sábado, 14 de abril de 2018

MONSTRUOSO BHUROKRÁCTTUS OMINAR



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 4 / 2018 - A 330

Um quebra-cabeça de quatro peças é tão elementar que a observação individualizada de cada uma das suas partes permite um completo entendimento da estampagem, ainda mais quando se trata da bandeira do Japão. Outro joguinho de dez peças exige um pouco mais de atenção do observador para fazer a composição mental da figura antes de iniciar a montagem. Quando a brincadeira adquire tonalidades dramáticas, o desafiado modifica sua postura e aguça seus sentidos para organizar um conjunto de 100 peças. Mas então alguém chega com um hiper super monstruoso quebra-cabeça repleto de desenhos minúsculos. Desse ponto em diante, somente um punhado de gente consegue sobreviver.

Um pequeno negócio com poucos empregados preenche naturalmente o campo de visão do seu proprietário. Desse modo, é possível enxergar todos os processos a partir dum ângulo de observação. Também, a própria simplicidade estrutural dos procedimentos administrativos não exige grandes espaços no cérebro do empreendedor para memorização de fatos e ocorrências. E, por mais astuto que seja, o gestor vai aos poucos se dando conta dos próprios limites. O pior de tudo é que a fronteira da capacidade pessoal é frequentemente extrapolada, dando assim espaço para a proliferação de vícios e desregramentos de todo tipo. O que vem depois é materializado num sistema autônomo capaz de exercer controle sobre tudo e sobre todos.

É preciso determinação, pulso firme e alta dose de competência técnica para dominar o monstro Bhurokrácttus Ominar, depois que ele ganha musculatura. Grande parte do empresariado trilha o caminho pavimentado pelos consultores organizacionais, que consiste basicamente no mapeamento de processos e na padronização de métodos e procedimentos. O risco desse tipo de empreitada está na inobservância das idiossincrasias corporativas. Ou seja, algo parecido com o adestrador que teima ensinar técnicas de voo para a dona galinha. Daí, que não é incomum ouvir histórias rocambolescas de projetos audaciosos que morreram na praia.

Ocorre, que, muita gente mexe e remexe nisso e naquilo, mas ignora a utilização do mais eficiente instrumento de controle patrimonial existente, que é a velha e boa contabilidade. O grande trunfo da metodologia contábil está no sistema de partidas dobradas. Ou seja, uma coisa está sempre amarrada à outra: veio, de onde?; foi, pra que lugar?; pagou, pra quem?; recebeu, de quem? E por aí, vai...

Implantar um sistema de contabilidade gerencial é sempre um exercício de investigação científica. O grande desafio do profissional contabilista está na leitura e compreensão do tal monstro Bhurokrácttus Ominar, de modo que suas manias e cacoetes sejam mapeados, e compreendidos os motivos da sua ineficiência. Isso acontece naturalmente quando se começa o trabalho contábil. Como dito, o trunfo contábil está nas partidas dobradas. Isso significa que um evento patrimonial vai se vinculando a outro de modo a formar uma grande teia de informações. Manipular a integridade dessa estrutura acaba por deformar todo o conjunto escritural. É a mesma coisa que tentar camuflar a falta do dedo mínimo do corpo humano. Por isso é que um experiente auditor pode desmontar fraudes contábeis de alta complexidade. Basta ele pegar o fio da meada para chegar ao coração dos eventos adulterados.

Na prática diária, essa vinculação acontece da seguinte forma: Se o cliente pagou é porque estava devendo. Portanto, havia o registro da pendência no grupo de contas dedicado ao controle de recebíveis. Se a liquidação ocorreu em carteira, entrou dinheiro no caixa que foi somado aos demais recebimentos. Se esse dinheiro for surrupiado, o cliente continuará devendo nos registros contábeis, levando a um problema grave quando esse cliente for negativado no Serasa.

De modo semelhante, a saída de mercadoria do estoque está vinculada ao ingresso de dinheiro no caixa ou constituição dum direito a receber sobre o cliente. Outro exemplo: o pagamento de salário está vinculado ao desconto de vales, INSS, IRPF, que resulta num saldo que deve coincidir com a saída de dinheiro do caixa. Já, os tributos descontados são direcionados para um registro de dívida junto ao Fisco que só desaparece após vinculação com a saída de dinheiro do caixa. E assim sucessivamente. Essa é a mágica da contabilidade: nada está fora do seu alcance técnico normativo.






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