quarta-feira, 31 de agosto de 2022

O PIX É UMA ARMADILHA FISCAL

 
Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   31 / 8 / 2022 - A460
Artigos publicados


O Brasil sofre de uma enfermidade crônica e incurável que é a regressividade tributária, onde não se consegue vislumbrar absolutamente nada que indique qualquer mudança para o sistema progressivo de tributação. E a razão é muito simples: o rico não quer pagar imposto.

Nos EUA, quanto maior a renda maior a taxação; por aqui ocorre justamente o contrário. Por exemplo, um salário de R$ 5.000 paga 27,5% de imposto de renda, mas os ganhos de milhões sofrem uma carga de 7%, conforme estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP). Isso acontece pelas deformações normativas que faz a alegria dos planejadores tributários. Também, no Brasil, os ricos protegem seu patrimônio da tributação. Basta comparar os 60% de taxação sobre herança na França com os 2% cobrados pelo governo do Amazonas. Para reforçar mais ainda as discrepâncias comparativas, na época da disputa eleitoral entre o Donald Trump e a Hillary Clinton, ele fez insinuações que culminaram na divulgação da declaração de imposto de renda da opositora, onde a população americana soube que 45% dos rendimentos da família Clinton foram convertidos em impostos. Agora, imagine se uma coisa dessa pode um dia acontecer no Brasil... É claro que isso é impossível. Jamais, em hipótese alguma, o super rico brasileiro pagaria uma carga tão elevada.  

Outro fenômeno bizarro e escandaloso marca profundamente a fortíssima determinação do rico de não pagar imposto nenhum. O poder econômico do rico se entranha em todo o sistema estatal; engolindo Executivo, Legislativo, Judiciário e meio mundo de entidades privadas. Parece até coisa de filme conspiratório envenenado por teorias das mais transloucadas. Trata-se do sombrio fenômeno do ultra mega super contencioso fiscal que já alcançou mais de 75% do nosso produto interno bruto. Vários estudiosos do assunto já afirmaram que a maior parte dessa dívida nunca vai ser paga. Na verdade, esse contencioso é um artifício legal criado para o governo não reconhecer o perdão concedido aos muito ricos desse nosso desgraçado país. Isso significa que, além da carga ser pequena, o pouco a pagar vai para o contencioso para não ser pago de jeito nenhum. E na sequência, entra em cena o jogo teatral onde o Fisco finge que cobra, o Judiciário finge que processa e no final tudo cai na prescrição ou então a decisão sai depois de décadas quando o devedor já morreu e os herdeiros se mudaram para o exterior. Em outras palavras, o esquema é pesado e avassalador, já que poder público e privado se unem no propósito de chafurdar mais ainda o já bagunçado ambiente normativo.

E já que o rico não paga de jeito nenhum, sobra então para o pobre, na forma de gigantescas cargas sobre os produtos de consumo; especialmente os produtos consumidos pela população carente. E novamente, o rico entra em ação para escapar do Fisco, quando aqui, no Amazonas, produtos da cesta básica pagam 18% de ICMS, mas um veículo Porsche paga somente 12%. O governador Wilson Lima, do Amazonas, cobra IPVA de um pobre lascado que compra uma motocicleta usada, mas o mesmo Wilson Lima se recusa a cobrar IPVA de iates ou jatos particulares dos seus amiguinhos ricos. E com o rico dificultando qualquer tipo de ação tributária, o restante da população é empobrecida pelos impostos. Por exemplo, nos EUA qualquer zé mané pode comprar um iPhone, enquanto aqui no Brasil os preços são gigantescamente mais caros por causa dos impostos. Nos EUA, um policial tem condições de comprar uma mansão para os padrões brasileiros, mas um policial brasileiro só consegue umas coisinhas mais ou menos se fizer bicos por fora ou entrar no universo das milícias. O povo brasileiro é pobre porque o governo concentra todas as suas forças em arrancar o pouco que o pobre produz, através dum sistema diabólico e enganador, já que proíbe o comerciante de separar na etiqueta de preço o que é produto do que é imposto. O objetivo dessa manobra da Sefaz é manter o pobre na ignorância por meio dum sistema chamado “imposto por dentro”.

Pois é. O problema é que o povo vem acordando para a infinidade de impostos escondidos nos produtos de consumo. Esse fenômeno vem crescendo depois da confusão envolvendo preços dos combustíveis. E agora então, com o rico não pagando e o pobre se revoltando, o Fisco está vislumbrando a possibilidade de atacar o bolso da população por meio dum tributo sobre operações financeiras. A pavimentação desse caminho taxativo vem acontecendo já há muito tempo, tendo como ápice a criação do Pix. Depois que o Pix foi criado, meio mundo de gente ingressou no sistema bancário e meio mundo de gente está agora fazendo transações financeiras e assim criando uma base de informações preciosas para a Receita Federal. Noutras palavras, milhões de pessoas antes ocultas, agora estão colocando sua vida financeira nas mãos do Fisco. Não demora muito, virá o bote fatal. E novamente, o Fisco vai direcionar todas as suas forças para a população pobre, enquanto o legislador cooptado vai criar infinidades de mecanismos legais para livrar o rico dessa nova taxação.

O entranhamento por completo do Fisco na vida financeira da sociedade vai levar à criação de um tributo nos moldes da CPMF que vai gerar somas astronômicas de arrecadação. Com isso, será possível reduzir a escandalosa tributação do consumo e ao mesmo tempo continuar não tributando o rico. Na verdade, toda essa engenharia confiscatória está sendo desenhada exatamente pela elite aristocrática, através de influenciadores e pseudointelectuais e suas teses mirabolantes que manobram o poder público e a sociedade como um todo. No final, é sempre o pobre que se lasca. Curta e siga @doutorimposto. Outros 459 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br
































segunda-feira, 8 de agosto de 2022

REZE PARA QUE VOCÊ NÃO SEJA O PIOR


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   9 / 8 / 2022 - A459
Artigos publicados

LINK DA PALESTRA DO PROFESSOR EDGAR MADRUGA
https://youtu.be/5eIvkLlWBHU

O hábito de trabalhar com procedimentos convencionais foi brutalmente impactado pelas novas tecnologias. Portanto, sair do aquário é fundamental. A contabilidade, a sociedade, a economia estão sendo digitalizadas; noutras palavras, muita coisa está se desmaterializando. Pode-se dizer ainda que o mundo de hoje é digital; e tudo que é digital pode ser rastreado.

O Sistema Público de Escrituração Digital caminha para os seus vinte anos de existência e ainda assim, tem gente olhando pra ele com estranheza e sem compreensão exata do seu propósito. O SPED digitalizou o relacionamento do Fisco com as empresas, o que vem gerando uma série de transformações no ambiente de negócios brasileiro. E se considerarmos os novos paradigmas de rastreabilidade, vamos perceber que aconteceu uma expressiva mudança no foco do Fisco, que vem buscando a informação diretamente na fonte primária.

No modelo clássico, o fato econômico submetido às normas legais gerava repercussão contábil que culminava na tributação. Em outras palavras, como o governo não poderia estar presente no momento de cada fato gerador, ele encheu o contribuinte de obrigações acessórias para mapear as bases taxativas. Desse modo, a contabilidade foi sequestrada pelo governo e depois transformada num instrumento fiscalizatório. Pode-se dizer que o governo não enxergava o fato econômico, mas sim, a repercussão contábil desse fato econômico. Trocando em miúdos, ele enxergava a venda pela emissão da nota fiscal, enxergava a transferência de propriedade pelo registro em cartório, enxergava o imposto ajustado pela declaração de IR etc. Assim, o governo criou muitas obrigações acessórias para se aproximar do fato econômico.

Com a digitalização da economia o Fisco passou a enxergar o fato econômico sem filtros e sem ajustes, uma vez que pessoas físicas e jurídicas deixam profundos rastros eletrônicos de tudo que fazem. Desse modo, o governo passou a concentrar suas energias na criação e aprimoramento de mecanismos capazes de enxergar o fato econômico. Daí, que não poupa esforços para decifrar os aspectos vitais dum ambiente tecnológico enigmático, pulsante e veloz. Atualmente, o Fisco tem acesso a qualquer tipo de transação eletrônica, incluindo cartões de débito ou crédito. O Pix, por exemplo, é uma teia eletrônica que está enleando gente antes imperceptível. E até mesmo as operações com criptomoedas já foram regulamentadas pela IN/RFB 1888.

Então, alguns podem imaginar que basta não emitir nota fiscal das operações com dinheiro vivo para que determinado prestador de serviço consiga escapar do Fisco. Nesse caso, a pessoa até pode acumular dinheiro vivo, mas será apanhada quando comprar carro ou imóvel ou fizer movimentações eletrônicas com informação de CPF.

Nesse momento, desenha-se no horizonte um cenário turbulento para os negócios agregados aos famosos marketplaces, tipo iFood, Amazon, Mercado Livre etc. Por exemplo, duas entidades fazendárias do país já notificaram o iFood, que posteriormente entregou todas as vendas solicitadas. Outro exemplo importante: os marketplaces de Santa Catarina já são obrigados a enviar mensalmente todas as vendas para o Fisco. E não demora muito, esse será o padrão em todas as unidades federativas, onde o agente fazendário poderá exigir informações dos últimos 5 anos. Isso, obviamente, vai provocar um rebuliço em grande escala, já que pouquíssimas empresas estão sendo cuidadosas na sua gestão fiscal. Só vai escapar do rolo compressor o microempreendedor individual de faturamento pequeno. Portanto, o fenômeno do marketplace escancarou o fato econômico para o Fisco, que não precisa mais da nota fiscal. Inclusive, a própria EFD ICMS/IPI já contempla marketplace como forma de pagamento.

O Fisco não gosta de operações com dinheiro vivo. Prova disso está na dificuldade para se pagar boleto com dinheiro vivo acima de R$ 5 mil. Há casos de bancos que encerraram contas de clientes que movimentavam dinheiro vivo num volume considerado suspeito de atividade ilícita.

Ao buscar fatos econômicos, o Fisco passou a obter muita informação sobre o contribuinte. E mesmo assim, algumas pessoas duvidam desse poder avassalador quando apontam uma determinada empresa toda errada que não sofre autuação nenhuma. Tais pessoas precisam saber que casos assim acontecem porque o Fisco não se dispõe a quebrar 70% das empresas brasileiras, porque, tecnicamente, era isso que aconteceria se todos caíssem numa auditoria fiscal, já que as contabilidades não refletem o mundo real das empresas. De fato, o que ocorre é uma escolha diária.

O Fisco escolhe aquele que esteja em pior condição. Na verdade, o empresário que acorda de manhã deve rezar para que haja outro empresário pior do que ele, porque esse pior vai cair na auditoria fiscal. Todo dia alguém cai na auditoria; todo dia alguém se arrebenta. E se você não está sendo arrebentado é porque tem alguém pior do que você. E isso vem se intensificando nos últimos tempos.

Para tornar as ações fiscalizatórias menos traumáticas e mais eficientes, o Fisco criou focos de espontaneidade para incentivar auto regularizações. Um bom exemplo são as inconsistências detectadas pela Receita Federal, onde posteriormente o contribuinte é "convidado" a esclarecer e regularizar. A eficiência de tal procedimento se traduz em recordes de arrecadação, já que a maioria responde positivamente. Desse modo, as autuações são direcionadas somente aos que persistem no erro.

Mais uma observação importante. Tem uma tal de conta caixa na contabilidade que em muitos lugares guarda saldos elevadíssimos. A operação Tio Patinhas, da Receita Federal, vem atuando fortemente no combate a fraudes com dinheiro vivo, sendo um dos procedimentos, a checagem in loco de quantias em espécie declaradas ao Fisco (tanto pessoa física quanto jurídica).

E para encerrarmos nosso assunto, o Fisco caminha de modo que ele mesmo venha a apurar os impostos. A tal Apuração Assistida já é realidade no Rio Grande do Sul. Outro Estado que avança nesse campo é o Ceará, que pretende, por exemplo, esmiuçar as operações das empresas do Simples Nacional. Desse modo, e com o Fisco inteiramente entranhado nas operações internas, as empresas deverão focar suas ações no compliance fiscal. Portanto, não caia na síndrome da Gabriela. Conteúdo extraído da palestra do Professor Edgar Madruga @prof_edgarmadruga