quarta-feira, 6 de junho de 2018

Faísca na boca do tanque tributário



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  5 / 6 / 2018 - A 333

A paralisação dos caminhoneiros acabou por jogar lenha na fogueira tributária. Em meio ao fervilhante rebuliço provocado pelo desabastecimento, muita gente se posicionou contra a subvenção governamental que pôs fim ao movimento grevista. Os tais “especialistas” reclamavam da absurda redução do Pis/Cofins e também queixavam-se do impacto na arrecadação de impostos que financiam serviços públicos essenciais. O tom do palavreado transmitido no discurso pró-governo reforçava a ideia de absoluta normalidade da escarnecedora regressividade brasileira. Todo esse pessoal se comportava como assessores do presidente da república. Mesmo assim, as explosões de postagens nas mídias sociais rasgaram o verbo contra o extorsivo modelo de taxação que abocanha metade do salário (líquido) do trabalhador.

Parece que os caminhoneiros riscaram uma faísca na boca no tanque tributário, desencadeando assim uma onda de questionamentos difícil de conter. Apesar da relevante importância na manutenção dos serviços públicos, o brasileiro comum não está engolindo uma taxação de 100%. O cidadão que batalha arduamente de sol a sol não se conforma com o fato de pagar um tanque cheio e depois sair do posto com somente meio tanque. Ou seja, tem algo de podre no reino da Dinamarca. E o povo tá certo na sua desconfiança, porque a coisa toda é muito, muito, muiiito fedorenta.

O Brasil é um país controlado pelas elites aristocráticas que transferem todo o fardo tributário para as costas dos mais pobres. O mecanismo central dessa engenharia macabra está no ultra super intrincado sistema normativo. A legislação tributária foi meticulosamente desenhada para fomentar o espírito de esperteza que tão bem caracteriza o jeitinho brasileiro. Isto é, tudo é muito extenso e obscuramente detalhado de modo que a objetividade se perde no meio do caminho interpretativo. Tal modelo difuso confere aos poderosos uma infinidade de meios para não pagarem o mínimo razoável de impostos. Some-se a isso, a ultra proliferada e amplificada política de incentivos fiscais que beneficia justamente os gigantescos conglomerados econômicos. E para fechar com chave de ouro, a Procuradoria da República luta para cobrar dos grandes contribuintes, o montante de trilhões de reais declarados e não pagos. Fora tudo isso, ainda assistimos de camarote ao espetaculoso perdão oficial de centenas de bilhões de reais das dívidas tributárias, também dos grandes contribuintes. O poço da balbúrdia fiscal não tem fundo.

Pois é. Voltando ao problema da pesada carga tributária dos combustíveis (e de outros bens de consumo), o governo jamais encontrará solução dentro do atual modelo regressivo, como vem tentando fazer. O único caminho viável é o da progressividade. 60% da nossa arrecadação vêm do consumo e somente 16% vêm da renda. É exatamente o inverso do que ocorre nos Estados Unidos. E a maior parte dos tais 16% são pagos na fonte pelos assalariados.

Não bastasse a montanha de erros e de atropelos normativos, os impostos (ICMS/Pis/Cofins) são embutidos e entrelaçados no produto. Isso significa que a carga de penduricalhos taxativos é presumida e não conclusiva. Por esse motivo, não há clareza quanto à apropriação indevida dos tributos pagos pelo consumidor ao comerciante. O Fisco acaba por trabalhar em cima de presunções. Tal problema não ocorre na tributação do IPI porque uma coisa é separada da outra, o que bem caracteriza crime de apropriação indébita quando o valor cobrado do adquirente não é repassado ao erário.

Muitos estabelecimentos comerciais consideram somente o valor de aquisição, margem de lucratividade e custo operacional quando formam o preço de revenda das mercadorias. Esses empresários não injetam ICMS/Pis/Cofins no valor da mercadoria para não perder competitividade, uma vez que seus concorrentes praticam menor preço devido à sonegação. Os impostos embutidos impactam brutalmente o valor pago pelo consumidor. Por exemplo, uma mercadoria adquirida por R$ 100 que sofre adição de 25% a título de custeio operacional mais margem de lucro, é vendida por R$ 133. Mas se forem adicionados ICMS/Pis/Cofins o resultado final é de R$ 209. Ou seja, os impostos tornam o produto 57% mais caro. É bom lembrar que esse mesmo produto já pagou IPI quando foi fabricado.

O modelo de impostos “embutidos” ou “por dentro” fomenta as distorções de mercado e também favorece a concorrência desleal. É extremamente complicado para uma empresa cumprir a legislação fiscal quando toda a sua vizinhança sonega adoidado. Esse modelo é insustentável em termos de eficácia arrecadatória, uma vez que o Agente Fazendário não dispõe de instrumentos apropriados para fazer valer a normatização vigente. Por outro lado, é bom lembrar que essa ocultação da carga tributária existe, justamente, para enganar o povo.

O peso esmagador de impostos fica escondidinho no produto para evitar uma rebelião social. Dessa forma, o governo pode massacrar os pobres com carga acintosa e ao mesmo tempo proteger os ricos com isenções vergonhosas. A caracterização do crime tributário só acontecerá de fato quando for extinto o modelo de impostos “embutidos”. Ao mesmo tempo, se ICMS/Pis/Cofins tivessem o mesmo tratamento do IPI (cobrança por fora), o ente fazendário ganharia muito mais poder fiscalizatório. Por outro lado, o comerciante seria 200 vezes mais cauteloso em vista do risco de prisão. O gravíssimo problema da cobrança “POR FORA” está na evidenciação da carga tributária na etiqueta de preço colada no produto. Imagine a cena dantesca: O consumidor vai até o aparelho de vídeo game, analisa o produto e depois verifica o preço. Na etiqueta consta a informação de R$ 280, referente ao produto e mais R$ 720 de impostos, totalizando R$ 1.000. É claro que o consumidor iria quebrar o aparelho na cabeça do vendedor e depois botar fogo na loja. Onde já se viu pagar 257% de imposto? Mas é isso que acontece todos os dias. A carga “embutida” do vídeo game é de 72%, que num cálculo “por fora” resulta em 257%. Lembrando que existem produtos com carga de 900%. Tal modelo de cobrança “por dentro” é fraudulenta porque o imposto é apresentado ao consumidor travestido de produto. Nos Estados Unidos, a carga mais alta de imposto sobre consumo é de 9,45% (Tennessee). Nos EUA, toda cobrança é “POR FORA”. Isso cria uma relação de honestidade e clareza entre Fisco e Contribuinte.

Diante desse doentio cenário brasileiro, todos os fatores concorrem para que a atual balbúrdia tributária continue do mesmo jeito que está atualmente. O consumidor precisa se manter na mais absoluta ignorância; ele não pode se conscientizar do tamanho da facada que leva toda vez que compra alguma coisa, porque, no dia em que isso ocorrer, os governantes serão apedrejados em praça pública. Curta Doutor imposto no Facebook.








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