terça-feira, 20 de junho de 2017

SOPA DE RAPADURA DEFUMADA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20 / 6 / 2017 - A298
Artigos publicados

Eis que o cliente pergunta ao garçom: – O que temos pra hoje? A resposta deixa o estômago assustado. – Nosso cardápio especial contempla jiló empanado na banha de caititu, sopa de rapadura defumada, chibé acebolado, maniçoba flambada no corote e salada de urtiga agridoce. Para sobremesa, você pode saborear o nosso delicioso picolé de chuchu diet ou experimentar a maravilhosa gelatina de quiabo. Pois, pois... É esse o exótico cardápio político apresentado ao povo amazonense, o qual terá a enfadonha missão de escolher o próximo governador nas eleições suplementares que se avizinha. O tempo passa, os escândalos pipocam na mídia, delatores rasgam a barriga do submundo político, milhões de protestos fervilham nas redes sociais, mas o caquético e anacrônico jogo político se mantém inabalável. É possível até que determinado candidato seja uma excentricidade, por fugir do centro vicioso. Mas, infelizmente, falta clareza do tino à grande massa de votantes, o que nos leva a permanecer estacionados no vergonhoso atraso civilizatório da corrupção, da incompetência e do descaso. Gerações vêm e vão enquanto o porto de lenhas reforça a máxima de que nunca será Liverpool. Os políticos amarram o progresso.

Nada de novo sob o sol.

Carrancas deslavadas, vernáculo desconstruído pelo cinismo, gestos mancos, teatralismo desconcertante e justificativas embaraçosas. Esses são os elementos-chave que estão pautando a largada da campanha para ocupar o posto máximo do governo estadual. Impressiona o fato de ninguém trazer uma proposta inovadora – tudo é muito surrado e puído pela mesmice. Mas um detalhe sutil pode ser observado pelo espectador mais atento: Trata-se duma persistente expressão de constrangimento estampada no semblante dos oradores. Isso é um indicativo do poder das redes sociais. Significa que boa parte dos eleitores já consegue enxergar além da máscara. Pena que a maioria continua mergulhada no pântano da ignorância. Tragicamente, é esse povo sem discernimento que define os rumos da nação amazonense. É pra eles que o político fala.

A razão do dito constrangimento está na completa demolição do sistema político. Os ocupantes dos cargos públicos superiores vivem dias sombrios e cheios de incertezas quanto ao modelo estabelecido. Isto é, não se sabe o que virá depois do terremoto precedido pelo dilúvio de acusações represadas numa muralha prestes a desabar. A operação Lava-Jato estabeleceu o paradigma da culpabilidade, que antes era uma peça de ficção científica. É bom lembrar que até pouco tempo atrás, o corrupto tinha plena e absoluta certeza da impunidade. A moda agora é prender corruptos e corruptores. E, claro, como é público e notório, toda gestão é cheia de pecados cabeludos porque o sistema inteiro foi moldado pelas mãos da corrupção. Se a condenação alcançar tudo quanto é ladrão do dinheiro público, será preciso decuplicar a oferta de vagas nas penitenciárias.

A roubalheira brasileira é um fenômeno sem precedente na história humana. É muito ladrão, ladrão, ladrão, ladrão, ladrão na gestão pública. Parece que toda ação pública está vinculada a algum tipo de esquema criminoso. Os antropólogos já podem estudar essa nova espécie: o “homo corruptus”.

O tal “homem da mala” flagrado pela Polícia Federal roubando 500 mil reais já teve sua imagem massacrada ao extremo pelo linchamento incessante dos canais midiáticos. A pergunta que se faz é a seguinte: Como a família desse político está administrando toda essa situação? Mãe, pai, irmãos, tios, sobrinhos, primos, cunhados, amigos; como esse povo todo está tocando suas vidas? Como fugir dos olhares, das perguntas e das censuras? Será que a família encara tudo isso como algo normal, tipo, ossos do ofício? Ou será que os parentes são tão bandidos quanto o tal protagonista midiático? Será que a professora do filho do corrupto é também bandida? Ou será que ninguém tem vergonha na cara?

Na prática, ser parente de político é pior do que ser parente de pistoleiro ou de traficante. O estrago que a politicada faz é 200 vezes pior do que a soma de todos os crimes pavorosos de latrocínio, tráfico, explosão de banco etc. Por isso, a corrupção deveria ser legalmente classificada como o mais hediondo dos crimes.
















Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua mensagem será publicada assim que for liberada. Grato.