segunda-feira, 17 de julho de 2017

LIÇÕES DE GATUNOLÂNDIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 7 / 2017 - ARTIGO 300

No belo e ensolarado reino de Gatunolândia os animais eram otimistas e perseverantes, apesar da crise proveniente do grande número de desempregados. Para piorar o quadro desalentador, a nação vivia uma grave desordem institucional. A corrupção cresceu tanto que o poder público consumia tudo que era produzido pelos jumentos e burros de carga. E o governo só falava em aumento de imposto. O desespero invadiu os domicílios porque já não havia mais nada para entregar ao Fisco – toda a riqueza estava nas mãos dos corruptos. Mas como então a coisa evoluiu para esse quadro apocalíptico?

Num passado não tão distante, havia certo clima de honradez entre os animais. A palavra do chefe de família era respeitada e a tímida roubalheira era acobertada por fortes expressões de cinismo. Eis que um fenômeno sobrenatural foi modificando a mentalidade dos habitantes da bela sociedade tropical. Os animais deixaram o cinismo de lado e partiram com tudo para saquear o erário. Muitas criaturas que antes, só assistiam, a partir dum certo momento começaram também a roubar tudo que podiam. Descobriu-se que a corrupção era um negócio compensador (o povão não se incomodava com isso).

Paralelo ao crescimento das ações criminosas, os corruptos mais espertos deram início a um ambicioso plano para transformar o reino num estado bandido. Primeiramente, trabalharam a legislação de modo a torná-la indecifrável. Foram publicadas milhões de leis confusas e enroscadas umas nas outras de maneira tal que, na prática, não existia lei nenhuma. O objetivo era criar um ambiente de pura insegurança jurídica, onde não fosse possível distinguir o certo do errado. Dessa forma, todo advogado bem pago era capaz de legitimar qualquer argumento malicioso a partir da maçaroca normativa. Os urubus foram os grandes arquitetos do aparelhamento fisiológico. Por isso, acabaram por expulsar os outros animais do sistema judiciário.

Com a urubuzada dominando poder judiciário, era preciso então trabalhar as demais esferas. Entra em cena a figura do porco. Os porcos já eram numerosos na política, os quais sofriam muitos ataques devido à sujeira que espalhavam por onde quer que fossem. Com o passar do tempo, essas criaturas asquerosas perceberam que a população não ligava muito para questões de higiene. A bicharada só queria saber de carnaval e futebol. Foi então que resolveram transformar seus redutos num pantanoso lamaçal. A imundície extrapolou os limites do imponderável e, com isso, os outros animais abandonaram a política. A partir dessa fragorosa vitória, os porcos fizeram um pacto espúrio com os urubus para que nenhuma corrupção fosse punida. Instituía-se a praga da impunidade, que acabou se convertendo numa autêntica caixa de pandora.

Depois do famigerado acordo, a bicharada passou a experimentar doses cavalares de susto e desapontamento com as mais estapafúrdicas decisões judiciais. Era latrocina beneficiado com indulto, era político corrupto em prisão domiciliar, era perdão judicial para o maior empresário do reino, era pedófilo no comando da prefeitura, era bandido inocentado, era traficante subornando magistrado etc., etc., etc. Todo dia, toda hora, todo minuto, um juiz urubu prendia uma ladra de iogurte e ao mesmo tempo soltava um chefe de organização criminosa. Nesse reino, os bichos tinham carta branca para atropelar grávidas e criaturas idosas num trânsito sanguinário e escarnecedor (ninguém era preso).

O objetivo de tantos desmandos era matar o senso de indignação da sociedade animal. Os bichos tinham que ficar entorpecidos de tantas desgraças até perder a crença nas instituições. O plano era consolidar o paradigma do jeitinho, de forma a moralizar toda sorte de ignomínias. O caminho trilhado passou pelo desarmamento do cidadão comum, combinado com o desmonte do sistema penitenciário; e também, o afrouxamento da fiscalização para facilitar o tráfico de armas pesadas. O governo fazia insistentes campanhas pra ninguém reagir e assim garantir a multiplicação geométrica de assaltantes por todo lado, a toda hora; de dia, de noite, de madrugada...

Foi assim que a política ficou tão imunda que afastava qualquer outro bicho decente. A política se transformou num símbolo maligno que assustava o cidadão de bem. Por outro lado, facínoras e toda sorte de pervertidos eram recebidos de braços abertos pelo poder público.

Pois é. A política é isso: uma podridão cheia de animais asquerosos. Tais criaturas detestam tudo que é limpo, ético e honesto. Porcos e urubus se uniram numa corrente difícil de quebrar. Mas só fizeram isso porque os demais bichos se acovardaram, se humilharam, se comportaram como vermes. Por isso, não podem reclamar quando são pisados pelos corruptos.
















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