terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

ARAPUCA FISCAL


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/02/2014 - A158

É hábito comum dos nossos políticos, insistir na ideia de que tudo se resolve por decreto. Se as cadeias estão superlotadas, o governo se apressa na aprovação da lei que proíbe rebeliões nos presídios. O problema dos desmoronamentos provocados pelo excesso de chuva é solucionado com um decreto que impede a construção de casas nas encostas dos morros, como se somente a canetada fosse suficiente para resolver os problemas que vão surgindo. Outro fenômeno curioso que nos cerca está relacionado à desconexão que há entre o texto da lei e a sua efetivação. Ou seja, parece que quanto mais complexidade e sofisticação encerra um dispositivo legal, menor é a possibilidade de aplicação prática no cotidiano das pessoas. Basta observar os atropelos de quem tenta seguir à risca as prescrições da legislação tributária. Outro fato que merece atenção é o incessante mexe e remexe das normas tributárias. Dados do estudo “Normas Editadas no Brasil: 25 anos da Constituição Federal de 1988”, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, mostram que em três décadas foram editadas 309.147 normas tributárias; uma média de 31 normas por dia.

O ente tributante faz de tudo para consolidar sua fama de traiçoeiro. É extensa a lista de tributos embusteiros que nasceram com alíquotas pequenas e que depois vieram a pesar bastante no bolso do contribuinte. Ou então o governo jurava de pé junto que a taxa era provisória, mas que em seguida mudava radicalmente de posição. Pois é. A malandragem ostensiva e o descaramento aviltante é uma tatuagem estampada na testa do legislador tributário. Assim, tantas e tantas trapaças deixaram o contribuinte mais do que escaldado. Por isso é que paira na cabeça dos donos de restaurante a desconfiança sobre o benefício fiscal alardeado pela secretaria de fazenda que reduziu a carga do ICMS para 3,5%. Motivos não faltam. Um governo que ano passado aumentou a carga do ICMS da cesta básica em 1.700% não concederia um benefício tão generoso se não tivesse segundas intenções.

É óbvio ululante que o Fisco nunca dá ponto sem nó. Notoriamente, sabe-se que o motivo de tanta benevolência é atrair um grande contingente de contribuintes desgarrados para debaixo da arapuca fiscal. Assim que muita gente optar pela nota fiscal eletrônica do consumidor a alíquota voltará novamente ao patamar de 17% (ou até mais) para compensar o período de percentual reduzido. O governo só fez essa modificação tributária porque a atividade econômica de fornecimento de alimentação promovida por restaurantes e similares é de difícil controle. As compras são feitas com dinheiro vivo e grande parte do alimento pronto é vendida também com dinheiro vivo, sendo que muitos se acautelam em não informar CPF nem CNPJ no momento da compra dos insumos, justamente para evitar a rastreabilidade fiscal. Outro aspecto importante a ser considerado é que o benefício fiscal alcança somente o ICMS. É bom atentar para o imposto de renda, cuja tributação da atividade de serviços é quatro vezes maior que a atividade comercial. O Fisco federal ainda cobra Pis/Cofins/Csll, além de INSS sobre o faturamento dos hotéis com atividade de restaurante. Ou seja, aquele restaurante popular vai morrer engasgado se resolver engolir de uma só vez toda a monstruosidade burocrática da super hiper intrincada legislação tributária.

Apesar da Carta Magna, no seu inciso IV, artigo 150, teoricamente vedar o efeito confiscatório dos tributos; e apesar do parágrafo primeiro, do artigo 145 alertar para capacidade contributiva do contribuinte, o que temos observado é uma enxurrada de falências das empresas que resolveram pagar tudo ou que foram alvo de ações fiscais escarnecedoras. Quando o fisco mata uma empresa, ele deixa muitas famílias na rua da amargura, além de causar um impacto violento na vida de várias outras pessoas relacionadas à empresa falida. Qualquer um que resolva obedecer cada vírgula das 309.147 normas tributárias supracitadas descobre de imediato que vai morrer em poucos dias. Se todo excesso fiscal não é uma violação dos artigos aqui mencionados, o que é então? Será que de fato existe um abismo institucionalizado entre o texto da lei e a sua efetiva aplicação no cotidiano das pessoas? Será que está claro que o Fisco não é obrigado a observar lei nenhuma? Ou será que a nossa CF é uma fraude?

O Fisco adquiriu um caráter ditatorial e absolutista. Ele não conhece nenhum tipo de balizamento moral: ele faz, desfaz; não cumpre acordos, quebra a palavra, engana, ilude, escamoteia etc., sempre contando com a passividade do contribuinte que engole tudo calado. Daí, o espanto geral quando um contribuinte resolve dizer certas verdades num evento público promovido pelo ente fazendário. 


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