terça-feira, 14 de abril de 2015

SILÊNCIO DOS CULPADOS

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 14/04/2015 - A207
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Avaliada em quase US$ 70 bilhões a Enron foi a sétima maior empresa americana. Mesmo assim, 24 dias foi tempo suficiente para sucumbir num turbulento processo falimentar, o qual reunia todos os ingredientes de um gigantesco escândalo administrativo. A maior contribuinte da campanha presidencial do então candidato George W. Bush deixou sem emprego cerca de vinte mil funcionários. E ainda causou um prejuízo aos fundos de pensão na ordem de US$ 2 bilhões. Pouco antes do naufrágio os seus diretores conseguiram embolsar US$ 1 bilhão. A história da Enron é a história da corrupção sinergética, onde todos ajudaram na construção da fraude. Todos que deveriam dizer NÃO aos esquemas se calaram porque havia muito dinheiro transitando na cadeia de interesses que orbitava a companhia. Todos se aproveitaram da situação porque eram partes interessadas na gestão fraudulenta, tais quais, corretores, financistas, especuladores, políticos e toda a nata de Wall Street. Até a revista Fortune afirmou que a Enron era a empresa mais inovadora da América. A coisa foi tão feia que o Nobel de economia Paul Krugman declarou que "nos próximos anos o escândalo da Enron, e não o 11 de setembro, será visto como o grande divisor de águas na história da sociedade dos Estados Unidos".

É muito difícil quebrar esquemas orquestrados por gente poderosa. Uma sardinha que ousa invadir o terreno dos tubarões é imediatamente destroçada. O ambiente social e institucional brasileiro é inteiramente dominado pela corrupção. Traduzindo, um ecossistema corrosivo que não apresenta nenhuma saída ou possibilidade de salvação (a não ser para aqueles que estão conseguindo fugir do Brasil). Os que ficam são obrigados a engolir uma tempestade de eventos ignóbeis a inundar o país com muita violência, impunidade, roubos e todo tipo de desgraça a contaminar o cidadão por inteiro. Os erros são volumosos e intermitentes. Na realidade, tudo está errado: a maluquice das leis, o império da impunidade, o aparelhamento do Estado, a parcialidade da mídia, as relações incestuosas entre o público e o privado, o cinismo dos discursos embusteiros, a corrupção sistêmica, o roubo descarado com toneladas de provas que dão em nada etc., etc.

Assim como no caso Enron, todo mundo sabe dos erros, mas todos se calam em nome do pragmatismo e dos interesses pessoais. Como disse Maquiavel, “àquele que fizer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus”. Dessa forma, todos os espertos são engolidos pelo sistema, onde rapidamente aprendem o jogo das aparências e da desfaçatez. Seguir na contramão seria demonstrar falta de profissionalismo a comprometer seriamente as boas oportunidades financeiras que venham a surgir. O cara é bandido, mas é rico. O político é ladrão, mas construiu um hospital. O traficante é perigoso, mas encanta a mulherada com seu carrão...

Os fins justificam os meios, e ética não enche barriga. Quando esses conceitos se alastram de norte a sul ou se expandem na escala de milhões de cidadãos, chega-se por fim a uma sociedade alinhada com toda sorte de perversidades. Tanta deformidade moral é potencializada nos altos escalões da política, onde espetáculos grotescos se multiplicam aos borbotões. É nesse momento que se constata o quão baixo pode chegar o caráter do animal humano. Qualquer indivíduo minimamente decente ficaria enojado com o circo das CPI, onde nada se investiga e onde tudo ganha contornos de uma ridícula ópera bufa. Ou seja, todos sabem exatamente do ocorrido, mas ninguém é doido de fugir do script; as falas são ensaiadas e as atuações se desenvolvem de acordo com a etiqueta da conveniência. Ali, na reunião da CPI, todo mundo conhece o grau de bandidagem do colega, mas dificilmente alguém se arrisca a abrir o jogo, como fez o delator Paulo Roberto Costa.

Podemos dizer que o Juiz Sérgio Moro não é uma sardinha, mas é uma habilidosa piranha de dentes afiados o suficiente para morder o ponto fraco dos tubarões e ainda por cima conseguir sobreviver num ambiente onde os personagens graúdos das relações público privadas estão conectados por fortíssimos laços criminosos. Mais impressionante ainda é a coragem de desafiar um sistema onde a corrupção reina absoluta em todos os quadrantes da nação.

O esquema fraudulento da Enron só foi quebrado com a falência da empresa. Vamos rezar para que possamos subjugar a corrupção sem antes quebrar o Brasil. Talvez precisemos refletir sobre o nosso silêncio e o nosso grau de conivência nisso tudo.



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