quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

TEMPESTADE À VISTA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25/02/2014 - A159

“O Presidente é um criminoso. Fez da Ucrânia um país de corrupção e de terror. Os mais pobres não têm qualquer possibilidade de ganhar um salário decente, e os homens de negócios honestos, que trabalharam e se esforçaram, são vítimas de extorsão permanente por parte de funcionários e amigos do regime. Vivemos num regime feudal. Mas as pessoas têm uma mentalidade aberta e não querem mais viver no feudalismo.” Essa é a declaração de uma cidadã ucraniana publicada na edição on-line do jornal português Público sábado passado. A reportagem foi produzida pelo jornalista Paulo Moura.

A estabilidade política ucraniana está se esfarelando como um castelo de areia à beira mar. O que a princípio era um protesto contrário à influência russa no país, acabou se degenerando em violentas reações de amotinados quando o movimento fez explodir a revolta contida no peito do povo contra os abusos do governo. Por enquanto não se percebe nenhum sinal de desfecho pacífico, visto que a população está decidida a mudar radicalmente o sistema corrupto opressor. Algo semelhante está acontecendo na Venezuela, onde também ocorrem violentos embates entre tropas oficiais, milícias e grupos civis contrários aos desmandos do presidente Nicolás Maduro.

Pois é. Chega o momento em que basta uma faísca para que a revolução seja desencadeada. Nós também tivemos nosso momento ucraniano; felizmente, sem as mortes ocorridas em Kiev. Lá, como cá, o estopim da crise em nada tinha a ver com o verdadeiro cerne da questão. É bom lembrar que a nossa situação ainda não foi pacificada, visto que os protestos nunca cessaram. Outro fato a se considerar é que os ucranianos estão conseguindo fazer mudanças profundas no país, enquanto que todo aquele nosso alvoroço de junho passado sequer arranhou as impávidas e colossais estruturas da corrupção governamental que continuam mais fortes do que nunca. Se não fôssemos um país de mentalidade tão atrasada, o movimento de junho teria se transformado numa verdadeira revolução. 

O cinismo aqui é tão ostensivo que ainda hoje persiste no Supremo a interminável discussão do mensalão. Se houvesse um grau mínimo de seriedade no nosso sistema judicial esse assunto estaria sepultado há muitos anos com todo mundo preso. Preso de verdade. Aqui, todos os esforços são empreendidos para fazer reinar um permanente estado de impunidade, justamente para que essa famigerada impunidade tanto esteja disponível ao menor infrator “apreendido” diversas vezes, quanto ao grande tubarão da política que compra metade do congresso. Melhor dizendo, o congresso inteiro. Recentemente, uma corte norte americana condenou uma freira de 84 anos de idade a 35 meses de prisão por ter pichado as paredes de um prédio público (prisão de verdade). Dias atrás, a polícia paulista teve muito trabalho para despejar cerca de 3.000 pessoas que ocupavam 960 apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida. O episódio ficou marcado pela destruição de várias unidades pelos invasores. Ou seja, virou moda por aqui incendiar ônibus e cometer depredações sem que o poder público nada venha fazendo para identificar e punir exemplarmente cada um dos arruaceiros. Estabeleceu-se no país um clima de impunidade tão adensado que qualquer pessoa se sente autorizada a partir pra quebradeira.

Talvez essa seja a tática do governo: deixar rolar. Basta lembrar que todo aquele furdunço de junho passado explodiu depois que o governador Geraldo Alckmin mandou a polícia baixar o cacete nos primeiros manifestantes. Claro, deve ter se arrependido amargamente.

A onda de protestos ainda não acabou; junho ainda não acabou. E não acabou porque ainda há muito combustível para ser incendiado. Ou seja, o país está um caos; os desmandos da administração pública ficam cada vez mais ostensivos. A violência cresce num ritmo apavorante, a impunidade ganha musculatura e a corrupção desenfreada afronta todo dia o homem honesto.

Pois é. O governo não está fazendo nada para evitar uma revolução tão avassaladora quanto o terremoto de Kiev. O governo não muda e ao que tudo indica está pagando pra ver. Junho de 2013 entrou nas nossas vidas e não mais vai sair. O processo foi desencadeado. Como bem dito na bela canção “Wind Of Change”, o vento da mudança sopra diretamente na face do tempo, como uma tempestade a tocar o sino da liberdade.



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