terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A MORTE DA POLÍTICA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277

A mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia, portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica. A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo aterrorizante.

A tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro, claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente, “a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado. Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições. Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia psicológica.

A política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?

A delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos luxuosos e bem cortados.

O fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido. Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito PADRÃO vale pra todo mundo.

Voltemos à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus, consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis. 




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