quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Sefaz estacionada no século XIX

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  30 / 12 / 2021 - A439
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No site impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, há uma lista com a carga tributária de 592 produtos (bityli.com/ntB6TNl). O forno micro-ondas está no topo da lista (59,37%), acompanhado de bebida alcoólica, cigarro, arma de fogo, perfume etc. A pergunta que fica é a seguinte: Por que cargas d'água o Fisco classifica forno micro-ondas como um produto de alto luxo ou perigoso à saúde? Talvez, a resposta esteja no espanto causado em 1947 pelo aquecimento de salsichas em 20 segundos numa estação de trem de Nova York. O Fisco brasileiro ficou aprisionado nesse momento histórico de grande inovação tecnológica. Desse modo, estamos também presos nesse lapso temporal pela carga tributária do primeiro forno (Radarange 1947) que custava US$ 50 mil.

O advento da energia elétrica provocou uma revolução social. Em 1882, Thomas Edison inaugurou uma central geradora que atendia inicialmente 59 clientes nova-iorquinos que pagavam muito caro por um serviço considerado de altíssimo luxo. Pois bem. A Sefaz ancorou o ICMS nesse ano de 1882 para justificar a classificação da energia elétrica como uma mercadoria supérflua. Esse é o motivo alegado para a carga tributária que esmaga o extravagante e luxuoso consumidor de energia elétrica.

Os proprietários dos primeiros automóveis compravam gasolina em tambores de 200 litros, que era transferida para recipientes menores e em seguida abastecia carros por meio dum funil. A utilização de carro, como também de combustível, era coisa de gente muito rica. Daí, a justificativa de taxar ao extremo um hábito esbanjador. Novamente, o nosso Fisco se prendeu nesse paradigma ao jogar o imposto do combustível lá pra cima. Na verdade, fomos aprisionados nesse surto psíquico, já que tudo que consumimos sofre algum custo de transporte.

Algumas décadas atrás, o telefone era um artigo desejado por muitos, mas de acesso extremamente restrito, já que sua aquisição eram complexa e cheia de entraves. O telefone era um bem patrimonial declarado no imposto de renda. Lembro bem que meu primeiro celular comprado em 1995 consumiu um altíssimo valor. Talvez por isso, a Sefaz tenha ficado presa nessa época de escassez tecnológica e assim colocado o telefone no ponto mais alto da tributação estadual, ao lado do cigarro e das bebidas alcoólicas.

Os casos relatados acima evidenciam uma espécie de surto psicodélico coletivo que nos faz aceitar justificativas bizarras para taxações absurdas. Na verdade, o Fisco faz a todos de palhaços dementes por cair numa lorota tão grotesca. O ambiente tributário brasileiro é um circo de horrores, cujas aberrações vomitam atrocidades na nossa cara todos dos dias. E para completar o pacote de maldades, o Poder Judiciário atua como uma espécie de batedeira a chafurdar e piorar os fundamentos legais, deixando juristas e estudiosos do Direito totalmente desorientados. Basta lembrar da recente decisão do STF que declarou inconstitucional a classificação da energia elétrica como bem supérfluo, mas adiou para 2022 o ajustamento para a alíquota padrão de ICMS. Ou Seja, é e não é ao mesmo tempo. Parece até que o STF se inspira nas teorias da física quântica.

O cidadão pagador de impostos deveria, sim, se organizar de modo a arrancar a dupla Sefaz/RFB lá das eras passadas e trazê-la de volta para o presente, onde o forno micro-ondas é um objeto tão banal quanto um liquidificador. Alguém precisa sacudir esses agentes arrecadadores e mostrar que gasolina é um bem essencial ao funcionamento das atividades sociais. E telefone e energia elétrica não têm nada a ver com artigos de luxo. É preciso gritar bem alto para exorcizar esses fantasmas que assombram as nossas finanças e arruínam patrimônios Brasil a fora.

A nossa estrutura fisco tributária foi construída sobre bases tortas e injustas, que visam primordialmente espoliar o pobre e resguardar o rico. O pior de tudo é que mais da metade da arrecadação vem justamente de fontes amaldiçoadas que atravancam o funcionamento da vida social, que se traduz na vergonhosa regressividade combinada com a miríade exponencial de benefícios fiscais concedidos os amigos do rei. Enquanto os pobres sentem na carne o peso maior do ICMS sobre a cesta básica, energia, telefone, combustíveis e outros produtos essenciais, um estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP) mostra que os maiores rendimentos pagam somente 7% de imposto de renda no Brasil. Curta e siga @doutorimposto.






























sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Entrelaçamento quântico de MVA amazonense


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 12 / 2021 - A438
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A cada dia que passa os estados se distanciam mais e mais uns dos outros nas suas normatizações internas de ICMS, onde, corriqueiramente, a Norma Fundamental e a Lei Complementar são ostensivamente ignoradas. O ímpeto arrecadatório do fisco estadual fomenta uma insurgência ao ordenamento jurídico e aos princípios basilares da nossa democracia. Desse modo, as operações interestaduais ficam cada vez mais complexas. Tanto, que o campo “dados adicionais” da nota fiscal está ficando pequeno para comportar numerosas referências e observações normativas, levando consultores tributários e de TI à loucura. O mexe-remexe normativo vem desmantelando os convênios no âmbito do Confaz, onde fica muito difícil identificar o que é válido e o que foi revogado. Daí, que um ambiente de tamanha instabilidade requer expertise técnica e jurídica para minimizar riscos e até mesmo gerar lucro em meio ao caos. Poucos profissionais conseguem alinhar regramentos sem deixar pontas soltas; isto é, sem criar novos problemas para a empresa.

Um exemplo curioso de desregramento está no Protocolo 41 (autopeças) quando o destinatário fica no estado do Pará, onde, nesse caso, o site Econet mostra uma normatização bem diferente das demais UF. Outro exemplo absolutamente insano está nas normas ICMS envolvendo combustíveis, que, de tão complexas e voláteis, foram consumidas por uma judicialização extremada. Na Petrobras, por exemplo, os procedimentos fiscais são determinados por um fortíssimo corpo jurídico que concentra um conhecimento difícil de ser repassado aos demais funcionários administrativos. Essa mesma dificuldade de compreensão acontece de modo mais intenso nas secretarias de fazenda estaduais, as quais possuem um corpo técnico menos qualificado que o da Receita Federal.

Pois bem. O Decreto 38910/2018 retirou a MVA ajustada do RICMS/AM. Desse modo, por exemplo, as retenções de ICMS substituição tributária dos itens 1 e 2 do Anexo IIA do RICMS/AM estão sujeitas ao ajustamento quando a mercadoria vem de outras UF, ao passo que a MVA original é utilizada quando o enquadramento se der pelos itens 3 e 4 do referido Anexo IIA. Trocando em miúdos, o comerciante de autopeças amazonense paga ICMS bem menor quando a cobrança é feita pela Sefaz/AM via DTE.

O Convênio 142/2018 concede muitos poderes aos estados no quesito MVA. Sendo assim, pode-se concluir que nenhuma mercadoria ingressada no Amazonas deve pagar ICMS-ST com base em ajustamento de MVA. Dentre vários materiais que guardo em meus arquivos, tenho nota fiscal de cigarro oriunda de São Paulo com ICMS-ST calculado com MVA original. Também, nota fiscal de montadora localizada em Minas Gerais que aplica MVA original nas vendas de veículos para o Amazonas. Mas também, tenho nota fiscal de pneu que pagou ICMS-ST com base em MVA ajustada. Curiosamente, veículos e pneus estão na mesma Resolução AM 36/2015.

Por conta de tantas nuances interpretativas, um importante grupo manauara, com ajuda da sua assessoria jurídica, foram pessoalmente ao fabricante de pneus tratar do assunto substituição tributária. Foi solicitado ao fabricante que não fizesse a retenção do imposto na nota fiscal, já que essa incumbência cabe à Sefaz amazonense, por força da Resolução 36/2015. O fornecedor se recusou a fazer isso, mas concordou em mudar a MVA, de ajustada para original. Como resultado desse procedimento, 61,05% foi para 42%; 49,71% foi para 32%; 81,46% foi para 60%; e 64,45% foi para 45%. Essa confusão não deveria existir, já que o próprio Plantão Fiscal da Sefaz me informou via e-mail que toda cobrança de ICMS-ST de pneus deve ser feita via DTE e não por meio de retenção na nota fiscal.

Confusão semelhante à dos pneus acontece também nas tintas, onde o Convênio 74/1994 manda ajustar a MVA, mas a Resolução amazonense 40/2015 estabelece MVA original. A diferença de uma para a outra é brutal: 53,11% (ajustada) para 35% (original) quando a mercadoria nacional vem de São Paulo, por exemplo. Quem trabalha intensamente com esse tipo de produto, deveria seguir o caminho trilhado pela empresa manauara de pneus. Na verdade, o entendimento construído pela assessoria jurídica da empresa de pneus vale também para autopeças e para rações tipo pet, na medida em que o citado Decreto 38910 extinguiu a MVA ajustada da substituição tributária amazonense.

O entrelaçamento quântico, por assim dizer, acontece quando o mesmo produto é regulamentado por dispositivos internos e interestaduais. Esse tipo de conflito normativo deveria ser objeto de ação incisiva da classe dos comerciantes, que deveriam trabalhar meios de unificação normativa, de modo que o benefício fosse estendido a todos, e não somente para alguns, como acontece atualmente. Curta e siga @doutorimposto.




























quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Nada é tão ruim que não possa piorar


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  16 / 12 / 2021 - A437
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A modalidade ICMS substituição tributária se justifica pela dificuldade de fiscalização sobre produtos vendidos em larga escala e por muitos contribuintes, como, por exemplo, medicamentos, bebidas, combustíveis etc. Esse argumento do agente fazendário caiu por terra quando os estados despejaram uma enormidade de produtos nesse sistema arrecadatório. Todo um cuidado inicial envolvendo pesquisa de preço também se desmantelou completamente pelo chafurdo difuso das margens de valor agregado. A Sefaz insiste na tese da legitimidade dos percentuais de MVA, mas sabemos todos nós que o esquema é totalmente furado. A coisa vai dum extremo ao outro sem nenhum compromisso com a realidade. Por exemplo, a MVA do leite é de 15% e da cerveja é de 120%. Em qualquer formação de preço o comerciante deve considerar, no mínimo, custo operacional, impostos e margem de lucro. E, obviamente, que 15% tá longe dessa ponderação. Por outro lado, nenhum supermercado vende cerveja com 120% de agregação. Pode ser que a Sefaz tenha encontrado essa MVA na Rua Lobo D'Almada, próximo da José Clemente. Conclui-se assim, que a política de MVA não tem nada a ver com preços praticados pelos comerciantes.

Não bastasse a existência de uma substituição tributária sem substituto (ST interna), a Sefaz e suas colegas de outras UF criaram a MVA ajustada. Para completar o pacote de insanidades, outra confusão normativa perturba esse terreno movediço: Trata-se do entrelaçamento quântico envolvendo tintas, pneumáticos e veículos, os quais estão sujeitos às normas de substituição tributária interna (Resoluções 40 e 36) e ao mesmo tempo também estão sujeitas às normas de substituição tributária interestaduais (Convênios 74, 85, 102 e 110); a diferença está na grande distância monetária. Se mergulharmos mais fundo nessa questão, iremos constatar que o Decreto 38.910 acabou com o ajustamento de MVA no Amazonas. Sendo assim, esse mecanismo de extremada majoração fiscal não deveria ser aplicado a nenhuma mercadoria ingressada no Amazonas. Mais do que uma tese abstracionista, um grande comerciante manauara fez valer, na Justiça, essa constatação, contrariando seus concorrentes que continuam pagando mais caro.

A responsabilidade pelo ICMS-ST interno é do comerciante que traz a mercadoria de outras UF (artigo 110, V; artigo 120, II RICMS/AM). A exceção ocorre nas filiais atacadistas de matriz sediada fora do Amazonas e também quando existe relação de interdependência. Nesses dois casos, a responsabilidade do ICMS-ST recai sobre os clientes amazonenses dessas empresas (Clausula nona, II, §1, Convênio 142/2018).

Pois bem. Como desgraça pouca é bobagem, no dia último dia 3 a Distribuidora Centilênia comprou leite do Atacadista New Age, onde foi imediatamente constatada a tributação normal de um produto ST (CST 000; CFOP 5102). O adquirente estranhou o enquadramento e assim contactou seu fornecedor, que informou possuir um regime especial para não mais pagar ST sobre alguns produtos; disse ainda que a Distribuidora deveria continuar tratando o leite como se o imposto definitivo estivesse sido pago (o que não foi). Desse modo, a Distribuidora se deparou com o dilema de tributar com ICMS zero (ST) ou então tributar normalmente ao revender o leite. As duas alternativas eram arriscadas.

A Distribuidora foi até o Departamento de Tributação da Sefaz, onde recebeu ordem de pagar o ICMS-ST no lugar do Atacadista. Ou seja, a Sefaz fez, ali mesmo, uma transmissão de responsabilidade sem base legal alguma. E também se recusou a justificar legalmente essa ordem. Obviamente, não fez isso porque não existe normatização relacionado a essa situação peculiar. Eu, Reginaldo, contactei o setor de substituição tributária da Sefaz, que respondeu dizendo que, na dispensa legal da responsabilidade do contribuinte original, o próximo da cadeia assume o encargo do fornecedor. Acredito que, provavelmente, a Sefaz esteja desorientada com tudo isso. E, talvez, preocupada com a arrecadação, mas também com a observância legal, tenha agido por impulso técnico. Na verdade, é possível que a Sefaz seja tão vítima dessa situação embaraçosa quanto a Distribuidora, já que, provavelmente, o dito regime especial tenha sido consequência de um Mandado de Segurança, o qual pode ser derrubado por instâncias superiores.

Seguindo a orientação do Detri (Sefaz), a Distribuidora pagou o ICMS-ST no lugar do Atacadista. Na opinião de um renomado especialista tributário, essa Distribuidora não deveria pagar nada de ST; deveria, sim, continuar tratando o produto com ICMS zero na revenda. Mas também não poderia aproveitar o crédito destacado na nota fiscal, porque, se o Mandado de Segurança cair, o Atacadista pode ser obrigado a voltar atrás e pagar tudo com acréscimos moratórios. Se essa possibilidade se concretizar, o ICMS-ST seria pago duas vezes, restando à Distribuidora pedir restituição.  

O regime especial obtido pelo Atacadista bagunça um sistema já esculhambado por transformar seus clientes em potenciais criminosos, já que, pela opinião autoritária do Detri, os adquirentes passaram automaticamente a ser responsáveis legais pelo recolhimento, mesmo sem amparo legal nenhum. A pergunta que fica é a seguinte: A Sefaz vai colocar um batalhão de fiscais para visitar todos os clientes do Atacadista? A Sefaz vai punir todo mundo por não recolher um imposto indevido? Será que todos os clientes do Atacadista tiveram o cuidado de analisar a nota fiscal como fez a Distribuidora?

O fato é o seguinte: A coisa é bagunçada ao extremo e, por mais desvairado que seja, o ICMS substituição tributária pode gerar loucuras novas e perturbadoras. E, não bastasse a Sefaz ficar dia e noite debruçada em regulamentações confusas, o nosso sistema judicial costuma jogar titica no ventilador para deixar tudo mais cáustico e sufocante. Conclui-se então que o Brasil é um país condenado ao eterno fracasso, se o povo trabalhador continuar refém da psicopatia dos agentes públicos. Curta e siga @doutorimposto.