terça-feira, 22 de novembro de 2016

SIMPLIFICAR PARA ARRECADAR


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 22 / 11 / 2016 - A276

O governo de Mato Grosso deu início a um audacioso projeto de reforma do ICMS. A nova estrutura de tributação proposta para ser debatida com a sociedade é representada por cinco diretivas que caracterizam o ICMS-SINTA 4.0: Simples, Isonômico, Neutro, Transparente e Arrecadador. Simplicidade é sinônimo de segurança jurídica, na medida em que propõe uma faxina geral e abrangente no entulho de regras que atrapalha o ambiente de negócios. Isonomia na tributação sobre consumo indica uniformidade de alíquota para coibir pressões de empresários por benefícios fiscais. Com isso, busca-se também reduzir o custo dos controles e consequentemente frear as contendas judiciais. A Neutralidade pretende não criar distorções no ambiente de negócios. A Transparência é um direito básico do contribuinte, que precisa saber o destino dos impostos arrecadados. Por fim, a Arrecadação é a finalidade maior do sistema tributário. Daí, que todos os esforços devem ser envidados na eficiência da máquina fiscal, de modo que o Estado consiga cumprir seus objetivos e suas metas orçamentárias.

Ressalte-se que tudo isso é apenas uma proposta a ser colocada em audiências públicas para análise cuidadosa, uma vez que a estrutura normativa do ICMS é resultante do acúmulo de regras fossilizadas pelo tempo. Mesmo assim, a iniciativa do órgão fazendário é louvável pela coragem de enfrentar um desafio de tamanha envergadura. De qualquer forma, a mudança é necessária. O estado do Mato Grosso possui uma das mais intrincadas legislações de ICMS. Como bem dito pelo Professor Eurico de Santi, ter regra demais é como não ter regra nenhuma.

Em contraposição a vinte anos de discussões inócuas em torno da reforma tributária, há sim, projetos viáveis para se alcançar um modelo mais justo e mais racionalizado de tributação. A Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, possui um núcleo de excelência denominado Centro de Cidadania Fiscal, que é pilotado por expoentes da mais alta casta tributária, como Eurico de Santi, Bernard Appy, Isaias Coelho e Nelson Machado. Essa equipe dispõe de modelos bem elaborados e prontos para operacionalização em escala nacional. Claro, obvio, é sabido de todos nós que a viabilidade de tais projetos não depende da qualidade técnica dos modelos existentes. O fator crucial está na política. Melhor dizendo, no jogo político de interesses regionais. O estado do Mato Grosso está mostrando que os obstáculos podem ser transpostos. É possível que nos últimos vinte anos tenha se desenrolado muito jogo de cena e pouco interesse de se trabalhar seriamente no assunto. Agora, com a economia em frangalhos, empresas e governos estão correndo atrás do prejuízo.

Seria oportuno estudar o apego do legislador à complexidade desenfreada. Por que tudo é feito da pior forma possível? Por que tudo é TÃO complicado? O que há por trás de tudo isso? Quem ganha; quem perde? Será que a corrupção está por trás disso tudo?

Estranhamente, o órgão fazendário perde muito dinheiro com os rebuliços normativos. Tal comportamento é mais presente no Fisco Estadual. A Receita Federal segue na direção oposta, com uma normatização bem menos confusa e com uma estrutura administrativa superior aos seus correspondentes estaduais. Todo esse aparente cuidado foi seriamente comprometido pela operação Zelotes, da Polícia Federal. Assim mesmo, os tributos federais dão menos trabalho aos Contadores.

A Secretaria de Fazenda do Amazonas é uma das mais organizadas do país (talvez seja a melhor). Mesmo assim, carrega nos ombros um monte de pecados e de excessos normativos. O Regulamento do ICMS/AM está cheio de inconsistências e de rebarbas que precisam ser aparadas. Se o viés técnico tivesse poder de orientar um grande trabalho de reformulação legislativa, é provável que houvesse um incremento na arrecadação de impostos. O problema está nas exceções e na multiplicidade de acordos setoriais que desequilibram o princípio da equidade. Ninguém quer mexer no vespeiro ou desagradar figuras expressivas da economia amazonense.





sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A ERA DOS CIDADÃOS CRÍTICOS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 11 / 2016 - A275

Taxada de quarto poder, a grande e poderosa mídia tradicional se acostumou com a prática de estabelecer padrões de comportamento aos incautos membros duma sociedade alienada. A televisão, por exemplo, atuava como uma habilidosa dançarina que conduzia o parceiro aos quatro cantos do salão sem que ele percebesse a manigância. Daí, a justificativa do exorbitante custo publicitário para adentrar nos ambientes familiares. Quem desembolsava mais dinheiro, conquistava mais corações. Ergueram-se assim os impérios políticos e capitalistas, que fizeram gato e sapato das consciências daqueles que só conseguiam enxergar um lado da verdade. Pois bem. A bomba atômica da internet espatifou esse paradigma aparentemente indestrutível. Agora, as verdades são multifacetadas – um autêntico caleidoscópio. Fato subsequente, o congelante torpor se esvaiu da alma do cidadão comum, que acordou para uma realidade áspera e beligerante. Ou seja, cortinas caíram, máscaras derreteram e a velha moral se fragilizou. Todo o aprendizado sobre valores e condutas encerrava um dogmatismo maniqueísta que atormentava as pessoas com dilemas variados. O foco era exageradamente restrito.

O fenômeno é mundial. E o espanto também. Ganha força, uma onda de descontentamento em relação às autoridades constituídas. A eleição do espalhafatoso Donald Trump apanhou todos no contrapé (o improvável aconteceu). Indagações persistentes transpassaram cabeças atordoadas de gente das mais variadas nacionalidades. Por que então os acontecimentos não seguiram o script convencional? Tudo estava prontinho para a posse da experiente Hillary Clinton, que atendia a todos os requisitos do candidato padrão. Seu oponente republicano era um completo antagonista dos modelos estabelecidos, que rompia convenções e desconstruía a postura do politicamente correto. Como interpretar um cenário tão surreal?

Análises mais detalhadas do processo eleitoral indicaram uma população decepcionada com o sistema político americano. A candidata democrata encarnava tudo o que de mais censurável acontecia nos bastidores das relações incestuosas entre o público e o privado. Relatos suspeitíssimos de tráfico de influência estão vinculados a cifras astronômicas que tufaram os bolsos da família Clinton. O pragmatismo econômico e o lobby persistente se entranharam nos assuntos oficiais quando a senhora Hillary ocupava o alto escalão do governo. A confusão dos e-mails processados fora do sistema oficial só ratificava a suspeita de ações reprováveis. Outra queixa da população excluída dos ganhos fartos está na soberba das elites aristocráticas que desprezam os menos favorecidos. A candidata democrata simboliza essa classe dominante pelo seu visceral relacionamento com os banqueiros de Wall Street. O candidato Trump não era um político profissional e, portanto, não estava impregnado com os pecados do poder. O senhor Donald dizia aquilo que as pessoas pensavam, mas temiam expressar em palavras. No final, as caixas de ressonância funcionaram direitinho.

O Brexit inglês e o “Não” colombiano colocaram em xeque o ideal democrático. Talvez, porque esse dito ideal nasceu e floresceu num ambiente de manipulação. Muitos não querem admitir, mas não há como negar a existência duma crescente tensão social (a velha luta de classes). Só que agora se forma uma espécie de levante. O pobre marginalizado não vê motivos para defender a estabilidade da elite aristocrática. E as redes sociais têm papel fundamental nesse processo. Por isso é que vez por outra um magistrado doido manda bloquear esses canais de interatividade, visto que uma população esclarecida é o pesadelo maior do opressor. O lado perverso desse jogo social está na exacerbação de conflitos e na intensificação de atos preconceituosos. E, claro, toda essa miscelânea se apresenta como um prato cheio para os populistas de plantão. O Trump de hoje pode ser o Bolsonaro de amanhã; ou o Tiririca de 2018.

Nós já provamos um pouco do veneno quando metade da população não concordou com os resultados das urnas. A consequência do imbróglio se traduziu num longo e doloroso processo de impeachment. O pior é que a mudança de comando não aliviou a percepção negativa que a população tinha dos políticos e de toda a administração pública. Desapontamento e raiva fermentam no peito do brasileiro numa intensidade ainda maior. Enquanto isso, a politicada não larga mão dos esquemas de sempre. Parece que o limiar duma revolução moralizadora só fomenta a roubalheira. É preciso fazer o pé-de-meia antes de a coisa toda explodir em milhões de fragmentos democráticos. 





segunda-feira, 14 de novembro de 2016

PERVERSIDADE DOS REGIMES ESPECIAIS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15 / 11 / 2016 - A274

A crise financeira que assola as contas do Rio de Janeiro adquire contornos trágicos, com possibilidade dos servidores públicos ficarem sem salário nos últimos cinco meses de 2017. As medidas corretivas contemplam aumento de desconto previdenciário e majoração da alíquota do ICMS, que já é a maior do país. Ou seja, a população fluminense está sendo convidada a pagar o prejuízo causado por anos de desmando administrativo (como de praxe). O bode expiatório é sacrificado aos deuses enquanto o governo segue limpinho na sua gastança desenfreada. Meses atrás, o governador interino ficou numa saia justa por causa duma licitação de valor astronômico para bancar um rega-bofe escandaloso. Tudo foi cancelado porque a imprensa caiu de pau no assunto. A culpa oficial de tantos problemas está na queda de arrecadação, principalmente dos royalties. Mas também, vale ressaltar que cerca de R$ 200 bilhões foram sangrados do erário na forma de incentivos fiscais. Não fosse essa exacerbada política de regimes especiais o quadro geral do Rio de Janeiro estaria bem mais equilibrado.

A guerra fiscal joga as unidades federativas numa arena de disputas sangrentas, onde é impossível sair incólume. Alguém sempre paga o pato. Toda vez que se coloca mais dinheiro num bolso, o outro fica prejudicado. Quando um, ganha, o outro perde. (a matemática é insofismável). Mesmo assim, os regimes especiais são exaustivamente utilizados como política de desenvolvimento regional – não se trilha rotas alternativas ou não se sabe fazer outra coisa. O mexe remexe normativo para legalizar tantos solavancos tributários cria um buraco no orçamento, que é tapado pelo sacrifício dos mais fracos. O alvo preferencial é sempre o mais pobre, que já sofre horrores com o mais escarnecedor sistema regressivo do mundo. O rico não padece tanto porque quanto maior é a renda, menor é a carga relativa. Daí, o conceito da regressividade.

A progressividade no Brasil é um tabu difícil de quebrar porque o legislador se recusa a mexer no bolso do rico. Temos uma das menores taxações nominais sobre renda e patrimônio. Por exemplo, o governo francês abocanha 60% duma herança enquanto que o estado do Amazonas cobra 2% somente. Já, a cesta básica amazonense é a mais taxada do país. Isto é, todos os outros Estados possuem tributação reduzida para a cesta básica, menos o Amazonas. O pobre que se dane. Essa é a mensagem irradiada pelo poder público. Meses atrás, foi noticiado na internet que 45% dos rendimentos da família do ex-presidente Bill Clinton foram convertidos em impostos, enquanto que a nossa Lavagem Oficial da Repatriação foi beneficiada com alíquota de 15%. Por aqui, a sonegação de grande escala é premiada por leis boazinhas ou por reiterados programas de parcelamento, deixando o contribuinte honesto com cara de palhaço.

No paraíso da Zona Franca de Manaus vivem os empreendimentos geradores de empregos que, por tabela, alimentam uma infinidade de pequenos negócios. No frigir dos ovos, tudo gera renda e desenvolvimento. Mas, como não existe almoço grátis, alguém precisa suportar as agruras do inferno fiscal para manter o equilíbrio de forças. Aqui, percebe-se claramente uma brutal diferença entre dois polos econômicos: Indústria e Comércio. Enquanto o primeiro se comporta como um bebê chorão e mimado, o outro é tratado como bastardo. Os agentes governamentais formam uma blindagem em torno da ZFM, estando sempre de prontidão para embalar a criança. A Sefaz, por exemplo, atende imediatamente qualquer solicitação da FIEAM para discutir aspectos normativos ou procedimentos técnicos legais. Enquanto isso, o Conselho Regional de Contabilidade aguarda resposta para uma solicitação de esclarecimento protocolada dia 16 de janeiro de 2016. As insistentes cobranças de audiência não amoleceram o coração do órgão fazendário. Está pendente também um pleito acordado em reunião com o Governador para conferências mensais com a classe contábil das empresas comerciais. Toda essa marginalização acontece de modo grosseiro e ostensivo, quase um acinte.

A conta contábil Renúncias Fiscais não foi aberta ao TCE. A figura jurídica do Sigilo Fiscal é um instrumento utilizado para esconder o jogo de desigualdades e de injustiças tributárias. Tudo é feito para que institutos de pesquisas não consigam construir um panorama abrangente do sistema fiscal brasileiro. A ideia é que um não saiba o que o outro está ganhando. E tudo fica camuflado no pântano sombrio dos acordos de gabinete (feitos com os amigos do rei). Por outro lado, esse sistema perverso não é frontalmente combatido porque muita gente, lá no seu íntimo, quer mesmo é tirar proveito da situação. Cada um corre pra garantir o seu lado. O resultado está aí, na forma da tragédia fluminense, que pode ser o prenúncio duma onda a varrer o país inteiro. Quem sabe, talvez, lá debaixo dos escombros alguém possa enxergar o óbvio.









segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A MELHOR FERRAMENTA PARA O PIOR TRABALHO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 8 / 11 / 2016 - A273

Numa magnífica e providencial exposição o Jurista Eurico de Santi traçou um panorama do nosso sistema jurídico fiscal. Ele iniciou sua palestra com o relato duma iniciativa da Receita Federal, que convidara segmentos do empresariado para discutir modificações na legislação do Pis/Confis. Tal acontecimento indicou uma mudança de paradigma, onde não mais é o Estado que ordena, regula e determina. As soluções devem surgir da união conjunta de esforços e do debate objetivo.

Certa vez, o Diretor de Impostos do FMI, sr. Richard Bird, esteve no Brasil para discutir particularidades do nosso sistema tributário. Do alto dos seus 50 anos de experiência ao redor do mundo, ele afirmou que nunca tinha visto todos os possíveis problemas fisco tributários, juntos, num mesmo país. O senhor Bird declarou ainda que a nossa arrecadação é muito alta e que por isso mesmo não deveria haver motivo para reclamação. Seguindo nessa linha de raciocínio, o Tributarista José Roberto Afonso disse que os fiscais brasileiros aplicam cada vez melhor um sistema tributário cada vez pior. Trocando em miúdos, possuímos a tremenda eficiência tecnológica do SPED para aplicar numa legislação que não faz mais sentido. As infinitas discussões sobre os vastos conflitos normativos são concentradas em aspectos específicos ou questões pontuais conectadas ao cipoal legislativo. Isto é, mexe-se numa coisa e desmantela-se outra. Os acordos pactuados não se sustentam porque o problema está no sistema como um todo. A solução depende duma abrangente articulação. É preciso pensar juntos: governo e sociedade.

O Jurista Francisco Pontes de Miranda disse que, no Direito, o cindir é desde o início. Tal qual seja, lícito ou ilícito; bem móvel ou imóvel; fungível ou infungível etc. Por esse caminho vai se criando configurações e categorias jurídicas de tributação. Vamos então aos cortes. O ICMS é cortado em 27 estados, enquanto que o ISS (contaminado pelo ICMS) é cortado em 5.760 municípios. Um oportuno conceito extraído do livro Normat System indica que cada critério normativo leva à construção dum sistema específico. Sendo assim, temos 27 sistemas de ICMS e 5.760 sistemas de ISS – todos muito complexos. E ainda vem a União abocanhar parte dos tributos sobre consumo (Pis/Cofins), os quais são visceralmente integrados, tanto com o ICMS quanto com o ISS. Isto é, para pagar Pis/Confins é preciso buscar referências no ICMS e no ISS. O Pis e a Cofins são estratificados em 56 setores ou regimes de enquadramentos tributários. O cruzamento de todas essas taxações gera 8.709.120 sistemas jurídicos, onde cada cidadão brasileiro pode perfeitamente interpretar cada um deles do modo que achar mais conveniente. Essa é a extraordinária fonte da pujante indústria do contencioso fiscal. Não à toa, mais de 100 milhões de processos judiciais estão em tramitação, sendo metade disso relacionado às brigas entre Fisco e Contribuinte. É dessa forma que está construída a base sobre o consumo no Brasil. Ressalte-se que, em média, um novo sistema é criado a cada novo dia. Isso significa que os autos de infração fiscal podem ser um, hoje, e outro, amanhã. As mutações são frenéticas e desordenadas.

Para fechar a desgraceira, somos reféns da Maldição do Lançamento por Homologação, que resulta em mais complexidade e mais contencioso fiscal (samba do crioulo doido). O lançamento por homologação cria mais interpretações, mais dificuldades, mais generalidades, mais insegurança, mais desigualdade, mais fiscalização, mais incerteza... O Brasil tem 200 vezes mais contencioso fiscal do que qualquer outro lugar do mundo. Em outras palavras, o Contribuinte é pressionado a cumprir suas obrigações de acordo com o entendimento formado a partir dos tais oito milhões de sistemas tributários. Num momento posterior, o Fisco interpreta a coisa de outra maneira: com dolo, fraude ou simulação. A balbúrdia toma corpo porque a lei não é clara (tudo pode ser lícito ou tudo pode ser ilícito – efeitos da hiper complexidade). Vence então quem tem mais força ou mais influência sobre o Judiciário. Nas palavras do personagem Vicente, da minissérie Justiça (Rede Globo), “nesse país o Judiciário faz o que o dinheiro mandar”.

Diante dessa vasta confusão normativa fica o empresário focado única e exclusivamente na alíquota ou no MVA. Ele se esquece do imbróglio jurídico tributário que mantém sua empresa num permanente estado de risco patrimonial. Também, não atenta para o imenso custo burocrático que devora suas finanças e aumenta o nível de estresse e de incerteza. Sua energia é consumida por questões secundárias. Ou seja, muito tempo é gasto em assuntos que não geram riqueza para o negócio.