terça-feira, 25 de março de 2014

EMPIRISMO QUE SE BASTA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 25/03/2014 - A163

Devemos perseverar como nação ou morreremos agarrados aos nossos próprios interesses. Essa frase está no mais recente “300”, superprodução do diretor israelense Noam Murro. O contexto da fala envolve uma circunstância de extrema pressão vivida pelo general Temístocles, dias antes da batalha de Salamina. Os acontecimentos subsequentes mostram o fantástico resultado de uma vitória improvável, cujo êxito foi consequência da firme determinação dos bravos guerreiros que estavam em número infinitamente menor que seus adversários. A implacável determinação do povo grego, de defender seu território e sua cultura, é apontada por alguns estudiosos como um grande exemplo de poder patriótico, o qual pode multiplicar a força de um exército e intimidar os adversários. Esse símbolo de coragem vem atravessando os séculos sem perder o vigor.

Pena que tanta bravura e determinação só aconteçam no cinema. Do lado de fora da sala de exibição a realidade é outra, com todo mundo circunscrito à região do próprio umbigo. As entidades representativas de classe existem, sim. Mas os associados são desprovidos da fibra que unia o antigo povo grego. Geralmente, o papel do associado é reclamar da associação a qual é filiado. Mesmo assim, há exceções. Os mototaxistas deram um show e uma lição de cidadania para o resto da sociedade quando foram pra frente da prefeitura e só saíram de lá depois que suas reivindicações foram atendidas. Recentemente, os lixeiros do Rio de Janeiro souberam agir em bloco para conseguir melhorias salariais.

Já, nas entidades mais sofisticadas e poderosas não se consegue enxergar a coragem e a determinação dos lixeiros e dos mototaxistas. O que se observa é uma gama de falatórios extensos e pouco produtivos. E para piorar, os diretores costumam se aproximar por demais daqueles a quem deveriam fazer certas exigências em prol dos interesses dos seus pares. Alguns desses dirigentes defendem a diplomacia como instrumento de negociação; outros, acreditam que faltam posicionamentos mais enérgicos e efetivos. Mais ainda, faltam resultados em áreas de extrema urgência e importância, como a fisco tributária.

Os empresários convivem diariamente com uma extensa lista de dificuldades relacionadas à pressão exercida pelos entes fazendários. As reclamações e discussões são inesgotáveis. Enquanto meio mundo de gente vive a se desdobrar em infindáveis reuniões sobre os excessos fiscais, o ente fazendário segue sua vida alheio aos debates e reclamações. Quando o confronto acontece, o objetivo das demandas meio que se perde devido a argumentações inconsistentes e desconhecimento da legislação tributária. Ou seja, quem cobra não sabe cobrar. Desse modo, o Fisco continua sua rotina e seus projetos de expansão e capilarização da arrecadação da forma que bem lhe aprouver.

É possível que os excessos do ente tributante sejam decorrentes da falta de diálogo com o contribuinte (tecnicamente mal preparado). A contribuição simbiótica do empresário esclarecido poderia melhorar a qualidade da gestão fiscal e também da arrecadação. Esse tipo de postura poderia ser adotado junto a várias esferas e instâncias do poder público, mediante um sistema de captação de demandas da sociedade com posterior análise e encaminhamento aos canais competentes, sejam eles assembleias estaduais, secretarias municipais, ministérios, prefeituras, congresso etc. Mas, claro, tais demandas seriam antes trabalhadas em profundidade por equipes tecnicamente bem preparadas.

O ideal é que as entidades representativas do poder econômico mantivessem centros de altos estudos sobre matérias tributárias, econômicas, mercadológicas, contábeis, jurídicas etc. Tais núcleos investigativos seriam compostos pelos melhores profissionais do país e até do exterior. As atribuições desses estudiosos seriam, por exemplo, dispor de posicionamentos e pareceres sobre as mais diversas demandas tributárias, cuja consistência e solidez técnica pudessem reduzir em muito, as possibilidades de contestação. Um grupo de estudos desse nível estaria preparado até mesmo para propor a reconstrução do nosso cipoal de normas tributárias. Atualmente, o poder executivo é quem toma iniciativa nas proposições dos assuntos mais diversos. E quase sempre sem a contribuição de representantes da sociedade organizada.

A realidade nossa de cada dia mostra que aquelas qualificações do gestor tão presentes nos livros de administração não são facilmente encontradas na maioria das empresas. Ou seja, habilidades essenciais como as relacionadas ao conhecimento contábil e tributário não são objeto de interesse dos empresários. Eles só se preocupam com o produzir, comprar, vender e receber. E muitos ainda se agarram ao empirismo, recusando-se assim a fazer um curso de alta gestão ou treinamento sobre uma matéria específica. A maioria entrega a contabilidade da sua empresa a um determinado profissional sem nunca validar a qualidade do serviço prestado ou avaliar a possibilidade de riscos fiscais e até mesmo riscos societários ou jurídicos. Por isso é que excelentes comerciantes têm seus argumentos desmontados nas reuniões com entes fazendários.



terça-feira, 18 de março de 2014

A MORTE DA JUSTIÇA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/03/2014 - A162

A edição da última terça-feira do Jornal Nacional mostrou o caso da cidade norte-americana que está ameaçada de desaparecer do mapa. A pequena Hampton ganhou notoriedade internacional depois das rumorosas suspeitas de corrupção que se abateram sobre a localidade. Os auditores do estado da Flórida detectaram uma série de irregularidades na administração municipal e por conta disso o legislativo estadual deu o prazo de um mês para que tudo fosse regularizado, sob pena da cidade ser anexada ao município vizinho. O prefeito está preso por tráfico de drogas.  O enredo dessa história segue uma trajetória comum com desfecho previsível. A coisa tem começo, meio e fim; com investigação ágil, decisões diretas, prefeito detido e município extinto. Simples, assim. Pelo menos para o cidadão estadunidense.  

O mais interessante nisso tudo é que um caso de corrupção envolvendo o equivalente a R$ 1,7 milhão se transformou numa epopeia planetária, enquanto que para nós, brasileiros, esse valor é um pingo de chuva, face ao dilúvio de casos sobre peculatos, mensalões, desmandos, malversações e dilapidações do patrimônio público que diariamente pipocam em tudo quanto é veículo midiático. Não há um só lugar que o cidadão brasileiro olhe que não encontre um caso de corrupção. Ao sair de casa para o trabalho, serão pelo menos umas 50 notícias sobre corrupção. Se for tomar um cafezinho na copa, tropeçará em mais 10 histórias envolvendo propina, desvio de verba etc. O bombardeio pesado acontece no início da noite com tudo quanto é canal de televisão mostrando uma cambada de engravatados se acusando uns aos outros de corrupto. Liga-se o computador e logo se percebe que o monitor é pequeno para a quantidade de corrupção que transborda dos noticiários on-line. E na hora de dormir o filhinho que mal aprendeu a falar pergunta por que os mensaleiros estão felizes da vida na capa da revista Veja.

O brasileiro tem estômago de avestruz. Todo dia, ao acordar, ele faz um tremendo esforço psicológico para não querer enxergar o que existe por baixo da capa que cobre um oceano de podridão. Essa resistente capa possui um forte colorido produzido pela televisão e suas histórias da carochinha: os assuntos giram em torno de dramas amorosos ou comédias preconceituosas. O objetivo é sempre entreter (entorpecer), de forma que não haja tempo para pensar ou refletir sobre o lamaçal cadavérico em que estão afundadas as nossas instituições legalmente constituídas. Essa dita capa, ou esse envernizado revestimento encouraçado, são os discursos, as declarações embusteiras, as manobras, as falácias, a politicagem, os marqueteiros, os ternos, as caras, os olhos que não piscam, as bocas que não tremem etc. Por isso é que apesar de estarmos há muito tempo em guerra civil devido ao apavorante avanço e domínio da criminalidade, as autoridades insistem na retórica da normalidade. A coisa está num nível tão alarmante que semana passada um grupo de 15 bandidos cortou a luz da cidade baiana de Macaúbas para atacar a polícia e explodir caixas eletrônicos.

A criminalidade desenfreada floresce no substrato da corrupção. Um estado corrupto jamais erradicará a criminalidade sistematizada. Se a sociedade quiser combater a epidemia da criminalidade, ela terá primeiro que atacar o câncer da corrupção. Ou morre os dois ou não morre nenhum.

A já imortalizada “tarde triste” tão melancolicamente relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa assombrou o Brasil pela crueza do seu significado. Naquela tarde o revestimento encouraçado foi rasgado como uma fratura exposta, onde, sem rodeios nem pudores cada um dos novatos mostrou a que veio. Naquele momento o povo brasileiro viu claramente as engrenagens sujas da nossa justiça e o que está por trás de cada decisão da mais alta corte da nação brasileira. Todo aquele palavreado rebuscado antes de cada voto é mera formalidade para cumprir um rito protocolar acertado de antemão. O Ministro Joaquim Barbosa desnudou o STF ao citar a “MAIORIA de circunstância formada SOB MEDIDA para lançar por terra todo um trabalho primoroso”. Para bom entendedor meia palavra basta.

O caso do mensalão aflorou o âmago das nossas instituições e mostrou que tudo é manipulável e tudo se amolda aos interesses do poder estabelecido. E isso aconteceu dentro das nossas casas, pela televisão, sem rodeios e sem artimanhas sofismáticas. Aquela gota desidratada de confiança que alguns esperançosos ainda nutriam pela justiça morreu naquela tarde triste. Ninguém agora confia em mais nada nesse país. E tudo quanto é matéria encaminhada ao STF terá seu desfecho previsível, principalmente se for objeto de alguma ameaça ao executivo. O pior de tudo é que se na alta corte aconteceu o que aconteceu, imagine as temeridades abomináveis que pautam as ações das instâncias inferiores. A cambaleante justiça recebeu o golpe de misericórdia e o crime organizado entendeu o recado. Seis indivíduos mataram o espírito de 200 milhões de incautos.



terça-feira, 11 de março de 2014

ATIVO LABORAL


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/03/2014 - A161

Um olhar atento para a estrutura duma empresa revela que seu patrimônio é mais do que máquinas, galpões ou dinheiro. Daí, a razão do setor contábil direcionar seus esforços para a identificação, mensuração e monitoramento do ativo intangível, tais como fundo de comércio, gestão de marcas etc. A crescente internacionalização das relações comerciais, combinada com a complexidade do mercado financeiro, concorreram para o surgimento dum ambiente de negócios altamente competitivo, onde prevalece a adoção acertada de estratégias empresariais e de tecnologia de ponta. Vence quem consegue traduzir as demandas e os fenômenos sempre cambiantes em melhores produtos e serviços. Claro, um bom resultado é consequência da mobilização harmoniosa de talentos dos mais diversos, combinado com o alinhamento dos objetivos preconizados pela alta administração. Por essa perspectiva contempla-se a importância de cada elemento do processo organizacional e produtivo. Ou seja, cada peça e cada detalhe precisam está rigorosamente ajustados para que o relógio seja pontual.

Poucas empresas conseguem um grau tão elevado de competência organizacional. Normalmente, o que se observa é uma mescla descompassada de ações gerenciais: o setor produtivo é ótimo, mas o departamento comercial é péssimo; o gerente financeiro reduziu custos, mas a empresa foi multada pela Receita Federal devido a erros contábeis. Ou então, como é fato corriqueiro e habitual, a empresa perdeu um funcionário de habilidades cruciais ao negócio. Há um estudo que nomina tais funcionários habilidosos de Conectores devido ao fato de catalisarem vários fluxos importantes, fazendo com que o trabalho de diversos colaboradores dependa dos seus talentos especiais. Muitas vezes, tais fenômenos acontecem naturalmente sem que a maioria consiga enxergar algo de extraordinário ao seu redor. Já, em outros ambientes laborais é fácil identificar aquele que faz acontecer ou que domina um processo crítico à saúde da organização. Mesmo assim, é muito comum o acontecer dum destempero inconsequente levar o diretor a demitir sumariamente um Conector. Quando isso acontece, vários fluxos são bruscamente abalados. Como também abalados e desestruturados ficam determinados processos organizacionais. Em algumas situações a empresa não mais consegue reproduzir a excelente configuração do passado.

A distribuidora de alimentos administrada por um habilidoso estrategista comercial ampliou sua presença no mercado local de tal forma que deixou os concorrentes apagados. O crescimento frenético dos negócios e o aumento volumoso das operações tornaram a empresa vulnerável a riscos fiscais e contábeis, porque tais assuntos burocráticos eram desprezados pelo chefe maior. A falta de investimento na estrutura de controle interno resultou numa enxurrada de ações fiscais que quase afunda o empreendimento. Isso, fora os prejuízos decorrentes da falta de eficiência operacional. Passado o susto, a direção resolveu contratar um grupo de profissionais especializados que com muito trabalho e dedicação conseguiu organizar os processos e reduzir drasticamente os custos da ineficiência operacional. Quando tudo parecia está funcionando a contento, lá, o doido do diretor demitiu os dois mais importantes Conectores, fazendo com que tudo voltasse à estaca zero. Ou seja, aquilo que levou anos para ser construído foi abruptamente demolido. O conhecimento, o diferencial competitivo, o capital intelectual, o ativo laboral, tudo foi jogado no lixo. Logo em seguida começaram a voltar os velhos e indesejáveis problemas do passado. É como se o sofrimento lá de trás, dos anos turbulentos, não tivesse sido suficiente.

Pois é. Assim é a vida. Dizem que a estupidez humana não conhece limites. A arrogância e a prepotência costumam cobrar um preço alto. Ou como disse um grande consultor organizacional, não existe mentalidade empresarial no Brasil. As coisas acontecem ao sabor dos impulsos e dos explosivos rompantes de fúria do diretor. E as consequências não demoram a chegar; vêm na forma de prejuízos dos mais diversos, incluindo o comprometimento da saúde e das relações familiares do administrador, além da desorientação de funcionários e também a perda de identidade e perda dos valores estabelecidos. Como bem dito em Marcos 8:36, “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” Ou seja, tudo tem seu preço.



sexta-feira, 7 de março de 2014

A busca da excelência na gestão pública


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/03/2014 - A160

A mensagem que a administração pública transmite para a sociedade é muito ruim e o estereótipo do administrador público é pior ainda. Grandes escândalos envolvendo gente graúda e casos recorrentes de mau atendimento do pessoal operacional contribuem para a estigmatização de toda uma classe de pessoas. O pior é que as evidências ruins são sempre ostensivas, enquanto que as boas práticas e as boas condutas se mantêm na sombra da discrição. E mesmo quando tais virtudes se transformam em peças publicitárias elas acabam sendo interpretadas como discursos eleitoreiros. Ou seja, a maioria da população não acredita que o ente público seja capaz de atitudes grandiosas e dignas de respeito e admiração.

A administração municipal manauara possui no seu quadro de secretários um executivo de renome internacional que está revolucionando a secretaria de finanças. Ou seja, ele está trazendo todo um conjunto de práticas que são comuns somente nas administrações empresariais de referência. Isso é uma revolução porque evidencia a intenção do prefeito de colocar a profissionalização acima da politicagem. Por tal motivo é que esse marco deveria se transformar num farol a guiar outros gestores públicos para o caminho das boas práticas administrativas.

De forma geral, os grandes feitos da gestão pública são desenvolvidos pelos técnicos do nível intermediário, sendo que dificilmente o chefe do executivo promove mudanças capazes de conferir um alto grau de transparência à sua administração. Um bom exemplo foi a criação do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), fruto da iniciativa dos técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional e do Serviço Federal de Processamento de Dados. Três décadas depois da sua criação, o SIAFI é hoje um modelo de controle respeitado mundialmente. Diversos modelos de gestão altamente eficientes foram desenvolvidos por outros entes públicos. Dentre os melhores, destaca-se o sistema integrado de gestão pública desenvolvido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) denominado Urbem. Esse sistema se assemelha aos melhores ERP utilizados pelas empresas.

O Urbem é fruto do rico arsenal de conhecimento sobre gestão municipal da CNM, e seu desenvolvimento contou com uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de primeira linha, cerca de 50 colaboradores. Seu poder de fogo é capaz de revolucionar as estruturas de quem se dispuser a adotá-lo como ferramenta de gestão pública. Apesar do custo astronômico do seu desenvolvimento, a CNM disponibiliza essa poderosa ferramenta de forma gratuita aos municípios. Na realidade, o lançamento oficial do projeto aqui no Amazonas está previsto para o fim desse semestre. Por enquanto, o formato atualizado do Urbem está sendo implantado na cidade de Presidente Figueiredo, cuja localidade reuniu condições adequadas para servir de projeto piloto. O propósito é apresentar aos gestores dos demais municípios amazonenses os resultados obtidos em Presidente Figueiredo. Por enquanto, está sendo feita uma campanha de divulgação. Na última semana de fevereiro o representante da Associação Amazonense de Municípios (AAM), senhor Kleberson Silva, fez duas apresentações do Urbem nas cidades de Silves e Itapiranga, onde surpreendeu os ouvintes com tantos benefícios que o sistema oferece.

O presidente da AAM, senhor Antonio Iran, está engajado na luta pela modernização da gestão pública dos municípios amazonenses, mesmo sabendo que a tarefa será trabalhosa. O grande empecilho está no nosso limitado serviço de internet. Outras limitações são menores, mas ainda assim desafiadoras, como estrutura de informática, treinamento de pessoal e o choque no modelo de contabilidade, que deverá ser negociado com os atuais prestadores de serviços contábeis. Mesmo assim, é bom ressaltar que há no interior do estado um grande contingente de profissionais gabaritados; todos eles ansiosos para melhorar a qualidade do seu trabalho. Talvez esse pessoal gabaritado facilite o processo de implantação do Urbem. Engana-se quem acha que o funcionalismo do interior é feito somente de pessoas medianas.

Dizem uns que os Estados Unidos da América são um grande país, não tanto devido ao seu poderio econômico ou militar, mas porque é uma nação bem administrada. E lá, o funcionário público é tão valorizado quanto a nação e o capital.