quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Sefaz estacionada no século XIX

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  30 / 12 / 2021 - A439
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No site impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, há uma lista com a carga tributária de 592 produtos (bityli.com/ntB6TNl). O forno micro-ondas está no topo da lista (59,37%), acompanhado de bebida alcoólica, cigarro, arma de fogo, perfume etc. A pergunta que fica é a seguinte: Por que cargas d'água o Fisco classifica forno micro-ondas como um produto de alto luxo ou perigoso à saúde? Talvez, a resposta esteja no espanto causado em 1947 pelo aquecimento de salsichas em 20 segundos numa estação de trem de Nova York. O Fisco brasileiro ficou aprisionado nesse momento histórico de grande inovação tecnológica. Desse modo, estamos também presos nesse lapso temporal pela carga tributária do primeiro forno (Radarange 1947) que custava US$ 50 mil.

O advento da energia elétrica provocou uma revolução social. Em 1882, Thomas Edison inaugurou uma central geradora que atendia inicialmente 59 clientes nova-iorquinos que pagavam muito caro por um serviço considerado de altíssimo luxo. Pois bem. A Sefaz ancorou o ICMS nesse ano de 1882 para justificar a classificação da energia elétrica como uma mercadoria supérflua. Esse é o motivo alegado para a carga tributária que esmaga o extravagante e luxuoso consumidor de energia elétrica.

Os proprietários dos primeiros automóveis compravam gasolina em tambores de 200 litros, que era transferida para recipientes menores e em seguida abastecia carros por meio dum funil. A utilização de carro, como também de combustível, era coisa de gente muito rica. Daí, a justificativa de taxar ao extremo um hábito esbanjador. Novamente, o nosso Fisco se prendeu nesse paradigma ao jogar o imposto do combustível lá pra cima. Na verdade, fomos aprisionados nesse surto psíquico, já que tudo que consumimos sofre algum custo de transporte.

Algumas décadas atrás, o telefone era um artigo desejado por muitos, mas de acesso extremamente restrito, já que sua aquisição eram complexa e cheia de entraves. O telefone era um bem patrimonial declarado no imposto de renda. Lembro bem que meu primeiro celular comprado em 1995 consumiu um altíssimo valor. Talvez por isso, a Sefaz tenha ficado presa nessa época de escassez tecnológica e assim colocado o telefone no ponto mais alto da tributação estadual, ao lado do cigarro e das bebidas alcoólicas.

Os casos relatados acima evidenciam uma espécie de surto psicodélico coletivo que nos faz aceitar justificativas bizarras para taxações absurdas. Na verdade, o Fisco faz a todos de palhaços dementes por cair numa lorota tão grotesca. O ambiente tributário brasileiro é um circo de horrores, cujas aberrações vomitam atrocidades na nossa cara todos dos dias. E para completar o pacote de maldades, o Poder Judiciário atua como uma espécie de batedeira a chafurdar e piorar os fundamentos legais, deixando juristas e estudiosos do Direito totalmente desorientados. Basta lembrar da recente decisão do STF que declarou inconstitucional a classificação da energia elétrica como bem supérfluo, mas adiou para 2022 o ajustamento para a alíquota padrão de ICMS. Ou Seja, é e não é ao mesmo tempo. Parece até que o STF se inspira nas teorias da física quântica.

O cidadão pagador de impostos deveria, sim, se organizar de modo a arrancar a dupla Sefaz/RFB lá das eras passadas e trazê-la de volta para o presente, onde o forno micro-ondas é um objeto tão banal quanto um liquidificador. Alguém precisa sacudir esses agentes arrecadadores e mostrar que gasolina é um bem essencial ao funcionamento das atividades sociais. E telefone e energia elétrica não têm nada a ver com artigos de luxo. É preciso gritar bem alto para exorcizar esses fantasmas que assombram as nossas finanças e arruínam patrimônios Brasil a fora.

A nossa estrutura fisco tributária foi construída sobre bases tortas e injustas, que visam primordialmente espoliar o pobre e resguardar o rico. O pior de tudo é que mais da metade da arrecadação vem justamente de fontes amaldiçoadas que atravancam o funcionamento da vida social, que se traduz na vergonhosa regressividade combinada com a miríade exponencial de benefícios fiscais concedidos os amigos do rei. Enquanto os pobres sentem na carne o peso maior do ICMS sobre a cesta básica, energia, telefone, combustíveis e outros produtos essenciais, um estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP) mostra que os maiores rendimentos pagam somente 7% de imposto de renda no Brasil. Curta e siga @doutorimposto.






























sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Entrelaçamento quântico de MVA amazonense


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 12 / 2021 - A438
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A cada dia que passa os estados se distanciam mais e mais uns dos outros nas suas normatizações internas de ICMS, onde, corriqueiramente, a Norma Fundamental e a Lei Complementar são ostensivamente ignoradas. O ímpeto arrecadatório do fisco estadual fomenta uma insurgência ao ordenamento jurídico e aos princípios basilares da nossa democracia. Desse modo, as operações interestaduais ficam cada vez mais complexas. Tanto, que o campo “dados adicionais” da nota fiscal está ficando pequeno para comportar numerosas referências e observações normativas, levando consultores tributários e de TI à loucura. O mexe-remexe normativo vem desmantelando os convênios no âmbito do Confaz, onde fica muito difícil identificar o que é válido e o que foi revogado. Daí, que um ambiente de tamanha instabilidade requer expertise técnica e jurídica para minimizar riscos e até mesmo gerar lucro em meio ao caos. Poucos profissionais conseguem alinhar regramentos sem deixar pontas soltas; isto é, sem criar novos problemas para a empresa.

Um exemplo curioso de desregramento está no Protocolo 41 (autopeças) quando o destinatário fica no estado do Pará, onde, nesse caso, o site Econet mostra uma normatização bem diferente das demais UF. Outro exemplo absolutamente insano está nas normas ICMS envolvendo combustíveis, que, de tão complexas e voláteis, foram consumidas por uma judicialização extremada. Na Petrobras, por exemplo, os procedimentos fiscais são determinados por um fortíssimo corpo jurídico que concentra um conhecimento difícil de ser repassado aos demais funcionários administrativos. Essa mesma dificuldade de compreensão acontece de modo mais intenso nas secretarias de fazenda estaduais, as quais possuem um corpo técnico menos qualificado que o da Receita Federal.

Pois bem. O Decreto 38910/2018 retirou a MVA ajustada do RICMS/AM. Desse modo, por exemplo, as retenções de ICMS substituição tributária dos itens 1 e 2 do Anexo IIA do RICMS/AM estão sujeitas ao ajustamento quando a mercadoria vem de outras UF, ao passo que a MVA original é utilizada quando o enquadramento se der pelos itens 3 e 4 do referido Anexo IIA. Trocando em miúdos, o comerciante de autopeças amazonense paga ICMS bem menor quando a cobrança é feita pela Sefaz/AM via DTE.

O Convênio 142/2018 concede muitos poderes aos estados no quesito MVA. Sendo assim, pode-se concluir que nenhuma mercadoria ingressada no Amazonas deve pagar ICMS-ST com base em ajustamento de MVA. Dentre vários materiais que guardo em meus arquivos, tenho nota fiscal de cigarro oriunda de São Paulo com ICMS-ST calculado com MVA original. Também, nota fiscal de montadora localizada em Minas Gerais que aplica MVA original nas vendas de veículos para o Amazonas. Mas também, tenho nota fiscal de pneu que pagou ICMS-ST com base em MVA ajustada. Curiosamente, veículos e pneus estão na mesma Resolução AM 36/2015.

Por conta de tantas nuances interpretativas, um importante grupo manauara, com ajuda da sua assessoria jurídica, foram pessoalmente ao fabricante de pneus tratar do assunto substituição tributária. Foi solicitado ao fabricante que não fizesse a retenção do imposto na nota fiscal, já que essa incumbência cabe à Sefaz amazonense, por força da Resolução 36/2015. O fornecedor se recusou a fazer isso, mas concordou em mudar a MVA, de ajustada para original. Como resultado desse procedimento, 61,05% foi para 42%; 49,71% foi para 32%; 81,46% foi para 60%; e 64,45% foi para 45%. Essa confusão não deveria existir, já que o próprio Plantão Fiscal da Sefaz me informou via e-mail que toda cobrança de ICMS-ST de pneus deve ser feita via DTE e não por meio de retenção na nota fiscal.

Confusão semelhante à dos pneus acontece também nas tintas, onde o Convênio 74/1994 manda ajustar a MVA, mas a Resolução amazonense 40/2015 estabelece MVA original. A diferença de uma para a outra é brutal: 53,11% (ajustada) para 35% (original) quando a mercadoria nacional vem de São Paulo, por exemplo. Quem trabalha intensamente com esse tipo de produto, deveria seguir o caminho trilhado pela empresa manauara de pneus. Na verdade, o entendimento construído pela assessoria jurídica da empresa de pneus vale também para autopeças e para rações tipo pet, na medida em que o citado Decreto 38910 extinguiu a MVA ajustada da substituição tributária amazonense.

O entrelaçamento quântico, por assim dizer, acontece quando o mesmo produto é regulamentado por dispositivos internos e interestaduais. Esse tipo de conflito normativo deveria ser objeto de ação incisiva da classe dos comerciantes, que deveriam trabalhar meios de unificação normativa, de modo que o benefício fosse estendido a todos, e não somente para alguns, como acontece atualmente. Curta e siga @doutorimposto.




























quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Nada é tão ruim que não possa piorar


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  16 / 12 / 2021 - A437
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A modalidade ICMS substituição tributária se justifica pela dificuldade de fiscalização sobre produtos vendidos em larga escala e por muitos contribuintes, como, por exemplo, medicamentos, bebidas, combustíveis etc. Esse argumento do agente fazendário caiu por terra quando os estados despejaram uma enormidade de produtos nesse sistema arrecadatório. Todo um cuidado inicial envolvendo pesquisa de preço também se desmantelou completamente pelo chafurdo difuso das margens de valor agregado. A Sefaz insiste na tese da legitimidade dos percentuais de MVA, mas sabemos todos nós que o esquema é totalmente furado. A coisa vai dum extremo ao outro sem nenhum compromisso com a realidade. Por exemplo, a MVA do leite é de 15% e da cerveja é de 120%. Em qualquer formação de preço o comerciante deve considerar, no mínimo, custo operacional, impostos e margem de lucro. E, obviamente, que 15% tá longe dessa ponderação. Por outro lado, nenhum supermercado vende cerveja com 120% de agregação. Pode ser que a Sefaz tenha encontrado essa MVA na Rua Lobo D'Almada, próximo da José Clemente. Conclui-se assim, que a política de MVA não tem nada a ver com preços praticados pelos comerciantes.

Não bastasse a existência de uma substituição tributária sem substituto (ST interna), a Sefaz e suas colegas de outras UF criaram a MVA ajustada. Para completar o pacote de insanidades, outra confusão normativa perturba esse terreno movediço: Trata-se do entrelaçamento quântico envolvendo tintas, pneumáticos e veículos, os quais estão sujeitos às normas de substituição tributária interna (Resoluções 40 e 36) e ao mesmo tempo também estão sujeitas às normas de substituição tributária interestaduais (Convênios 74, 85, 102 e 110); a diferença está na grande distância monetária. Se mergulharmos mais fundo nessa questão, iremos constatar que o Decreto 38.910 acabou com o ajustamento de MVA no Amazonas. Sendo assim, esse mecanismo de extremada majoração fiscal não deveria ser aplicado a nenhuma mercadoria ingressada no Amazonas. Mais do que uma tese abstracionista, um grande comerciante manauara fez valer, na Justiça, essa constatação, contrariando seus concorrentes que continuam pagando mais caro.

A responsabilidade pelo ICMS-ST interno é do comerciante que traz a mercadoria de outras UF (artigo 110, V; artigo 120, II RICMS/AM). A exceção ocorre nas filiais atacadistas de matriz sediada fora do Amazonas e também quando existe relação de interdependência. Nesses dois casos, a responsabilidade do ICMS-ST recai sobre os clientes amazonenses dessas empresas (Clausula nona, II, §1, Convênio 142/2018).

Pois bem. Como desgraça pouca é bobagem, no dia último dia 3 a Distribuidora Centilênia comprou leite do Atacadista New Age, onde foi imediatamente constatada a tributação normal de um produto ST (CST 000; CFOP 5102). O adquirente estranhou o enquadramento e assim contactou seu fornecedor, que informou possuir um regime especial para não mais pagar ST sobre alguns produtos; disse ainda que a Distribuidora deveria continuar tratando o leite como se o imposto definitivo estivesse sido pago (o que não foi). Desse modo, a Distribuidora se deparou com o dilema de tributar com ICMS zero (ST) ou então tributar normalmente ao revender o leite. As duas alternativas eram arriscadas.

A Distribuidora foi até o Departamento de Tributação da Sefaz, onde recebeu ordem de pagar o ICMS-ST no lugar do Atacadista. Ou seja, a Sefaz fez, ali mesmo, uma transmissão de responsabilidade sem base legal alguma. E também se recusou a justificar legalmente essa ordem. Obviamente, não fez isso porque não existe normatização relacionado a essa situação peculiar. Eu, Reginaldo, contactei o setor de substituição tributária da Sefaz, que respondeu dizendo que, na dispensa legal da responsabilidade do contribuinte original, o próximo da cadeia assume o encargo do fornecedor. Acredito que, provavelmente, a Sefaz esteja desorientada com tudo isso. E, talvez, preocupada com a arrecadação, mas também com a observância legal, tenha agido por impulso técnico. Na verdade, é possível que a Sefaz seja tão vítima dessa situação embaraçosa quanto a Distribuidora, já que, provavelmente, o dito regime especial tenha sido consequência de um Mandado de Segurança, o qual pode ser derrubado por instâncias superiores.

Seguindo a orientação do Detri (Sefaz), a Distribuidora pagou o ICMS-ST no lugar do Atacadista. Na opinião de um renomado especialista tributário, essa Distribuidora não deveria pagar nada de ST; deveria, sim, continuar tratando o produto com ICMS zero na revenda. Mas também não poderia aproveitar o crédito destacado na nota fiscal, porque, se o Mandado de Segurança cair, o Atacadista pode ser obrigado a voltar atrás e pagar tudo com acréscimos moratórios. Se essa possibilidade se concretizar, o ICMS-ST seria pago duas vezes, restando à Distribuidora pedir restituição.  

O regime especial obtido pelo Atacadista bagunça um sistema já esculhambado por transformar seus clientes em potenciais criminosos, já que, pela opinião autoritária do Detri, os adquirentes passaram automaticamente a ser responsáveis legais pelo recolhimento, mesmo sem amparo legal nenhum. A pergunta que fica é a seguinte: A Sefaz vai colocar um batalhão de fiscais para visitar todos os clientes do Atacadista? A Sefaz vai punir todo mundo por não recolher um imposto indevido? Será que todos os clientes do Atacadista tiveram o cuidado de analisar a nota fiscal como fez a Distribuidora?

O fato é o seguinte: A coisa é bagunçada ao extremo e, por mais desvairado que seja, o ICMS substituição tributária pode gerar loucuras novas e perturbadoras. E, não bastasse a Sefaz ficar dia e noite debruçada em regulamentações confusas, o nosso sistema judicial costuma jogar titica no ventilador para deixar tudo mais cáustico e sufocante. Conclui-se então que o Brasil é um país condenado ao eterno fracasso, se o povo trabalhador continuar refém da psicopatia dos agentes públicos. Curta e siga @doutorimposto.

























segunda-feira, 8 de novembro de 2021

ICMS - ESTUDOS DE CASO



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  9 / 11 / 2021 - A436
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Ao longo de décadas colecionando experiências tributárias, tenho guardado um volume expressivo de casos emblemáticos que até poderiam se transformar em livro. Relato a seguir uns poucos exemplares.

Num treinamento “in company” em julho último, os alunos duma distribuidora souberam que produtos incentivados adquiridos do PIM são tributados a 7% nas “vendas” internas. Consultaram o contador, que insistiu na tese do benefício válido somente para a indústria. Eu e a funcionária dessa distribuidora fizemos uma consulta ao Plantão Fiscal da Sefaz que confirmou o benefício para toda a cadeia de distribuição no Amazonas. Nesse mesmo treinamento, tivemos confirmação da Sefaz que a carga de 7% também é aplicável aos produtos importados por estabelecimentos comerciais em toda a cadeia interna de distribuição. Essa empresa compra muito do PIM e de importadores; e, portanto, acumulou perdas substantivas de dinheiro por falta de orientação adequada. O ganho financeiro oriundo do treinamento foi infinitamente maior que o valor pago ao professor.

Agora, em outubro, o proprietário de uma pequena indústria participou dos dois treinamentos. Ele descobriu em sala de aula que sua empresa está desobrigada do diferencial de alíquota nas vendas interestaduais para pessoas físicas. Esse tipo de cobrança vinha onerando algumas das suas operações e ao mesmo tempo criando problemas com sua clientela. Bastou ele apontar a justificativa legal dessa isenção no campo “dados adicionais” da nota fiscal para acabar com uma perturbação que atrapalhava os negócios. Nessa mesma turma de outubro, outro empresário do ramo de produtos médico hospitalares desconhecia o benefício que pode reduzir a carga em mais de 40% por ocasião das entradas de produtos no Amazonas.

Uma história surpreendente aconteceu em março desse ano, onde uma aluna tomou conhecimento das disposições contidas no inciso II da Cláusula nona do Convênio 142/2018, combinado com o inciso I do artigo 116 do RICMS/AM. Sua empregadora, que é uma filial atacadista manauara, recebe todos os produtos da matriz localizada fora do Amazonas. Todos esses produtos estão no regime do ICMS substituição tributária, mas mesmo assim, a Sefaz cobra diferença de alíquota quando do ingresso no Amazonas. Esse atacadista manauara deveria enquadrar os produtos no regime normal e também fazer retenção do ICMS-ST a cada venda efetuada para os clientes amazonenses. Pois bem. Nada disso estava sendo observado; uma verdadeira bomba atômica!!

Uma aluna da Casa dos Compensados se inscreveu no treinamento ICMS-ST, mas insistiu muito que eu a visitasse antes do início das aulas. Ela tinha um pacotão de notas fiscais passíveis de reanálise. Acabei fazendo uma visita rápida por ser próximo da minha casa. Como fiquei somente meia hora, eu ensinei a reanalisar três notas fiscais; informei os procedimentos e no dia seguinte, ela, toda feliz, me passou o resultado. Do valor inicialmente notificado de R$ 3.475,65 a empresa iria pagar R$ 1.651,21 após homologação da Sefaz. Esse caso é curioso porque vários produtos reanalisados estão na Resolução 40 (materiais de construção). No processo de reanálise, argumentei que tais produtos eram utilizados na fabricação de móveis. Inclusive, acrescentei ao pedido uma foto da fachada da empresa que mostrava ser um estabelecimento voltado para o segmento de marcenaria.

Anos atrás, ao implantar uma contabilidade gerencial numa empresa de refrigeração, eu perguntei se estavam fazendo as reanálises corretamente. Ninguém entendeu a minha pergunta. Expliquei então que o segmento de refrigeração não deve pagar ICMS-ST. Poucos dias depois, entrou uma nota fiscal no DTE com cobrança de ICMS-ST no valor de R$ 5.680,44 onde a Sefaz enquadrou vários produtos nos segmentos de materiais de construção e de autopeças. Como a empresa não atua nesses segmentos, alterei tudo para diferença de alíquota. Após homologação da reanálise, a guia de pagamento foi alterada para R$ 2.586,84. Foi só então que o dono entendeu o processo de reanálise. E também percebeu que por vários anos jogou muito dinheiro no lixo. Ele passou dias calado e pensativo.

Por fim, conto uma história trágica. Tenho uma amiga contadora de quase duas décadas. Ela é super competente e estudiosa, com um histórico de participações em treinamentos caríssimos. Ela trabalhava para um satélite da Honda, onde contava com uma numerosa equipe de assistentes e também com serviços de auditoria externa. Talvez pela cultura do empregador, ela nunca participou dos meus treinamentos. Eis que num belo dia de sol quente descobriu-se que a empresa nunca pagou o ICMS diferimento da alimentação fornecida aos empregados. A multa astronômica da Sefaz resultou na sua demissão. Pois é. Há mais de uma década, eu trabalho esse diferimento nas minhas aulas. Curta e siga @doutorimposto. 



























terça-feira, 12 de outubro de 2021

FORMIGAS TRIBUTÁRIAS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 10 / 2021 - A435
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Por que a carga tributária pesa mais nas costas dos pequenos? A resposta é muito simples: para compensar o desfalque praticado por aqueles que sabem utilizar as ferramentas que o próprio sistema tributário oferece. Relatório do Insper 2020 aponta a cifra de R$ 5,4 trilhões presos no contencioso tributário; valor esse, que poderia estar na saúde, na educação, segurança pública etc. Estudos de entidades públicas e privadas revelam que os valores são de difícil recuperação. Em outras palavras, os processos vão se arrastando até a prescrição, revelando assim o magnífico negócio que se tornou a multimilionária indústria do contencioso fiscal. Na verdade, essa coisa de contencioso é um grande teatro, já que as empresas inadimplentes têm plena certeza de que não vão pagar nada. Contencioso fiscal foi o meio encontrado para criar um falso ambiente de legalidade. Em termos práticos, existe no Brasil um ESQUEMÃO envolvendo diversos atores, tais quais, empresas, agentes públicos e eminentes magos versados na arte da alquimia tributária. Claro, obvio, somente interessados de grosso calibre podem ingressar nesse terreno pantanoso, já que a folha de pagamento envolve gente grande. É preciso pagar caro para auferir rendimentos estratosféricos.

Jornal da Band - A Atem Distribuidora de Petróleo é um verdadeiro milagre do crescimento econômico. Em 2016, ela detinha 20% do mercado amazonense de combustíveis; dois anos depois saltou para 52%. Mas o que há por trás desse crescimento vertiginoso? Por conta de uma liminar judicial, possivelmente, a empresa deixou de pagar R$ 1 bilhão e 800 milhões em tributos. A legislação não contempla a renúncia fiscal pleiteada na ação. Mesmo assim, a Atem não teve problema em conseguir o benefício por meios legais. A liminar gerou uma competitividade desleal, uma vez que os concorrentes pagam os tributos devidos. O governo federal sancionou uma lei em julho, reiterando que não há isenção fiscal na importação de combustíveis, mas, por pressão de parlamentares amazonenses, em algumas horas a União voltou atrás e vetou esse artigo, beneficiando diretamente a Atem do Amazonas. Em nota, a Atem garante que atua dentro da legalidade; ressalta ainda que paga impostos quando o combustível é vendido fora do Amazonas.

Pois é. A matéria jornalística joga um pouco de luz no nosso tenebroso ambiente legal, mas ao mesmo tempo insinua que a empresa é a única vilã da história. O repórter bem que poderia, em outra reportagem, investigar o submundo jurídico tributário para revelar as contaminadas entranhas de um sistema que tem mais furos que um queijo suíço. Portanto, é necessário compreender o vibrante mecanismo que é azeitado por normatizações maliciosas. A prolixidade normativa se tornou um monstro demoníaco porque se alimenta da falta de freios e também da ausência de punição aos agentes públicos que violam o ordenamento jurídico naquilo que é publicado nos diários oficiais. Também, não é punido o juiz que profere uma sentença ilegal. A razão de tantas deformações fiscais está no texto legal amplamente contaminado por dubiedades, de modo que, no frigir dos ovos, todos os grandes ficam de boa (e ricos). E por que não se corrige o sistema? Porque todos alimentam esperanças de um dia trilhar os tortuosos caminhos legais para ganhar alguma coisa.

Ninguém pode negar que a empresa Atem agiu dentro da legalidade. Outros podem dizer que ela adotou uma conduta imoral por supostamente recorrer ao lobby político. Mas isso também não é crime, já que tal prática fervilha em todas as esferas do poder público. Ou seja, não se pode reclamar do excesso de formiga com o terreno polvilhado de açúcar. Outra coisa: o sistema jurídico/político não é uma entidade sobrenatural; as leis são escritas por pessoas, onde outras pessoas julgam condutas ilegais. Portanto, se a população quer seriedade, que procure tais pessoas e cobre seriedade delas. Intolerável mesmo, é a Sefaz continuar mansinha com os grandes e ao mesmo tempo feroz com os pequenos, como ocorreu na escandalosa majoração do ovo de galinha pelo Decreto 43182. Curta e siga @doutorimposto. Outros 434 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br

 





























terça-feira, 5 de outubro de 2021

O que há por trás da reforma tributária?

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  5 / 10 / 2021 - A434
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Antes de abordarmos o assunto, vamos lembrar que o setor público é um corpo só; não existe essa coisa de executivo, judiciário, legislativo, ministério público, tribunal de contas etc. O poder público é uma grande ameba de proporções continentais pairando sobre nossas cabeças – lembra até aqueles filmes de invasão alienígena. Tal qual um parasita, o setor público é movido pelo instinto predatório: ele sempre quer mais e mais e mais e mais dinheiro. Os funcionários públicos de salários astronômicos ficam o tempo todo reclamando e brigando por aumentos remuneratórios e também lutando por mais penduricalhos, tipo licenças remuneradas, prêmios, promoções automáticas, auxílios isso, auxílios aquilo etc.

E sendo um corpo só, o poder público se protege. Observamos claramente que qualquer ação judicial contra agentes públicos demora muito mais que os outros processos legais, visto que, além de se arrastarem numa indefinição eterna, as punições são sempre simbólicas, como, por exemplo, aposentadoria compulsória de juízes que cometem crimes hediondos. Esse traço peculiar gera uma força titânica que sempre é usada contra o setor privado. Por outro lado, o setor privado é totalmente fragmentado e desorganizado, onde, ao invés de se unir em bloco contra o sistema opressor, seus membros travam lutas individuais. Também, frequentemente, aderem ao setor público para usufruir de esquemas delituosos.

O que está por trás do atual debate envolvendo reforma tributária dos tributos indiretos? A resposta obvia, ululante e notória é: aumento de arrecadação. A máquina voraz está sedenta e babando pelos cantos da boca. Ela quer mais; ela está agitada e obsessiva. A única forma de acalmar a fera é despejar rios de dinheiro no poço sem fundo do erário. Entram em cena os tradicionais arautos do rei com suas revisões dogmáticas e novas visões do paraíso. Dessa vez, a nova doutrina diz que serviço paga pouco imposto e que somente ricos compram serviços. Por isso, é preciso, não dobrar ou triplicar a carga, mas decuplica-la. Dessa vez, o poder público não economizou no cinismo e na cara-de-pau. Os especialistas de araque repetem seus mantras incansavelmente até conseguir levar a carga para além da estratosfera.

E por que agora? Pois é. Novas tecnologias e novos modelos de negócios vêm impulsionando a arrecadação sobre serviços, despertando assim a cobiça dos governos estaduais e federais que querem se apropriar desse novo filão tributário. Os municípios perceberam a manobra e assim tentam preservar suas fontes arrecadatórias; os prefeitos rejeitam frontalmente a inclusão do ISS no novo tributo sobre consumo. Eles estão cientes do golpe armado para lhes tirar o pouco que arrecadam.

Todo esforço de convergência tributária envidado por batalhões de autoridades tem apenas um único propósito, que é trazer os serviços para dentro da nova alíquota unificada do consumo. Ninguém quer simplificar nada nem organizar nada. O foco único é aumento de imposto. E tem mais: A tal da alíquota proposta de 25% é prosopopeia para acalentar bovino, já que a intenção é logo a frente dobrar esse percentual. Quem lembra da CPMF? (começou com 0,25% e terminou com 0,38%). Além da majoração percentual, seremos solapados por uma avalanche de contencioso fiscal, caso algumas propostas malucas sejam aprovadas.  

As duas propostas (PEC 45 e 110) pretendem transformar o ISS em tributo não cumulativo, significando assim que estará sujeito à apuração, tal qual o ICMS. E como não se tem de onde tirar crédito, as empresas ingressarão em massa no Judiciário para contestar as infinitas ilegalidades que hoje são obvias e previsíveis. Basta olhar para Pis/Cofins, que até o ano de 2002 era um tributo simples de administrar e recolher. As Leis 10637 e 10833 fabricaram um monstro burocrático pela instituição da não cumulatividade. Por consequência, no ano de 2018, Pis/Cofins participavam com 21% do contencioso fiscal.

Os advogados tributaristas estão coçando as mãos de tanta ansiedade para que o ISS se transforme logo num tributo não cumulativo. Os políticos em Brasília estão construindo uma estrada que vai enriquecer mais ainda os advogados, e que vai aumentar gigantescamente o custo de conformidade das empresas de serviços; e que vai tornar tudo mais caro e inacessível. E também, que, no final, vai potencializar a força dos agentes públicos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 433 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br





























terça-feira, 28 de setembro de 2021

Soluções mirabolantes e caminhos fiscais tortuosos

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  28 / 9 / 2021 - A433
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A burocracia normativa costuma envolver a empresa como um polvo de mil tentáculos. Esse processo de sufocamento desorienta os gestores, que acabam tomando decisões equivocadas. Não é incomum, que a busca por soluções operacionais aconteça de modo atabalhoado e inconsequente. Por trás dessas atitudes vigora uma crença em figuras messiânicas e porções mágicas, capazes de transformações salvadoras. Curiosamente, tais fontes milagrosas estão sempre fora do ambiente empresarial. Daí, que muita gente consome tempo e energia olhando insistentemente para fora, relegando assim os talentos internos, como também as possibilidades do trabalho conjunto. Por conta de tantos fatores inquietantes, alguns administradores resolvem comprar um sistema ERP caríssimo sem antes redesenhar fluxos e processos organizacionais. Há casos de gente que, ao invés de capacitar seus colaboradores, resolve apostar todas as fichas em consultorias jurídicas para garantir um bom compliance fiscal.

Uma liderança forte e atenta é capaz de potencializar habilidades surpreendentes quando os funcionários são permanentemente valorizados e desafiados. Por exemplo, em 1996, a gigante maranhense Taguatur precisava dar uma guinada radical para garantir a perenidade dos negócios; a empresa amargava uma crise societária gravíssima. Sendo um grupo poderoso, a solução poderia estar na contratação duma consultoria internacional, por exemplo. Mas, prudentemente, a diretora administrativa apostou numa contabilidade gerencial de altíssimo nível, que fosse fechada diariamente. O tio dessa diretora, Francisco Cardoso, foi de São Paulo ajudar na implantação do projeto. O senhor Cardoso contratou um Contador do interior do Maranhão, que conquistou um verdadeiro prodígio ao implementar o projeto com uma qualidade impressionante. A transparência das operações apaziguou os ânimos e assim a empresa seguiu expandindo fronteiras com segurança e pleno controle contábil e administrativo. Detalhe importante nessa história toda: Os membros da equipe dominaram a tecnologia contábil de forma magistral, onde muito raramente cometiam erros técnicos. Isso só foi possível porque o Contador apostou no talento de pessoas simples e sem formação superior alguma. Mais outro detalhe crucial: A diretora Carolina Medeiros pagou todo tipo de treinamento que o Contador desejou fazer. Ela tinha uma visão fantástica, apesar dos seus 24 anos de idade.

No ano passado, um empresário aluno meu, que é engenheiro, demonstrou ter conhecimentos avançados de tributação; melhor que os colegas de sala (Contadores). Vários outros empresários já participaram das nossas aulas de ICMS, onde sempre atuaram de modo surpreendente. Imagino que tal fenômeno se deve à visão sistêmica que os empresários naturalmente desenvolvem.

Outro caso curioso é o do comerciante Fredy Abi Jumaa, que administra um negócio pujante e rentável na capital paraense. O senhor Fredy sempre foi viciado em controle e sempre estudou profundamente tudo que envolvesse sua atividade empresarial, tais como, informática, finanças, contabilidade, tributação, comércio exterior etc. Claro, isso não é pra qualquer um. Mas sua dedicação o fez dominar com maestria alguns sistemas ERP, tipo Protheus e Sankhya. E sempre com uma estrutura administrativa mínima. Seu segredo: Apostar nas pessoas certas, investir nelas e construir um vínculo duradouro. Conheço um poderoso empresário manauara que é forte e respeitado porque conta com o apoio do seu Controller, que é responsável por boa parte da fama do chefe.

As soluções, portanto, não precisam ser mirabolantes; basta um senso de observação e de respeito pelos colaboradores. Muito empregado não rende bem porque o ambiente é insalubre. Daí, que a grande aposta deve ser depositada na qualidade técnica da equipe de trabalho. No aspecto tributário, por exemplo, os funcionários capacitados monitoram o fluxo inteiro: desde o pedido, recepção, estocagem, pagamento, faturamento, recebimento, escrituração etc. A função do Contador não é corrigir erros, e sim assegurar o bom funcionamento das conformidades legais. Na verdade, o Contador é o grande apoio nas decisões estratégicas. Mas ele só consegue isso se o trabalho operacional for executado por pessoas capacitadas.

Com uma equipe boa e um bom Contador, dificilmente o empresário precisa gastar fortunas com serviços de consultorias externas. É mais inteligente olhar para dentro do que enveredar por caminhos tortuosos e acidentados. Curta e siga @doutorimposto.