quarta-feira, 30 de março de 2016

ROUBAR É NORMAL


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 29/03/2016 - A249

As varizes se expandiam e se agravavam sem que nenhum tratamento melhorasse a péssima estética das pernas. Uma elegante meia-calça disfarçava o problema, mas o pescoço pelancudo exigia um ritual cansativo envolvendo aplicação de cremes e muita maquiagem. Maria achava tudo isso injusto, já que fazia imensos sacrifícios para manter o peso ou sofrer o dia inteiro naqueles sapatos altíssimos. Sua amiga Raimunda seguia na direção contrária da ditadura da beleza. Por comer muito era bem fofinha, repelindo assim os olhares masculinos. A coitada morria de vergonha do próprio corpo. Tanto, que evitava passar muito tempo na frente do espelho. O problema do João era outro. Um problema pequeno. Pequeno demais. Daí, seu esforço para ser um cara super bonitão, atraindo olhares assanhados da mulherada. Curiosamente, tanto sucesso não combinava com os pouquíssimos relacionamentos amorosos. O seu pequeno problema dificultava tudo e o João fazia de tudo para evitar exposição da sua intimidade. O Pedro não tinha um pequeno problema, mas o cara era feio pra caramba. Por esse motivo estava sempre bem vestido com roupas bonitas e largas. Isso desviava o foco da feiura.

Eis que esse pessoal viajou num ônibus para o interior do estado para visitar um belo local turístico. O veículo foi interceptado no meio da noite por um grupo de bandidos que obrigou o motorista a desviar a rota até chegar num galpão abandonado de uma antiga fábrica no meio do mato. Não bastasse o pânico do sequestro, o imenso contingente de passageiros foi obrigado a ficar sem nenhuma roupa. Como era noite, as pessoas se sentiram vestidas pela escuridão. Mas no dia seguinte descobriram que o ambiente era super iluminado por telhas transparentes. Daí, que o constrangimento bateu forte nos mais pudorosos. O João se recolheu num canto, não querendo de forma alguma sair dali. Os demais ficaram desorientados, sem saber como se comportar. O dia foi passando até que o cansaço foi obrigando um a um a se levantar e a esticar o corpo. Os primeiros foram encorajando outros e mais outros até que em certo momento a vergonha diminuiu bastante. O sequestro durou uma semana, sendo que no final quase todo mundo encarava a nudez com naturalidade, como se estivessem vestidos. Até o João desencanou. Tanto a Maria quanto sua amiga Raimunda ia de um lado para o outro do galpão sem grilos ou constrangimentos, já que todo mundo tinha uma ou outra feiura.

Pois é. Os recentes e históricos estremecimentos políticos vêm desnudando as feiuras que tantos se esforçam para mantê-las encobertas por grossas e opacas camadas: camiseta, camisa, colete, terno, discursos, maquiagem, marqueteiros etc. De início, aquela tatuagem horrorosa no braço foi revelada em praça pública. Depois, as pernas tortas e magrelas. Em seguida, várias cicatrizes de pereba na bunda. A reação imediata às primeiras revelações foi a de suavizar o choque do constrangimento. Depois, inventar teorias sobre conceitos estéticos mais elásticos. Por fim, depois do caldo entornado, bradar aos quatro ventos que a FEIURA É NORMAL, sugerindo que todos também são feios. E se todos são pavorosos, não há motivo para ninguém se envergonhar. “Todos”, significa eu, você e os brasileiros em geral. Pior de tudo é que somos obrigados a reconhecer que o universo político é reflexo direto do mundo privado. Ou seja, eles, somos nós e nós somos eles. Se eles estão lá é porque há consentimento do lado de cá.

Os problemas da nossa política são de sempre. A roubalheira, a corrupção, a demagogia, o descaramento são partes do corpo político. Cortar a corrupção é o mesmo que cortar o braço desse corpo. Cortar as ignomínias equivale a cortar as pernas. E assim por diante. Cortar tudo de ruim seria o mesmo que cremar esse corpo, reduzindo-lhe a cinzas. Quem hoje está na política, estar lá justamente por causa dessas peculiares características. Pergunta-se: Por que será que as brigas por cargos estratégicos são tão ferozes? Por que será que ministérios decorativos com pouco orçamento são tão pouco atrativos? Conclui-se então que uma nova política exigiria um novo corpo, formado por novas mentalidades, uma vez que, em vista do plantel atual, todo mundo cairia fora no momento em que não fosse mais possível roubar. Toda aquela excitação de quem luta para ingressar nos círculos do poder é movida pela expectativa de um dia entrar para o clube dos ladrões.

Infelizmente, lamentavelmente, assistimos de camarote à desintegração do nosso sistema político. Na esteira de tantas desgraças, as instituições seguem agonizando por causa do cupinzeiro instalado nos seus pilares mais importantes. O descalabro é mais grave e mais profundo do que qualquer mente criativa poderia imaginar. E no meio da tempestade somente um potentado se mantém intacto, que é o Juiz Sergio Moro. Se ele cair, a desgraça será total e irremediável. Que Deus tenha piedade das nossas almas coniventes. 



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