazonas, senhor Afonso Lobo, que naquele momento foi imolado em holocausto por simbolizar todos os pecados do executivo estadual.

O Deputado Marcelo Ramos iniciou sua fala informando que na data de 21 de dezembro de 2012, último dia de sessão legislativa, chegou à ALEAM um projeto de lei encaminhado pelo governo do Amazonas aumentando a alíquota do ICMS sobre a gasolina e sobre a cesta básica. Nesse mesmo dia houve votação e aprovação do tal projeto de lei. O Deputado enfatizou que o dito projeto de lei, que alterou parte essencial da nossa política tributária de ICMS, foi aprovado sem nenhum debate prévio, sem diálogo, sem nenhum trabalho de convencimento e sem nenhuma explicação dos motivos que justificasse algo tão absurdo e tão desproporcional. Segundo palavras do parlamentar, e por conta da LC 112/2012, o estado do Amazonas tem hoje uma política de ICMS em que café paga mais imposto do que cigarro e leite paga mais imposto do que isqueiro. Portanto, convivemos com uma política tributária às avessas, o que contraria frontalmente o princípio da seletividade.

O secretário Lobo expôs numa argumentação técnica e objetiva os motivos da majoração tributária do ICMS. A causa maior foi uma expressiva perda de arrecadação que precisava ser compensada para que o governo estadual pudesse administrar os gigantescos números do seu orçamento.

O Deputado Marcelo Ramos contra-argumentou que o mesmo estado que diz está perdendo em arrecadação e que por isso mesmo aumenta a carga tributária da cesta básica e da gasolina, é o mesmo que havia encaminhado na semana anterior um projeto de lei criando 95 cargos comissionados. Concluiu então o Deputado que esse estado não está tão pobre assim, visto haver espaço no orçamento para a criação de 95 cargos comissionados, significando, dessa forma, que tem dinheiro sobrando. A conclusão desse raciocínio é que o real foco do problema orçamentário é o altíssimo custo da máquina pública do governo do estado do Amazonas.

O Deputado Luiz Castro contribuiu com o providencial argumento: “A Alemanha toda possui 2.000 cargos comissionados em todas as suas esferas de governo. O governo brasileiro, quando FHC passou a batuta para o Lula, tinha 1.400 cargos comissionados e hoje já tem mais de 4.000. O governo do amazonas possui mais de 4.000 cargos comissionados. Ou seja, mais do que o dobro do governo da Alemanha, e já alcançou o governo brasileiro. Isso, sem contar as OSCIP, que estão muito presentes na administração estadual como uma terceirização disfarçada. Nós temos, portanto, um problema terrível de gestão de pessoal que onera o estado com uma quantidade imensa de cargos improdutivos, ocupados, via de regra, por lideranças políticas do interior, como ex-prefeitos, como ex-candidatos, que não trabalham (com raras exceções), mas que recebem uma boa quantia de dinheiro todo mês”. Luiz Castro questionou que é preciso debater as prioridades na política pública de educação, de saúde, de gestão de pessoal do estado etc.; questionou também o motivo de haver TANTOS cargos comissionados e TANTAS assessorias de pessoas remuneradas sem trabalhar. E quando há um problema de arrecadação para sustentar TANTOS gastos desnecessários o governo desconta sua inaptidão na cesta básica, na gasolina etc. Concluiu o Deputado que a inversão de prioridades era muito clara em face de um governo onde o orçamento da Secretaria de Cultura é superior ao da Secretaria de Produção. O parlamentar chegou até a sugerir que o Ministério Público interferisse no assunto.

Foi possível perceber no evento acima mencionado o claro e inequívoco poder do exercício da cidadania. Ali, as posições se confrontaram, se colidiram; e as faíscas resultantes de tantos atritos foram suficientes para inflamar ânimos e iluminar questões normalmente mantidas nas sombras da ignorância social. O Deputado Marcelo Ramos não somente sugeriu, mas também se dispôs a correr o risco de colocar o sino no pescoço do gato. E fez mais do que isso. Da mesma forma, expôs as entranhas apodrecidas dos equívocos e das ingerências do executivo estadual, de tal forma que algumas pessoas ficaram incomodadas devido ao fedor exalado da fricção de réplicas e tréplicas dos debatedores. Constrangedoramente, ficou evidenciada a incompetência de vários ocupantes de cargos públicos, cujas decisões gerenciais impactam sobremaneira toda a sociedade amazonense. É como se tivéssemos um escoteiro-mirim pilotando nosso transatlântico, sinal da necessidade de uma urgente e efetiva melhoria da administração pública estadual. Outra constatação lamentável foi a certeza de que o órgão legislativo estadual é um departamento do poder executivo, onde os excelentíssimos senhores deputados só fazem o que o governador manda. E no tempo que o governador determina.

Resguardadas as incongruências, foi concretizado ali, na ALEAM, o ato de cidadania que algumas entidades representativas da nossa região teimam em manter restrito a discussões improdutivas e longe dos ouvidos do poder executivo local. Ou seja, muito se discute em salas fechadas sobre a tirania fiscal que sufoca o empresariado, mas como ninguém quer se indispor com os figurões da política, a coisa é inflamada e logo em seguida arrefecida sem que nada de prático aconteça.

Parabéns ao Deputado Marcelo Ramos. Sua iniciativa serviu para refletirmos que muitos dos desmandos políticos podem ser confrontados com ações inteligentes, objetivas e eficazes; dentro do mais autêntico e legítimo exercício democrático. Que venham mais Audiências Públicas combinadas com ações de cobranças e avaliações de resultados. 


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