terça-feira, 19 de junho de 2018

O GRANDE TEATRO NORMATIVO



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  19 / 6 / 2018 - A 335

O emblemático e majestoso teatro Kabuki é um expoente da cultura japonesa, que, pelo seu primor artístico e performático adquiriu fama internacional. Tanta beleza e refinamento encobre um histórico de polêmicas que floresce atrás de cortinas escuras. De início, atrizes representavam papéis tanto masculinos quanto femininos em encenações demasiado eróticas. Tanta provocação da libido masculina acabou por gerar um comércio de prostituição. Por isso, o antigo governo shogun determinou que os papéis fossem interpretados somente por rapazes, que, tempos depois se rederam ao mercado sexual. Foi então que uma nova modificação substituiu os jovens atores por homens mais velhos. O tempo passou, os rigores morais se afrouxaram, mas a essência pecaminosa do Kabuki se mantém firme e forte nos bastidores.

Tempos atrás, a Petrobras contratou a empresa alemã SAP para informatizar todos os seus processos operacionais. Após um longo período de intenso trabalho, os melhores profissionais de TI do mundo conseguiram transportar todos os processos para o sistema R3, com exceção dos controles fiscais. Os mais capacitados técnicos americanos e europeus ficaram malucos com a nossa legislação tributária quando tentaram converter a estrutura normativa para a lógica computacional. Esse pessoal fracassou pelo simples fato de não haver lógica no sistema tributário brasileiro. Por fim, a empresa brasileira Sonda IT desenvolveu o software pw.SATI, como interface de informações fiscais ao sistema R3/SAP.

Nossa estrutura normativa é um grande teatro Kabuki, que, oficialmente, se apresenta ao público bem vestido e esteticamente formalizado, mas que, nos bastidores, se desenrola um festival de ignomínias ensandecidas. A tortuosidade é tão coesa e entrelaçada que não deixa margem para nenhum tipo de conserto. Prova maior dessa natureza depravada, está nas acintosas deturpações taxativas ou nas desastradas decisões do STF que só pioram o já deteriorado ambiente legal. Ou seja, quanto mais se mexe, mais fede.

Vivenciamos uma conduta divergente entre teoria e prática, de modo que uma coisa se mantém afastada da outra. É possível que a nossa cultura subversiva tenha brotado no período colonial, como fator de resistência ao explorador português. Ao longo dos séculos, desenvolvemos fortes instintos repulsivos à sanha arrecadatória da metrópole europeia. Preferimos sempre nos esconder ou camuflar nossos ganhos patrimoniais em vez de exigir ordem e racionalidade do sistema tributário. Na verdade, fervilha no peito do colonizado a lei da vantagem e do jeitinho. Trocando em miúdos, todo mundo persiste nas soluções individuais que transforma o discurso coletivo num mero teatro demagógico. Assim acontece na política como também nas entidades de classe. O governo tem ciência dessa visão estreita e por essa razão alimenta uma estrutura normativa colossal e doentia. Só agora, o brasileiro está se dando conta do lamaçal em que está metido. Por isso é que as pessoas físicas estão fugindo para o Canadá e as pessoas jurídicas levando seu capital para o Paraguai. Muita gente quer estar longe daqui quando a venezuelização engolir o país inteiro.

Ao que tudo indica, o famoso jeitinho vem perdendo força. Mesmo assim, continuamos insistindo numa vida dupla: No palco, atores bem compostos, mas nos bastidores a perversão reina soberana. O profissional sorridente diz para o cliente que com recibo o serviço é mais caro. Folha de pagamento integralmente declarada ao INSS é coisa raríssima nas empresas. Venda sem nota fiscal acontece por todo canto da cidade. A gorjeta do guarda de trânsito é sagrada e imutável. Esquemas mirabolantes envolvendo renúncias fiscais se desenrolam nos gabinetes fazendários. A propina do auditor fiscal tem agendamento certo e hora marcada em todas as empresas desse país. A praga da corrupção é tão ostensiva e tão gritante que pulsa vigorosamente na cara dos agentes públicos.

Pois é. A podridão cerca a nossa casa, exalando uma catinga sufocante. Fechamos as janelas e depois borrifamos perfume pelos cômodos tentando imaginar um mundo fantasioso. Isso acontece porque o brasileiro não tem coragem de chamar os vizinhos para se unir num mutirão de limpeza. Os corruptos e os safados agradecem, uma vez que se alimentam da putrefata lama burocrática. Curta Doutor imposto no Facebook.







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