terça-feira, 2 de agosto de 2016

A CONFUSÃO DOS TRIBUTOS INDIRETOS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 2 / 8 / 2016 - A261

Configura-se crime contra a ordem tributária, deixar de recolher no prazo legal os valores de tributos descontados de terceiros (Lei 8137/1990 art. 2º, II). Nessa situação é enquadrada a contribuição previdenciária e o imposto de renda descontados dos empregados pelas empresas. Poder-se-ia também incluir nesse rol de ações delituosas o IPI, bem como a Substituição Tributária do ICMS cobrado do adquirente de mercadorias. Em qualquer dessas hipóteses fica caracterizado o ato de apropriação indébita. Enquanto isso, os tributos indiretos possuem distinções bem particulares e por tal motivo merecem uma análise cuidadosa. Por exemplo, o imposto declarado e não pago deixa de sujeitar o contribuinte às penalidades do dispositivo legal supramencionado. Crime haveria se for comprovada alguma intenção de fraude com propósito de enganar as autoridades fazendárias. O simples inadimplemento não pode resultar numa ordem de encarceramento, mesmo porque o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que dispõe no seu artigo 7º, item 7, que “ninguém deve ser detido por dívidas” (vide Decreto 678/1992).

Isto posto, vamos imaginar duas situações hipotéticas de inadimplência tributária. O comerciante João acrescenta ao custo de aquisição uma margem pequena o suficiente para justificar um modesto percentual de lucratividade. Portanto, não é possível afirmar que esse comerciante se apropriou de um imposto não cobrado do consumidor. Por outro lado, o comerciante Pedro formalizou e documentou um procedimento interno que evidencia com exatidão a quantidade de impostos indiretos embutidos nos preços dos produtos que comercializa. Ou seja, de posse desse material informativo uma ação fiscalizatória conseguiria identificar os valores “retidos” do cliente e não repassados ao erário no prazo legal. Pois é!! Curiosamente, a legislação não distingue as duas condutas. Tanto um quanto o outro estão no mesmo nível de irregularidade. E o motivo está na caracterização do fato gerador do tributo, que é a saída da mercadoria do estabelecimento empresarial, e também na relação jurídica fixada entre o governo (sujeito ativo) e o empresário (contribuinte de direito). Acontece que o consumidor é Contribuinte de Fato por suportar o custo financeiro de tantos rebuliços normativos. Mesmo assim, metade do valor do refrigerante não repassado ao erário deixa de ser uma apropriação indébita por causa da interseção de responsabilidades e de uma coisa denominada “não cumulatividade”. Não nos enganemos. Toda confusão tem um propósito.

Se ICMS, Pis e Cofins tivessem o mesmo tratamento do IPI ou se o nosso sistema de impostos sobre consumo fosse igual ao dos EUA, é certo que o nível de sonegação seria infinitamente menor pelo grande risco de penalidade criminal. Uma eventual mudança de sistema poderia desencadear graves possibilidades de guerra civil no país. Imagine então o consumidor chegando ao caixa duma loja para pagar um videogame de R$ 500 e descobrir que tem mais R$ 1.500 de imposto!! O nosso modelo tributário esconde essa informação taxativa do consumidor, que é fraudulentamente informado do preço de R$ 2.000. Imagine aquela pessoa que passou um ano economizando e depois é informado de que quase todo o seu suado dinheirinho vai ser usado para bancar o luxo e as extravagâncias de deputados e de outros agentes públicos!! É certo de que a população sairia às ruas quebrando tudo e ateando fogo nas casas dos políticos. Lamentavelmente, o consumidor brasileiro é acintosamente enganado sempre que compra alguma coisa, uma vez que o comerciante não separa na etiqueta do preço o que é imposto e o que é produto. A falha, nesse caso, é de um sistema legal torto e malicioso.

A confusão tem seus percalços. Uma das maiores dificuldades é identificar com precisão a quantidade de tributos indiretos embutidos nos preços das mercadorias. No supracitado caso do comerciante João, mesmo que dobrasse o preço de aquisição do produto, ele poderia afirmar que não adicionou Pis/Cofins/ICMS e que toda a margem acrescentada é custo administrativo e percentual de lucratividade. A legislação, de certo modo, desconsidera a existência do Contribuinte de Fato, suscitando a tese de que, na prática, Pis/Cofins/ICMS são tributos diretos, assim como imposto de renda ou IPTU.

Por conta de tantos e imutáveis imbróglios, continuaremos tropeçando nas próprias pernas, pagando mico frente ao mundo, atravancando negócios e assistindo de camarote ao festival de presepadas dos nossos legisladores. Enfim, somos um bando de caipiras simulando gestos da nobreza. Somos incapazes de entender e consequentemente somos incapazes de questionar. Pior, somos covardes por não lutar pela racionalidade do sistema tributário. 


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