terça-feira, 14 de agosto de 2018

SOPA DE RAPADURA DEFUMADA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  14 / 8 / 2018 - A 298

Eis que o cliente pergunta ao garçom: – O que temos pra hoje? A resposta deixa o estômago assustado. – Nosso cardápio especial contempla jiló empanado na banha de caititu, sopa de rapadura defumada, chibé acebolado, maniçoba flambada no corote e salada de urtiga agridoce. Para sobremesa, você pode saborear o nosso delicioso picolé de chuchu diet ou experimentar a maravilhosa gelatina de quiabo. Pois, pois... É esse o exótico cardápio político apresentado ao povo brasileiro, que terá a enfadonha missão de fazer suas escolhas a partir da indigesta gororoba eleitoral.

O tempo passa, os escândalos pipocam na mídia, delatores rasgam a barriga do submundo político, milhões de protestos fervilham nas redes sociais, mas o caquético e anacrônico jogo político se mantém inabalável. É possível até que determinado candidato seja uma excentricidade, por fugir do centro vicioso. Mas, infelizmente, falta clareza do tino à grande massa de votantes, o que nos leva a permanecer estacionados no vergonhoso atraso civilizatório da corrupção e do descalabro administrativo. Gerações vêm e vão enquanto a política dos coronéis segue negociando lotes de eleitores entre os diversos currais eleitorais. Nesse sistema, os cargos públicos são definidos antes mesmo da campanha oficial, como se não houvesse votação. Tal modus operandi assusta aquele observador mais atento pelo forte cheiro de manipulação que paira no ar. Ainda mais, quando a inviolabilidade da urna eletrônica é duramente questionada na internet.

Nada de novo sob o sol.

Carrancas deslavadas, vernáculo contaminado pelo descaramento, gestos mancos, teatralismo desconcertante e justificativas embaraçosas. Esses são os elementos-chave que estão pautando a largada da campanha para ocupar diversos cargos que serão renovados em 2019. Impressiona o fato de ninguém apresentar uma proposta inovadora – tudo é muito surrado e muito puído pela mesmice. Mas um detalhe importante pode ser observado pelo espectador cauteloso: Trata-se duma persistente expressão de constrangimento sutilmente estampada no semblante dos oradores. Isso é um indicativo do poder das redes sociais. Significa que boa parte dos eleitores já consegue enxergar além da máscara. Pena que a maioria continua mergulhada no pântano da ignorância. Tragicamente, é esse povo sem discernimento que define os rumos da nação brasileira. É pra eles que o político fala. Como diria John Donne, for whom the bell tolls.

A razão do dito constrangimento está na completa demolição do sistema político. Os ocupantes dos cargos públicos superiores vivem dias sombrios e cheios de incertezas quanto ao modelo estabelecido. Isto é, não se sabe exatamente o que virá depois do dilúvio de acusações que desaguam na mídia todo santo dia. A operação Lava-Jato estabeleceu o paradigma da culpabilidade, que antes era uma peça de ficção científica. É bom lembrar que até pouco tempo atrás o corrupto tinha plena e absoluta certeza da impunidade, sendo que a moda agora é prender corruptos e corruptores. Apesar do ínfimo percentual de bandoleiros hoje encarcerados, as imagens de figurões algemados (Sergio Cabral, por exemplo) já cria uma tênue esperança de moralização da coisa pública.

Apesar do espetáculo midiático produzido pela Lava-Jato, infelizmente, sabemos todos nós que nada disso suprimiu a compulsão delituosa do agente público, que continua mais agitado e mais acelerado na prática da roubalheira. Ou seja, é justamente agora que os milhões de corruptos intensificam desvios de dinheiro para exterior porque sabem do risco de quebradeira generalizada do país. É um salve-se quem puder: “Vamos fazer o pé-de-meia antes do apocalipse”. O fato é que a corrupção continua sendo um bom negócio porque tem muita gente lucrando com isso. Gente grande, gente de todas as instâncias, do mais baixo escalão até o topo da pirâmide institucional. É a grande Máfia Brasil pulsando energicamente e mostrando a sua cara na forma de decisões judiciais escandalosas e também na forma de bilionários gastos públicos desnecessários etc, etc.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua mensagem será publicada assim que for liberada. Grato.