quinta-feira, 7 de abril de 2016

ARMADILHAS DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/04/2016 - A250

O ente público não é digno de confiança. É menos arriscado prestar serviços para um traficante do que para uma prefeitura. Negociar com o poder público exige preparação e um complexo aprendizado sobre o funcionamento dos mecanismos da máquina estatal. É preciso adicionar ao custo do serviço as propinas, os atrasos e os diversos eventos atravancadores da liberação do dinheiro. A operação Lava Jato vem desnudando a podridão existente nas ações administrativas dos gestores públicos. Esse comportamento ardiloso é intensificado na legislação tributária – cada palavra da lei esconde uma intenção maliciosa. O objetivo é sempre criar um ambiente de obscuridade capaz de deixar o contribuinte totalmente desorientado. O empresariado acaba por contribuir com esse estado calamitoso de coisas, uma vez que não costuma se interessar por assuntos burocráticos. Essa inércia escancara as porteiras do bom senso deixando o fisco avançar livremente sobre bolso de quem trabalha e produz a riqueza da nação.

Um caso mais do que emblemático a se considerar é a legislação do ICMS substituição tributária. Lá, nos primórdios, o nascimento de um imposto qualquer era consequência de um ganho. Ou seja, era preciso, antes, ganhar, para depois pagar. Mais a frente, esse “ganhar” foi substituído pelo “vender”. E claro, óbvio, venda não é sinônimo de dinheiro em caixa. Por esse motivo, muitas vezes pagava-se sem ter dinheiro para tal. Mas não satisfeito, o fisco foi além. Veio então a ideia de pagar sem ao menos ter vendido. O governo passou obrigar o contribuinte a pagar imposto sobre uma base inexistente. Era a substituição tributária. De início, houve uma violenta reação à tamanha insanidade. Mas, na lábia, comendo pelas beiradas e se valendo de contorcionismos retóricos, o governo conseguiu queimar o lombo do contribuinte com um ferrete incandescente. No começo doeu bastante, mas de tanto levar ferro o empresário acabou se acostumando com o abuso. Mas nunca engoliu o desaforo.

O argumento central da substituição tributária consistia na dificuldade de fiscalização no varejo, concentrando assim a cobrança na indústria. A lista de produtos alcançados pelo sistema era bem restrita. Foi com muito xaveco ao pé do ouvido que o empresário caiu na cantada. E depois de colocar a coisa direitinho, o governo deu o bote com uma imensa lista de produtos a enfiar goela abaixo do contribuinte. Mais a frente, perverteu o próprio sistema da substituição tributária ao extinguir a figura do substituto, mas mantendo o mecanismo de cobrança com a malfadada ST interna. Daí pra frente todos os esforços foram concentrados na transformação desse sistema num enrosco normativo impenetrável e indecifrável. As empresas mergulharam num inferno burocrático repleto de óleo fervente e de muitas chicotadas com arame farpado.

O interminável e confuso jogo de interesses presente nas reuniões do Confaz resultou num emaranhado de sobreposições e conflitos de regras, além do detalhamento minucioso de situações e enquadramentos de uma variedade infinita de mercadorias. Por exemplo, mamadeiras e produtos de toucador são mencionados numa sequência exaustiva de classificações e subclassificações que parece não ter fim. Os produtos se repetem, se repetem, em inúmeras regras de enquadramento. Coisa de doido. Ou de gente mal intencionada.

Como desgraça pouca é bobagem, até outubro de 2010 o contribuinte poderia compensar a duplicidade de cobrança do ICMS na sua escrituração fiscal. Essa duplicidade acontece quando um produto ST é vendido para fora do estado. O Decreto 30486/2010 acabou, na prática, com esse direito de compensação. Explica-se. A partir de então as empresas ficaram dependentes da autorização da Sefaz para fazer a tal compensação. E, claro, no frigir dos ovos, a SEFAZ nunca dá essa compensação. Pelo menos é essa a leitura feita pelo contribuinte. Por isso é que poucas empresas se prestam a solicitar compensação pela duplicidade de pagamento de ICMS. Há casos de distribuidoras que sobretaxam suas mercadorias ST nas vendas para fora do Amazonas. Elas sabem que o melhor a fazer é cobrar a duplicidade tributária do cliente, pois são convictas da inviabilidade de resgatar da SEFAZ o imposto cobrado em dobro.

As regras de ressarcimento elencadas no artigo 115 do RICMSAM são impraticáveis. A burocracia envolvida nesse processo é tamanha que alguns dos menores processos chegam a mais de 700 páginas de cópias de documentos, planilhas, demonstrativos etc. O tempo necessário para elaboração do calhamaço de todas as operações passíveis de ressarcimento é gigantesco. Gigantesco também é o tempo que o funcionário da SEFAZ gasta para analisar uma montanha de processos recheados de detalhamentos. Portanto, está mais do que clara a intenção embusteira do legislador. Fica evidente, também, o propósito da SEFAZ de garantir uma receita extra de ICMS cobrado em dobro. A SEFAZ criou uma regra impraticável que resultou numa receita formidável, já que nunca devolve nada. Esse tipo de política doentia restringe a ação dos agentes econômicos, impedindo a entrada de dinheiro no Amazonas, uma vez que muita gente se recusa a vender mercadorias ST para fora do estado, pois sabe que lutar por seus direitos constitucionais é o mesmo que dar murro em ponta de faca.

A nossa Carta Magna é constantemente desrespeitada. A Emenda Constitucional número 3 “assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido da substituição tributária” Pois é. “imediata”, para a SEFAZ é de no mínimo um ano. É esse o prazo que a SEFAZ diz na lata do contribuinte quando ele dá entrada num pedido de restituição do ICMS pago em dobro. Alguns processos rolam por anos sem resposta.

Se a classe dos comerciantes tivesse um pouco de interesse por “assuntos burocráticos” eles bem que poderiam se unir em torno de uma luta para derrubar o dito Decreto 30486, garantindo assim o cumprimento das disposições contidas na EC3. Mas a SEFAZ conhece bem a passividade do seu contribuinte. Por isso ela deita e rola por cima das arbitrariedades e das ilegalidades. Tantos rebuliços evidenciam o nosso rarefeito senso de cidadania e a fragilidade das nossas quebradiças instituições legalmente constituídas. 



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