terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O ELO FRÁGIL

Reginaldo de Oliveira




Uma corrente não é mais forte que seu elo mais fraco. Esse princípio deveria ser a linha mestra de todo programa de reestruturação organizacional devido ao caráter sistêmico do seu funcionamento. Como sabemos, sistema é um conjunto de elementos que tem entre si relações e que atua segundo um objetivo. Assim, os tais elementos podem ser comparados com as engrenagens de um relógio, que precisarão obrigatoriamente trabalhar em perfeita sincronia para só assim atingir o dito objetivo, tal qual seja, a pontualidade. A analogia é oportuna para compreendermos a importância de trabalhar os detalhes, as partes, os elementos formadores do sistema; compreender também a natureza das forças sinérgicas propulsoras dos fluxos de informações de uma empresa, por exemplo. Essa visão holística é fundamental quando uma pessoa se lança numa empreitada de grande envergadura que tenha em vista a excelência operacional.

Belíssimos projetos fracassam ou são de implementação sacrificante devido ao descaso para com os detalhes ou tratamento localizado de disfunções ou de processos mal desenhados. Na realidade, o que se observa é uma miopia endêmica que habita a consciência da maioria dos líderes empresariais. Ações localizadas aqui e ali criam um descompasso que muitas vezes perturbam mais do que ajudam a melhorar a produtividade e o clima organizacional. E não é preciso muito esforço para encontrar exemplos ilustradores desse tipo de situação, visto ser esse um procedimento padrão.

Quando uma tarefa não é cumprida, uma venda não é feita, uma oportunidade é perdida, um prejuízo acontece, um processo crítico deixa de funcionar, é porque uma série de deficiências acometeu o conjunto de mecanismos envolvidos direta ou indiretamente com o epicentro do problema. Dessa forma, a solução passa por um método de rastreabilidade que siga os vestígios até identificar os gargalos e pontos de estrangulamento do fluxo operacional. Algo que lembra um pouco os princípios da lei estadunidense Sarbanes-Oxley. Resumindo, para conferir determinada resistência à corrente é necessário se certificar de que os elos possuem características uniformes.

Assim, quem pretende alçar sua empresa a um patamar mais evoluído de eficiência operacional e destaque no seu ambiente de negócios, deve ampliar a consciência dos fenômenos que estão a sua volta. É importante avaliar sua própria capacidade de interpretação dos fatos e da multiplicidade dos aspectos do seu “core business”; também dos motivos e valores que influenciam as decisões tomadas. Sabemos que isso não é para qualquer um. O líder, por natureza, é um solitário quando uma decisão deve ser tomada. O peso do mundo recai sobre os seus ombros. A glória e a fatalidade são os dois lados de um muro onde cada passo deve ser dado com muito cuidado por quem caminha nele.

Decisões são muitas vezes amargas em vista de diversas alternativas que se apresentam, sendo todas ruins. Mas também, boas e edificantes oportunidades surgem constantemente, as quais devem ser prontamente aproveitadas e distribuídas na forma de benefícios. Tudo depende muito da expansão de habilidades construtivas e libertação de amarras psíquicas, como preconceito, medo, desconfiança, mesquinharia, estreiteza de pensamento etc. A visão clara do que se quer e a determinação de chegar ao destino programado deve ser mais forte do que sentimentos rasos e impulsos primários.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Reconciliação da dissonância sistêmica

Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio em 29/11/2011
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Você, empresário, conhece bem a sua empresa? Talvez você esteja precisando ter uma boa conversa com o seu contador. Ele pode fornecer um diagnóstico preciso da saúde do seu patrimônio e oferecer uma série de demonstrativos que possibilitem a análise do desempenho das unidades de negócio, apontando as potencialidades e deficiências de cada uma. A instrumentação técnica da ciência contábil existe para isso, para fornecer informações de qualidade ao administrador para que este possa também tomar decisões de qualidade.

A pauta da reunião com o contador pode começar pela análise minuciosa da estrutura do plano de contas para verificar se o mesmo é adequado e se atende às necessidades de produção de informações gerenciais. Outro ponto importante a ser discutido são os tipos de relatórios a serem apresentados e a periodicidade dos mesmos. Não menos importante é o planejamento fiscal, incluindo todo o conjunto de elementos tributários passivo de rigoroso controle. Faz parte das atribuições do contador a preparação de estruturas de custos e de orçamento. Outros assuntos podem entrar em pauta, como questões societárias, composição de preço de venda, ou até mesmo investigar se a empresa está crescendo ou se está inchando.

Por décadas a fio, a voracidade arrecadatória da nossa onipotente Receita Federal criou um hiato entre contador e administrador, estabelecendo um relacionamento antagônico entre os dois. O motivo dessa dissonância estava na objetividade normativa que aleijava a técnica contábil. Um bom exemplo eram os percentuais legais de depreciação do ativo fixo. Quem fugisse do padrão era multado. Dessa forma, quando o administrador batia o olho no saldo da conta Ativo Imobilizado, de ponto reclamava que o valor estava errado. Por esse e outros motivos, os relatórios contábeis só tinham utilidade para o fiscal da Receita Federal. O administrador se via obrigado a buscar outras fontes de informação para subsidiar suas decisões.

A reconciliação desses dois importantes protagonistas do cenário econômico e social brasileiro foi patrocinada pelo advento da Lei 11.638/2007, que trouxe para a nossa realidade contábil e empresarial todo um imenso conjunto de disposições contábeis maturados ao longo de décadas de discussões acerca da elaboração de demonstrativos que objetivassem evidenciar com alto grau de fidedignidade a situação patrimonial de uma organização. Claro, isso provocou um choque brutal na nossa tirânica Receita Federal, que até hoje não conseguiu sair do imbróglio em que se meteu por conta do padrão contábil IFRS. O motivo talvez seja a incompatibilidade do nosso rocambolesco e indecifrável ambiente legal com a seriedade das normas internacionais de contabilidade, administradas pelo IASB, cuja sede fica na capital britânica.

As normas internacionais de contabilidade (IAS/IFRS) estão sendo abrasileiradas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, o qual já produziu um denso arsenal teórico direcionador da interpretação dos fatos patrimoniais e até mesmo da reconstrução perceptiva do profissional da contabilidade. Agora, não basta transpor os fatos patrimoniais para os relatórios contábeis. É preciso também avaliar as potencialidades futuras de uma organização. É essencial transmitir confiança e transparência ao mercado e às partes interessadas (stakeholders). Estamos vivenciando a era da subjetividade responsável cujo foco é a segurança na condução da gestão.

Os contadores que estão conseguindo digerir todas essas mudanças se tornarão peças extremamente valiosas para o ambiente empresarial e parceiros imprescindíveis dos administradores.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

DOUTRINA DO REFOLHAMENTO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 22/11/2011
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Em recente visita ao Brasil, o Nobel da Paz e autoridade máxima do budismo tibetano, o dalai-lama afirmou que a raiz dos grandes problemas atuais, inclusive no mundo dos negócios, está na falta de valores; pregou que as escolas passem a educar o coração antes do cérebro, para que, dessa forma, as pessoas possam lidar equilibradamente com um mundo de tecnologia, de consumo, de relações sociais refratárias etc.

É possível que, na realidade, o brasileiro esteja cansado das aeronaves midiáticas que incessantemente sobrevoam sua cabeça e despejam carradas de bombas incitadoras do consumo e desencaminhadoras do comportamento da sociedade. O nosso ambiente social é intensamente carregado de mensagens, conceitos e propostas que abarrotam a percepção do indivíduo até o limite da alienação, sendo que muita gente gostaria mesmo era de escapar um pouco dessa realidade sufocante e resgatar os valores primordiais dos seus avós. Prova disso é o sucesso do Pereirão, de Fina Estampa, atual novela da Rede Globo – a personagem Griselda é absolutamente inflexível quanto à retidão dos seus valores morais. A mulher batalhadora que criou os filhos dentro dos mais rígidos padrões de conduta se transformou num refúgio em meio ao oceano de ignomínias que impera principalmente na esfera pública.

O Brasil é simplesmente o paraíso do descaramento e o seu povo é de uma mansidão incompreensível. É impressionante o volume de casos de corrupção, de desmando, de sem-vergonhice, de descalabro que o cidadão brasileiro tem engolido dia após dia e o ritmo alucinante dos acontecimentos escandalosos. Os promotores de tanta balbúrdia se chafurdam em meio ao escárnio que externam quando se transformam em alvo de investigações. Esse pessoal sabe que o solitário anzol da Justiça é muito frágil e por isso não aguenta o peso dos grandes peixes. Os calhordas são também sabedores de que esse mesmo anzol solitário pouco pode fazer diante de um mar infestado de tubarões. Tal cenário dantesco é mais do que um terreno propício à proliferação dos piores tipos de criaturas humanas, pessoas que adotam a doutrina do refolhamento já na tenra idade. E já na tenra idade são arrebatadas pelo péssimo exemplo que vem de cima, vem de baixo, vem dum lado, vem do outro, vem da frente, vem detrás; desde bem cedo aprendem a arte da mentira e do cinismo social. Até o nosso poeta Renato Russo tentou descobrir por que é mais forte quem sabe mentir.

O coroamento dessa nefasta arte da dissimulação acontece nos eventos políticos. Prova disso foram as recentes audiências na Câmara onde o nosso desmemoriado e falastrão Carlos Lupi fingiu que esclarecia fatos nebulosos e os demais colegas políticos fingiram que estavam ali para questionar o ministro sobre denúncias de irregularidades publicadas na mídia. Ali, em meio ao espetáculo de hipocrisias e imposturas se estabeleceu o triunfo da mentira. Dali foi transmitida para todo o país a mensagem de que o mentiroso é sim o mais forte.

Como será que acontece o processo de catequização desses eminentes caras-de-pau? É possível que desde bem pequeno os safados já comecem simulando choro de fome para chamar a atenção dos pais. Mais tarde, mordem os colegas do maternal e culpam o vizinho do lado. Um pouco mais crescidos, dizem que não quebraram a janela do vizinho. Quando adolescentes, juram fidelidade para a namorada, bebem escondidos, colam na prova até o dia em que dão um golpe no caixa da empresa em que trabalham. Assim, vão se doutrinando até estarem prontos para ingressar na política.

domingo, 20 de novembro de 2011

TEATRO DOS DESENTENDIDOS

Reginaldo de Oliveira

Saber dissimular é o saber dos reis. Essa máxima foi sentenciada pelo maior manipulador político da história francesa. O Cardeal de Richelieu possuía uma incomum habilidade de se agregar ao mandatário do poder estabelecido. Primeiro, durante um evento pomposo, fisgou a rainha-mãe, Maria de Médici, com um eloquente elogio que deixou constrangido alguns membros da igreja, já que o merecedor de todas as honras era o menino rei Luis XIII. Um ano depois era nomeado secretário de Estado para assuntos estrangeiros, o que o fez penetrar no círculo íntimo do poder. Poder esse que estudou em profundidade como se dissecasse um sapo. O passo seguinte foi se aliar ao amante da rainha-mãe e assim explorar as fragilidades do homem que era então tido como o mais poderoso da França. Richelieu tratava o amante Concino Concini como se ele fosse o próprio rei. Poucos anos depois o crescido rei Luis XIII mandou matar Concini e prender muita gente importante. O religioso continuou ao lado de Maria de Médici que em retribuição convenceu o filho a nomeá-lo conselheiro do rei. Com a sua posição consolidada ao lado de Luis XIII, Richelieu abandonou a rainha-mãe e passou a manipular as ações do rei, moldando a França segundo sua visão.

O tal “saber dos reis” foi perdendo gradualmente a aura de nobreza até se transformar em pura cara-de-pau. Um exemplo retumbante é a recente reestréia da ópera-bufa “A Bola da Vez”, agora protagonizada pelo ministro Carlos Lupi; uma tragicomédia de vários atos que ainda não acabou. A cena mais hilária aconteceu quando o ministro tentou lembrar o nome do abnegado empresário Adair Meira, o qual providenciou uma aeronave para ser utilizada pelo próprio ministro em compromissos de agenda oficial do Ministério do Trabalho no Maranhão. Foi visível a inabilidade da encenação do esquecimento, como se o eminente político tivesse faltado a algumas aulas da escola de arte dramática.

Os “esclarecimentos” prestados pelo ministro a um grupo de parlamentares sobre as denúncias de irregularidades na sua pasta adquiriram contornos teatrais. Mas precisamente, um teatro de desentendidos, onde foi possível perceber expressões de surpresa, indignação, seriedade etc. Era cada uma mais convincente que a outra. Alguns até ficaram horrorizados com histórias escandalosas de desvios de dinheiro público.

Obviamente, o que aconteceu de verdade é que cada pessoa presente ao evento procurou representar bem o seu personagem, já que tudo estava sendo acompanhado pela imprensa. O protagonista lá do centro do palco se esforçou para aplicar com rigor a máxima do Cardeal de Richelieu. Claro, não foi bem-sucedido devido a alguns escorregões e exageros no discurso. Os inquiridores, por sua vez, tentavam cercar o ministro com questionamentos embaraçosos, mas tudo feito de acordo com a doutrina do refolhamento.

Toda essa representação é coisa de profissional experimentado – verdadeiros macacos velhos; raposas com muita quilometragem no currículo. Ali, na tal audiência na Câmara, os atores por baixo das máscaras dos personagens sabiam da história verdadeira e sabiam também quais seriam as perguntas certas a fazer e que não foram feitas.

Uma pessoa normal teria imensas dificuldades para carregar para cima e para baixo o pesado figurino de um personagem sem dar um minuto de descanso para a atividade interpretativa e teatral. Será que nem no banheiro de casa, tomando banho, esse pessoal consegue se livrar por um momento do figurino, da maquiagem e dos apetrechos do seu personagem?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

ATÉ O OSSO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 08/11/2011
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Instalou-se no país uma sinuosa campanha em prol da volta da famigerada CPMF. Os articuladores desse movimento estão se utilizando da velha tática de ir comendo o mingau quente pelas beiradas: é uma fala aqui, uma menção ali, um comentário acolá etc.; tudo feito com o objetivo de ir amansando o povo até haver espaço suficiente para o Fisco desferir o golpe fatal. A mídia tem contribuído bastante para esse movimento através da veiculação de reportagens que mostram situações escabrosas da saúde nos quatro cantos do nosso Brasil. O cidadão é bombardeado em um dado momento com cenas chocantes de pacientes morrendo nas filas de atendimento e logo em seguida assiste ao discurso de um figurante de Brasília insistindo na tese de que a única solução para o problema da saúde é abocanhar o bolso já todo mordido do contribuinte brasileiro.

Um fato por demais curioso não é divulgado com tanta veemência pelos meios de comunicação, que é o galopante aumento da arrecadação de impostos, taxas e contribuições. Não é também divulgado que após o corte da CPMF o nível de arrecadação subiu muito, resultado da eficiência dos mecanismos de acuamento do contribuinte cujo símbolo maior é o projeto SPED. Felizmente, a sociedade brasileira está acordando para o maior de todos os problemas e a raiz de todos os malefícios que inviabiliza qualquer projeto de futuro. A corrupção passou a ser motivo de manifestações organizadas por uma infinidade de pessoas cansadas da bandalheira institucionalizada e patrocinada pelo setor público.

O que espanta o observador um pouco mais atento é o fato do governo não dar absolutamente nenhum sinal de que está efetivamente combatendo a corrupção. A mensagem constantemente captada pelos radares da população brasileira é de que a festa dos corruptos está longe de acabar. Casos e mais casos escandalosos de corrupção não param de estampar capas de jornais e revistas. Parece pipoca estourando na panela. Mesmo assim, nenhuma notícia concreta de punição é ouvida pelo desacreditado e desamparado cidadão brasileiro. Governo entra, governo sai e o que se vê e ouve é muito discurso e pouca ação.

Segundo recente reportagem da Revista Veja, somente 7 centavos é recuperado de cada 100 reais roubados. A mesma reportagem afirma que uma análise feita pela Controladoria Geral da União mostrou que a probabilidade de um funcionário corrupto ser condenado é de menos de 5%; a possibilidade de cumprir prisão é quase zero. Ou seja, não há como deixar de imaginar a existência de um mirabolante e gigantesco esquema de fomento e estímulo à corrupção. É como se vivêssemos num Estado cujos ossos do seu esqueleto é feito de corrupção. O músculo do coração do Brasil é feito de corrupção. O principal componente do sangue que corre nas veias da nação é a corrupção. O ar que todos respiramos está causticamente carregado de corrupção. A corrupção está nas frutas, no refrigerante, no sabonete, no asfalto das ruas, no cimento das paredes, na energia elétrica, nas roupas íntimas etc. Ou seja, um pingo de seriedade nos programas de combate à corrupção seria suficiente para fazer aparecer uma montanha de dinheiro para a saúde.

Esse estado de coisas lembra a história do operário de uma obra que por um ano não lavou a rede em que dormia. No dia em que a dita rede foi colocada de molho na água com sabão em pó ela se esfiapou em vários pedacinhos de tecido. Ou seja, o grude das costas sujas do operário se impregnou de tal forma no algodão da rede que não pôde mais ser retirado sem que o tecido fosse destruído. Será que é a corrupção que mantém o Brasil de pé? Será que se extrairmos os corruptos do Congresso Nacional o prédio vai cair devido aos espaços corroídos pelos cupins que hoje lá estão?

sábado, 5 de novembro de 2011

TIRAR SEM TER

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 01/11/2011
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O conceito de tributação nos remete à idéia de parte da colheita que era entregue ao senhor da terra. No Império Romano os tributos eram cobrados dos povos dominados, assim como o colonizador português cobrava os impostos da colônia brasileira e os nossos antigos coronéis faziam o mesmo tipo de cobrança das pessoas sob a sua jurisdição. Ou seja, pagar imposto é coisa de alguém que está sob o jugo de outrem. Os descendentes do coronelismo continuam por aí, fazendo de tudo para assegurar as imunidades dos seus antepassados. Esse pessoal está hoje na política, fazendo (tecendo) leis, que mais parecem armadilhas para apanhar os incautos e ao mesmo tempo criando brechas para proveito próprio.

O exemplo da colheita é emblemático devido à lógica natural da entrega ao sócio coagente de parte da produção depois de plantada e colhida. A criatividade e ousadia do legislador brasileiro subverteram essa lógica, fazendo a chuva subir aos céus em vez de cair. A coisa é tão absurda que muitos estados da federação aguardaram vários anos para adotar a modalidade de antecipação e substituição tributária do ICMS. O disparate dessa idéia provocou um choque na classe empresarial de modo que muitos acionaram a Justiça. O governo reagiu se valendo de todas as suas forças coercitivas para empurrar o sapo enverrugado goela abaixo das empresas e assim conseguir impor um conceito legal, mas perversamente imoral, via regulamentação do parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, através da publicação da Lei Complementar 87/96. Os empresários estão pagando, mas o sapo está entalado na garganta.

A Secretaria da Fazenda do Pará estabelece um prazo de 60 dias para o recolhimento das antecipações de ICMS enquanto aqui no Amazonas a cobrança acontece no mês seguinte ao recebimento da mercadoria, sendo que em várias situações o desembaraço só acontece depois da efetivação do pagamento de 21,9% do valor da nota fiscal. Essa avidez arrecadatória provoca um sangramento no fluxo de caixa e está inviabilizando muitos negócios na nossa região. As empresas estão sendo obrigadas a recorrer a empréstimos em instituições financeiras para pagar imposto. Ou seja, a descomunal fome do Fisco está obrigando o contribuinte a tirar dinheiro do caixa vazio referente a vendas que ainda não aconteceram. Houve uma época em que o Fisco não era assim tão voraz. Consta no boletim IR IOB 26/1987 o prazo de seis meses para recolhimento do PIS. Por que então a classe empresarial deixou a voracidade do governo ir tão longe?

Em países como Estados Unidos, União Européia e até no Líbano os empresários são obrigados ao pagamento do imposto sobre valor agregado (VAT – Value Added Tax), o qual é destacado nas etiquetas de tudo quanto é produto comercializado, sendo que a alíquota mais comum é de 10%. Se esse esclarecimento ao consumidor fosse adotado por aqui, o susto seria grande, visto que ao lado do preço constaria 20,48% de ICMS, mais 7,6% de COFINS, mais 1,65% de PIS, mais uns 40% de IPI. Se esse fato vier um dia a se concretizar, com certeza, a passividade do povo brasileiro acabaria e em pouco tempo todos iriam querer saber o que o governo faz com tanto dinheiro arrecadado.

De imediato, é preciso estancar urgentemente o sangramento do fluxo de caixa patrocinado pelo pagamento antecipado de ICMS. De toda a riqueza gerada na atividade econômica brasileira, o governo fica com a maior fatia. O que sobra é distribuída entre fornecedores, empregados, prestadores de serviços, acionistas etc. Com exceção do governo, todos só recebem sua fatia depois que o bolo fica pronto. Atualmente, o contribuinte tem que dar seus pulos para saciar a fome do governo antes de fazer a mistura dos ingredientes e colocar a massa no forno.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

VORACIDADE DESMEDIDA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 18/10/2011
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Poder-se-ia considerar o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), atual COFINS, como o ícone mais representativo das trapalhadas e voracidade do Fisco brasileiro. Acrescente-se ainda a esse angu encaroçado a incompetência do legislador que fomentou a indústria das ações judiciais e entupiu os tribunais com pilhas e pilhas de processos. Instituído pelo Decreto-Lei 1940/82, sua alíquota inicial de 0,5% passou a ser continuamente majorada até chegar aos atuais 7,6%; um estratosférico crescimento de 1.420%. Onde, senão no Brasil um tributo cresceria tanto? E o governo não está satisfeito. Aliás, nunca está. Afinal, pelo ralo, que mais parece um bueiro, escorre rios de dinheiro que alimentam as bocas insaciáveis da corrupção e dos desmandos dos administradores públicos. Um relatório da ONG Transparência Internacional revela que setenta bilhões de reais são consumidos anualmente no Brasil pela corrupção, o que equivale a duas CPMF. Considerando-se a corrupção como um câncer disseminado em todas as células do tecido social, é claro e evidente que esse valor é muito, muito maior.

É notório e sabido de todos que o governo é o pior dos piores administradores. Ninguém tem a cara de pau dura e lustrada o suficiente para contestar essa verdade cristalizada no imaginário coletivo. A estratégia utilizada é incutir na alma do cidadão a idéia de normalidade desse estado de coisas. O pior é que isso tem funcionado. Tanto, que fatos escabrosos e gritantes de corrupção são assíduos frequentadores dos noticiários sem que nenhuma medida séria de efetiva punição seja tomada. Os protagonistas e figurantes dos enredos mais cabeludos propagados na mídia seguem suas vidas tranquilas, certos de que absolutamente nada poderá ser feito enquanto políticos e juristas discutem o sexo dos anjos, empurrando a questão com a barriga por décadas a fio. Por esse motivo, ninguém está disposto a fechar o bueiro, visto que enquanto o contribuinte não gritar o governo vai continuar empurrando. Ironicamente, ou sarcasticamente, os artigos 119 e 121 do Código Tributário Nacional (Lei 5172/66) classificam o governo como sujeito ativo e o contribuinte como sujeito passivo da relação tributária. Diga-se de passagem, uma relação dolorida para quem paga a conta.

A máquina de fabricar leis é incansável e o furor legislativo só acontece quando o objetivo é prejudicar o contribuinte. Os assuntos realmente sérios são esquecidos no fundo da gaveta. É o caso da regulamentação do artigo 150, parágrafo 5º, da nossa Constituição Federal, que diz o seguinte: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Ou seja, o cidadão desatento continuará sem saber da quantidade de impostos que paga em tudo que consome. No dia que esse cidadão tiver consciência do peso da carga tributária no seu orçamento, ele não mais irá tolerar abusos, hoje comuns na administração pública.

Além de majorar as alíquotas dos tributos, os entes fazendários passaram também a encurtar o prazo de pagamento. Encurtaram tanto que o imposto passou a ser recolhido antes do fato gerador. A SEFAZ/AM foi além. Passou a antecipar até o fato gerador, cobrando notificação de ICMS de mercadoria ainda não ingressada no estado, contrariando as disposições do artigo 118, RICMS/AM (Dec. 20686/1999). Se esse ímpeto arrecadatório não for contido, onde iremos chegar? Qual é o limite da voracidade desmedida do Fisco? Por essas e por outras é que esse submundo fiscal precisa urgentemente ser combatido.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PAPO DO MALANDRO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 11/10/2011
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O artigo 368 do Novo Código Civil diz que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. A obviedade dessa afirmação salta à vista de qualquer pessoa com um mínimo de discernimento. E o legislador foi sucinto e direto devido ao fato de não haver absolutamente nada a acrescentar ou especular. O estado de lucidez que permitiu a elaboração desse artigo só foi possível porque ele é destinado às relações que não envolvem o poder público. Quando o mesmíssimo assunto abrange as entidades fazendárias a coisa muda completamente de figura. O artigo 374, vizinho do 368, que tratava da compensação de dívidas fiscais e parafiscais, foi revogado pela lei de um artigo só e meia dúzia de palavras, a de número 10.677/2003. A exposição de motivos para tal revogação está na E.M. 26, de 09/01/2003, que menciona o comprometimento da estabilidade fiscal e graves prejuízos ao erário.

O Código Tributário Nacional, que deveria estabelecer um mínimo que fosse de justiça fiscal, é utilizado pela própria Fazenda Nacional para negar o exercício do direito de compensação tributária. O legislador, obedecendo fielmente a E.M. 26, tratou de criar um cipoal de regulamentações legais denso e entremeado com o objetivo de dificultar ao extremo o acesso do contribuinte ao dinheiro de sua propriedade retido nas mãos do Fisco. Atitude que afronta a nossa toda remendada CF/88, Art. 5, XXII, que afirma que “é garantido o direito de propriedade”. Ou seja, a PROPRIEDADE é o crédito reconhecido e homologado pela SEFAZ, por exemplo, que mesmo o contribuinte possuindo um milhão de reais a título de ICMS represado no órgão, continua sendo obrigado a pagar cem mil reais de ICMS mensalmente; algo que empresário nenhum engole por mais que se apresentem duzentas mil páginas de legislação justificando o injustificável.

A Receita Federal do Brasil tem evoluído positivamente nessa questão, inclusive permitindo a compensação entre tributos de naturezas diferentes. As legislações fazendárias de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são mais maduras que a nossa e demonstram maior disposição em respeitar o contribuinte e conferir mais racionalidade na sua aplicação. Deduz-se, dessa forma, que a legislação federal que está hierarquicamente posicionada acima das legislações estaduais, deixou a cargo dos estados a missão de tratar do assunto compensação tributária da forma que lhes convier. É como se houvesse um ranking de estados mais atrasados e mais evoluídos em matéria tributária. No frigir dos ovos, o tal cipoal legislativo é resultado de uma grande orquestração de legisladores que trabalharam intensamente na criação de um gigantesco e complexo labirinto de falácias e sofismas para dar um ar de legalidade à negação do direito de compensação tributária; algo muitíssimo parecido com o papo do malando escorregadio que faz de tudo para não pagar o que deve. Cabe a cada um de nós reagir, amparados pelo inciso LXXIII, do artigo 5º, da nossa Carta Magna, que diz o seguinte: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo à moralidade administrativa”.

Como o Estado brasileiro não pode negar o direito aos seus cidadãos, as administrações fazendárias transmitem aos lesados e espoliados contribuintes, a mensagem de que a única alternativa é recorrer ao Judiciário. Claro, como é sabido até dos cachos de tucumãs pendurados lá no mato, a justiça brasileira é uma ficção. E as entidades fazendárias conscientes disso, sabem que o crédito de uma infinidade de contribuintes continuará represado. Mesmo que um ou outro gato pingado sem juízo acione a Justiça, as finanças do erário não serão impactadas. Dessa forma, os signatários do E.M. 26, os senhores Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci Filho poderão dormir despreocupados.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

PROMOTORES DO ATRASO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 04/10/2011
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Desde que a presidenta Dilma começou a reagir com intolerância às denúncias de corrupção no seu governo, alguns setores da sociedade organizada estão aos poucos despertando do sono letárgico que impede o exercício pleno da cidadania. As vassouras fincadas na frente do Congresso Nacional representam o clamor de um país saturado da esculhambação institucionalizada pelos promotores do atraso e da corrupção. A pretensão do Brasil em adentrar no clube dos países dito desenvolvidos e de sediar os dois mais importantes eventos esportivos mundiais têm sido útil para levantar o debate acerca dos empecilhos que atravancam o funcionamento da máquina social e econômica do país. Questões cruciais como a ineficiência do Estado, insegurança jurídica, legislação incompreensível, corrupção etc., estão borbulhando na mídia e nas conversas informais. Espera-se que essa movimentação produza algum tipo de efeito positivo.

De forma geral, o cidadão comum é um desacreditado na moralidade da coisa pública. Mais ainda, é um cético convicto. Isso é uma tragédia para as gerações atuais e futuras; mostra que algo urgente deve ser feito para amenizar o pesado clima de ceticismo que rodeia a todos nós. A edição da Revista Veja da semana passada traz uma lúcida e esclarecedora matéria sobre o nosso absurdo sistema jurídico, onde leis se sobrepõem, se colidem e se enroscam umas nas outras, tornando impossível a sua interpretação e aplicabilidade. Esse cipoal de dispositivos legais tem como objetivo dificultar a vida de quem produz. Ou seja, enquanto o setor produtivo trabalha duro pela geração de riquezas e divisas, os burocratas engravatados, lá do alto dos escritórios isolados do resto do mundo, maquinam os mais mirabolantes e indecifráveis meios de prejudicar quem trabalha de verdade. Por tudo isso, está mais do que na hora de extirpar esse câncer da vida produtiva brasileira. Xô, burocratas!!!

Por mais que se propague aos quatro ventos que o poder é do povo, que vivemos numa democracia, o dito povo se comporta como gatos paralíticos enquanto os ratos fazem a festa. As entidades representativas da sociedade, associações, federações etc., têm sua parcela de culpa por não formarem grupos de estudo que identifiquem erros e proponham ajustes que forem julgados necessários. Se impostos são exigidos antes do fato gerador, que então as entidades das classes empresariais convoquem o secretário da fazenda estadual e exijam uma mudança; digam simplesmente: “não temos como pagar antes de vender”, “não dá mais!!!”, “chega de estrangulamento do fluxo de caixa”... É preciso simplesmente ação; ação coordenada. Os gatos não podem temer os ratos. A lógica demonstra justamente o contrário.

A semana passada foi marcada pelo resultado da firme reação do Conselho Regional de Contabilidade que não aceitou engolir o sapo enverrugado da nova nota fiscal eletrônica que a prefeitura de Manaus pretendia implantar na marra. Por enquanto, o CRC tem sido bem sucedido nas suas ponderações. As regras de funcionamento do tal GissOnline não são claras para ninguém. Os técnicos do sistema dizem uma coisa, os auditores da prefeitura dizem outra coisa e os atendentes da SEMEF não sabem o que dizer. Conclusão, o contribuinte se transforma em bola de ping-pong, sendo jogado de um lado para o outro, onde regras antigas se misturam com as novas. Assim, a solução de problemas fica dependente do grau de amizade com as pessoas certas. Quem não tem amigos vai fazer uma infinidade de peregrinações até um dia ver seu processo indeferido por falta de um carimbo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ELO DE CONEXÃO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 27/09/2011
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Tal como o Bioquímico, o Contador é um profissional que os leigos sabem da sua existência, mas não têm noção exata do que faz. Os menos desatentos imaginam que o profissional da contabilidade lida com impostos; outros acham que o setor de contábil é o local onde ficam arquivados documentos importantes da empresa. O mais curioso é observar empresários com visão completamente equivocada das atividades e funções do Contabilista, o que dificulta o tão fundamental e imprescindível diálogo que deve haver entre cliente e prestador de serviços contábeis.

Poder-se-ia afirmar que o Contador é o médico que fica o tempo todo com o dedo no pulso da organização, monitorando e cuidando da saúde patrimonial dos mais diversos tipos de entidade. Constitui prerrogativas desse profissional, proporcionar ao Administrador uma visão panorâmica dos processos patrimoniais que se desenvolvem no negócio como um todo. Também, demonstrar os mecanismos e fluxos operacionais que ocorrem em toda estrutura organizacional. É predominantemente, uma função de assessoria e suporte ao tomador de decisão.

O profissional contabilista é ainda o profissional diretamente responsável pela sustentação e existência do Estado. É ele que providencia o combustível que faz a máquina social se movimentar, visto que é o interpretador e operador da legislação tributária – os tributos que o governo arrecada passam pelas suas mãos. E vez por outra faz o papel de marisco quando o mar resolve brigar com a montanha. Ou seja, é ele que leva sopapos quando as empresas resolvem brigar com o Fisco por conta da legislação maluca e injusta desse nosso país completamente contaminado por deformidades tributárias.

Muitos tentam imiscuir-se na seara contábil, mas nenhum outro conhece os fenômenos patrimoniais melhor que o Contador. Por décadas essa tão importante profissão foi massacrada e desmoralizada pela nossa onipotente Receita Federal do Brasil, que por conta da sua voracidade tributária, atropelou os princípios contábeis obrigando o profissional contabilista a construir estruturas de registro patrimonial totalmente aleijadas. Tudo em nome de uma objetividade que uniformizava os processos operacionais das empresas. Como exemplo, as taxas de depreciação do Ativo Fixo eram únicas para todo mundo. Assim, um caminhão que já havia sido consumido nos registros contábeis continuava rodando a pleno vapor. Por isso é que os empresários viam a contabilidade como uma piada e os contadores como um mal necessário.

A Lei 11.638/2007 veio com o propósito de moralizar a ciência contábil e inaugurar a era da subjetividade responsável. A partir dessa lei, finalmente, o contador pôde utilizar plenamente a técnica contábil para evidenciar os processos patrimoniais nos relatórios financeiros da forma como eles acontecem, sem que nenhum agente insidioso possa interferir ou deformar a realidade dos fatos. Agora, sim, existe ambiente propício para um bom e produtivo diálogo entre Contador e Administrador. Os dois podem sentar-se à mesa e trabalhar uma ampla gama de métodos de controle e de produção de informações de qualidade que criem um ambiente propício para que as decisões sejam as melhores possíveis. Enfim, muitas organizações padecem de sérias enfermidades com o médico dentro de casa.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

REFORMANDO PARADIGMAS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 20/09/2011
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Os paradigmas funcionam como presídios fortemente guarnecidos. Escapar deles exige astúcia, audácia e uma grande vontade de mudar de vida. Devido às suas características desafiadoras, muitos tentam, mas poucos conseguem atingir os objetivos pretendidos. Assim é a rotina diária de uma variada gama de empresários que sentem e sabem que precisam fazer mudanças substanciais na gestão dos negócios. Agora, mais do que nunca, está se buscando a profissionalização dos processos em face da crescente complexidade do ambiente empresarial e pressão dos controles governamentais. As velhas e eficientes práticas lá do passado cada vez mais se mostram inviáveis à medida que trilhamos o caminho da modernidade.

Não à toa, observa-se ampla movimentação na cúpula administrativa de empresas que estão acordando para uma realidade ameaçadora e ao mesmo tempo repleta de oportunidades para aqueles que saírem na frente. A organização dos processos entrou assim na ordem do dia e encabeçou a pauta de prioridades administrativas. A pressão que o gestor recebe do mercado e do governo é automaticamente transferida para seu “staff”. Dessa forma, profissionais medianos e resultados medíocres não estão sendo mais deglutidos com facilidade. Poder-se-ia até classificar tais fenômenos como uma espécie de revolução organizacional em vista do imenso esforço que está sendo exigido daqueles que precisam tomar decisões acertadas.

Mais do que nunca, os recursos humanos estão se mostrando mais importantes do que os recursos financeiros e materiais. Quem não puder pagar o preço dos melhores profissionais terá que encontrar meios de qualificar seu quadro funcional. Esse processo de qualificação, obviamente, deve começar pelo topo da pirâmide e escorrer hierarquia abaixo. Caso contrário, de nada adiantará contratar um funcionário de alto nível, com idéias e propostas que não serão compreendidas nem aceitas. Como é sabido e notório, chefes de primeira contratam pessoas de primeira; chefes de segunda contratam gente de terceira.

Outro aspecto a ser considerado tem a ver com a renúncia aos vícios, jeitinhos e improvisos tão entranhados numa expressiva parcela do nosso empresariado. Os acostumados aos tradicionais métodos heterodoxos de conduzir uma série de assuntos administrativos e tributários estão gradualmente percebendo que o caminho mais seguro é pavimentado pela legalidade e profissionalização. Quem quer crescer e conferir perenidade aos negócios precisa observar mais atentamente alguns casos empresariais de sucesso; fazer o tão famoso “benchmarking”. Só assim poderá descobrir que as empresas realmente bem sucedidas não funcionam na base do improviso.

Uma coisa é certa. Todo o peso da responsabilidade pelo zelo e resguardo do patrimônio de uma empresa recai sobre os ombros do administrador. É ele o único culpado por eventual abalo ou desmonte do negócio. Daí, que os turrões e arrogantes encontrarão cada vez menos espaço no mercado em vista do processo de seleção natural que poupará somente as espécies adaptadas aos novos tempos. Por isso não há como fugir da responsabilidade de encarar os fantasmas e paradigmas. Se os grilhões dos paradigmas parecerem fortes demais para serem rompidos, não custará nada ampliar a capacidade de ouvir e refletir sobre as propostas de colaboradores que estão próximos e dispostos a ajudar. Uma boa dose de humildade e sensatez é muito útil nos momentos de aflição.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

GOVERNANÇA TRIBUTÁRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 13/09/2011
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Estamos tão acostumados ao nosso ordenamento social que até esquecemos de refletir sobre sua estrutura e funcionalidade. Falta-nos a conscientização mais aprofundada da dinâmica que impulsiona uma série de atividades à nossa volta e, principalmente, o que dá sustentação a esse sistema, tal qual seja, os impostos. As justificativas morais para o Estado abocanhar expressiva fatia da riqueza produzida pelo cidadão é objeto de complexas e variadas teorias filosóficas. Enquanto o pensador norte-americano Robert Nozick rejeitava a idéia da entrega de parte do patrimônio pessoal aos menos favorecidos através dos tributos, o seu contemporâneo e compatriota John Rawls pregava a justiça distributiva.

O fato é que os impostos estão aí, fortemente entranhados na cultura mundial. Mesmo assim, nós, brasileiros, fazemos um grande esforço para ignorá-los. E não só isso. Costumamos nos valer de tudo quanto é artimanha rocambolesca para fugir deles. Prova disso são as práticas agressivas de planejamento tributário tão orgulhosamente ostentado por empresas que pagam pouco ou nenhum imposto. Tais práticas fomentam um ambiente de perversidade para os negócios e faz do Brasil o paraíso das deformidades tributárias, onde impera a lei do mais esperto.

O papel da empresa como agente social é um conceito que gradualmente ganha escala e influencia a reputação de corporações que procuram transmitir ao mercado a mensagem de que são eticamente corretas no âmbito tributário. A governança tributária está alicerçada nesse conceito e passou a se desenvolver com intensidade a partir dos escândalos das gigantes norte-americanas no início da década passada, Enron e WorldCom, que provocaram imensos prejuízos ao enganar o mercado com demonstrações contábeis fraudulentas. A partir de então governos e diversas entidades começaram a desenvolver mecanismos de controle que pudesse evitar estragos de grandes proporções em suas respectivas economias. O exemplo mais significativo desse movimento foi a edição da Sarbanes-Oxley americana, que passou a exigir um complexo e rigoroso controle dos processos internos das empresas que negociam ações em bolsa de valores nos EUA.

De forma menos incisiva, mas de grande importância para a cultura empresarial e contábil brasileira, a Lei 11.638/2007 trouxe para o nosso ambiente de negócios um modo novo e libertário de interpretar as operações empresariais, cujo foco é a qualidade da informação e segurança na condução da gestão. Assim, e de forma espontânea, uma gama de empresas passou a adotar práticas voltadas para a transparência das informações que prestam aos acionistas e demais “stakeholders”

A governança tributária compreende todo um conjunto de procedimentos baseados na expertise desenvolvida na gestão de assuntos fisco/tributários, tais como o domínio e aplicação adequada da legislação pertinente e formação de equipe de profissionais altamente qualificados. Abrange também a adoção de normas focadas na dinâmica e volubilidade das características semânticas do conjunto de leis que regem os tributos – tudo pautado em rígidos princípios éticos. Para alcançar tais padrões os profissionais precisam queimar as pestanas até definir o correto enquadramento legal das operações mercantis.

Os tributos são necessários e virtuosos na sua essência. Basta observar o exemplo escandinavo da sua aplicação e gerenciamento. A ojeriza que temos aos impostos talvez seja fruto da construção tortuosa da nação brasileira, a qual foi temperada com espoliação, derrama, corrupção, esperteza etc., o que acabou nos tornando cúmplices de tudo quanto é bandalheira que existe por aí.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

PROPOFOL

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 09/08/2011
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O cidadão norte-americano é um ferrenho defensor do seu território. Tanto, que não pensa duas vezes antes de dar um tiro naquele que ousar invadir os seus domínios. É assim com sua casa, seus familiares, seu país. Por aqui, em terras tupiniquins, a coisa é bem diferente. Agimos como se nada fosse nosso. Nossas propriedades podem ser invadidas a qualquer momento sem que tenhamos o direito de defender aquilo que trabalhamos duro para construir. O pior de tudo é que os invasores até recebem incentivos do governo – algo inimaginável nos Estados Unidos.

Onde estarão as raízes do nosso comportamento pacífico letárgico passivo? Será que carregamos na nossa genética a marca do colonizador explorador que veio de Portugal com a finalidade específica de arrancar daqui o que pudesse para depois retornar ao velho mundo? Ou será que existe algum elemento maquiavélico que é injetado diariamente na veia do povo brasileiro para mantê-lo em alto grau de resignação a tudo de mal que lhe acontece?

Há pouco tempo testemunhamos a histórica queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, que agora está sendo julgado pelos seus desmandos no poder. Somos testemunhas também de várias outras rebeliões mundo afora de gente que reage violentamente às agressões e desmandos dos seus governos, saindo às ruas para protestar com todas as forças de que dispõem. Por esse motivo, os governantes de muitos países são extremamente cautelosos com a coisa pública, visto que seus cidadãos não toleram incompetência e corrupção. No Brasil, o descaramento, desmandos, corrupção, são pragas de extensa vascularização no tecido social. Parece que todo gesto, toda assinatura, toda palavra provinda do ente público carrega algum tipo de contaminação. Sendo assim, por gerações e gerações essas deformidades vêm sendo catalisadas pela química social até ganhar ares de normalidade.

A bandalheira política se transformou numa riquíssima fonte de piadas jocosas que divertem os incautos e enriquecem humoristas e corruptos, deixando o espectador espoliado e risonho. Na realidade, o humor político tão alastrado e prolífico é um dos mais poderosos anestésicos que o cidadão pode experimentar, visto que seus efeitos entorpecentes impedem a percepção das chibatadas que constantemente lhe arrancam o couro. Poder-se-ia dizer que os humoristas até deveriam ser remunerados pelos políticos em vista do imensurável serviço que prestam a esse pessoal; considerando que enquanto o povo se diverte a bandalheira corre livre, leve e solta. O mais impressionante é que todas as artimanhas ignóbeis possuem um jargão humorístico. Assim, para cada situação embaraçosa que por vacilo o político desonesto se envolver, ele terá ao seu dispor um leque de opção de argumentos cínicos para se “defender”, como se houvesse uma espécie de manual do descarado inescrupuloso. O humorista procura transportar o arsenal de bandalheiras para suas charges e espetáculos teatrais. Dessa forma, o cidadão acaba inconscientemente achando tudo naturalmente engraçado. E como diz o velho ditado, “brincando, brincando o gato comeu o rato”.

A bandalheira política deveria ser sempre motivo de indignação e não de piada. Interessante, é que não se vê humorista fazendo piada com ações de estupradores e estripadores. Talvez, pelo horror que isso causaria ao público. A corrupção e os desmandos políticos são de uma perversidade visceral. Por esse motivo deveriam provocar vômitos e não risadas.





terça-feira, 2 de agosto de 2011

INSENSATEZ DESNUDADA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 02/08/2011
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Aventurar-se nos labirintos da alma de uma nação com o propósito de dissecar hábitos e costumes é uma tarefa arriscada e extenuante. Exige um hercúleo estado de lucidez e desprendimento para obter visualização panorâmica do objeto de estudo. E o autor deve se policiar a fim de que os próprios valores não comprometam a coesão da obra. A Rede Globo de Televisão possui uma longa lista de novelas acentuadamente temperadas com questões morais, onde temas relacionados à cidadania, preconceito, comportamento etc., são gradualmente desfiados com o objetivo de facilitar a digestão do telespectador.

Exibida no final dos anos 80, a novela Vale Tudo mostrou a cara do Brasil, suas idiossincrasias, seus dilemas morais, sua imatura cidadania. Na época, as feridas do desregramento ético da nossa sociedade foram expostas sem o menor pudor. A empáfia da empresária Odete Roitman ilustrava muito bem o universo da elite burguesa que ainda carregava o ranço aristocrático do século XIX. A atriz Glória Pires interpretou brilhantemente a maquiavélica Maria de Fátima, que passava por cima de todo mundo para levar vantagem em tudo que fizesse – era a personificação da “Lei de Gerson”. Lamentavelmente, a mensagem deixada com a “banana” que o inescrupuloso Marco Aurélio deu ao fugir do país foi de que o Brasil simplesmente não tinha jeito.

A novela Insensato Coração faz uma conexão e um comparativo de dois momentos históricos com sua irmã gêmea Vale tudo. A diferença é que dessa vez há espaço para reforço de valores éticos e morais. O clamor da faxineira Haidê para colocar sua prole nos trilhos da honestidade já não soa como um discurso quixotesco, ao contrário do correto Ivan Meireles, de Vale Tudo, que na época era tido como um ingênuo deslocado da realidade. A intenção dos autores de Vale Tudo era justamente questionar se valia a pena ser honesto no Brasil dos anos 80. A mensagem de agora é que a coisa não está tão esculhambada como antes, visto que o cidadão brasileiro começou a ver gente poderosa ir para a cadeia, mesmo que seja libertada no dia seguinte. Essa mensagem é muito bem ilustrada na cena da atual novela em que o banqueiro Cortez repete o antológico gesto da “banana”, só que com resultado bem diferente: o figurão foi preso e condenado – algo impensável há vinte anos.

De lá para cá uma coisa não mudou um milímetro. A absoluta certeza da impunidade continua solidamente incrustada na consciência de corruptos e facínoras das mais variadas cepas. O banqueiro Cortez é absolutamente convencido de que pode fazer tudo com todos, seja através de medidas convencionais ou criminosas. Por mais chocante que sejam as atitudes desse bandido do colarinho branco, os personagens da vida real são muito piores. Prova disso é a sucessão de escândalos que abarrota os noticiários dia após dia.

Outros personagens de Insensato Coração podem ser classificados como arquétipos na medida em que retratam comportamentos sufocados pela hipocrisia do falso moralismo; mostram o que há debaixo da casca polida normalmente apresentada nas relações sociais: A mãe protetora e carinhosa rouba as jóias da prima; a diretora moralista da Liga das Famílias Cariocas tem um caso extraconjugal; a mocinha ingênua e injustiçada se revela uma exímia mentirosa; a perua ambiciosa pouco se importa com o dinheiro sujo do marido canalha. Será que tudo isso só acontece na televisão ou a novela desnuda as imposturas acobertadas pelo fino traquejo social?

domingo, 24 de julho de 2011

INÉRCIA DOS RESIGNADOS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 26/07/2011
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O historiador britânico John Dalberg-Acton imortalizou a frase “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Também disse que a autoridade política estraga as relações interpessoais. De modo geral, as massas são dominadas pelo ideário de que o detentor do poder é naturalmente distinto dos demais, sendo merecedor de todas as reverências, privilégios e imunidades. E apesar de vivermos sob a égide do Estado de Direito, a cristalização de tal ideário dificulta a compreensão de que os detentores do poder são acima de tudo servidores públicos. Outro grave equívoco é considerar poder e corrupção indissociável um do outro, concepção que muitos políticos procuram subliminarmente ou escancaradamente transmitir aos cidadãos. Ou seja, “é impossível governar sem roubar”.

Menos grave, mas igualmente perversa é a lesão do patrimônio público ocasionada por desastrosas decisões gerenciais. Entram na lista gastos exorbitantes com obras inacabadas, inchaço da folha de pagamento via multiplicação de órgãos entupidos de funcionários, aumentos abusivos da remuneração do alto escalão, criação de uma infinidade de onerosos benefícios para figurões do poder, contratação de prestadores de serviços desnecessários, agigantamento da máquina administrativa etc. Qualquer pessoa dotada de bom senso sabe que essas práticas destruiriam uma empresa privada em poucos dias. Todos nós sabemos também que assim como ocorre na empresa privada, o órgão público gerencia recursos, que nada mais é do que executar fielmente um planejamento orçamentário bem elaborado.

A pesquisa da ONG Transparência Brasil aponta dados estarrecedores de gastos em todas as esferas do governo. Demonstra, por exemplo, que o orçamento do congresso brasileiro equivale a 83% do orçamento do congresso norte-americano, sendo que o PIB deles é cinco vezes maior. Na Espanha, um país de primeiro mundo, o custo é doze vezes menor que o brasileiro. Esse estado de coisas repercute em tudo quanto é órgão público brasileiro e é o retrato sem retoques do descalabro da nossa gestão pública, onde orçamentos gigantescos são colocados nas mãos de incompetentes e inescrupulosos de toda laia.

Do lado de cá o cidadão assiste resignadamente a esse festival de despautérios. Não deveria ser assim. Felizmente, a internet e as outras mídias têm contribuído para o aclaramento de muitas consciências. Blogs pipocam por todo lado denunciando, questionando e propondo novas formas de pensar. A novela Insensato Coração, da Rede Globo, tem remexido profundamente em algumas distorções éticas enraizadas na alma brasileira, onde fica evidente a extrema dificuldade de mudar um pau que nasceu torto. O grande desafio é construir o paradigma de que a mudança deve acontecer primeiramente em cada cidadão para daí ocorrer uma mudança na sociedade. Isso, porque muitos que reclamam da corrupção são os mesmos que dão propina para o guarda de trânsito. Por esse motivo o corrupto conta com a anuência daqueles que fariam o mesmo se tivessem a mesma oportunidade. E assim a corrupção e os desmandos seguem firme no nosso país.

É necessário que alguma coisa consistente aconteça, nem que seja na novela. O Brasil precisa de pessoas corajosas, como o juiz italiano Francesco Borrelli, que comandou nos anos 90 a “operação mãos limpas”. Nesses dias, a presidenta Dilma foi publicamente ameaçada por alguns políticos da base aliada em razão da faxina no Ministério dos Transportes. Será que nunca iremos reagir às bofetadas que recebemos diariamente?
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terça-feira, 12 de julho de 2011

O EXERCÍCIO DA TOLERÂNCIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM 12/07/2011
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A formação do tecido social se desenvolve a partir das células familiares, cujas características individuais são determinantes para definição do grau de civilidade de um povo. Essa dita civilidade é caracterizada pelas relações interpessoais, as quais só se sustentam quando são estabelecidos níveis razoáveis de respeito mútuo. Num estágio elevado de padrões de convivência são adotados comportamentos mais sofisticados, como cordialidade e empatia. Benevolência, clemência e compaixão são sinônimos de humanidade; valores imprescindíveis no nosso mundo tão consumido pelo hedonismo e pelo egoísmo, onde há muito tempo a ambição desmedida alcançou o posto mais alto das qualidades exigidas de um cidadão respeitável. Para legitimar tal despudor é utilizada uma grossa camada de verniz que atende pelo nome de ética profissional.

Teóricos dos mais diversos quadrantes estão permanentemente formulando complexas teorias para tornar digeríveis alguns comportamentos ardilosos. Surgem assim os derivativos éticos que se adaptam ao gosto do freguês, subproduto do cinismo social. Criam-se, dessa forma, trilhas sinuosas em meio ao pântano apodrecido das ignomínias e do mau-caratismo. Como exemplo ostensivo dessa prática, vez por outra somos surpreendidos por decisões judiciais absurdas que escandalizam e chocam a sociedade, mas que são tomadas em estrita obediência às leis. Ou então são jogados na nossa cara fatos terríveis de improbidade na administração pública, que vai em cima, vai em baixo, vai prum lado, vai pro outro, e no final tudo acaba em pizza. O cidadão de caráter pendular acaba facilmente sendo arrebatado pelo mau exemplo.

Com fica então o papel dos formadores dos novos cidadãos, os quais irão substituir nossos contemporâneos atores sociais? O que dizer para os filhos, o que ensinar aos alunos? Vamos afirmar uma coisa e fazer outra ou vamos escancarar de vez o falso moralismo e forjar um contingente de arrivistas sociais? Essas questões devem forçar a nossa abstração para refletirmos sobre os nossos valores, algo extremamente importante quando nos deparamos com incômodos dilemas. De certo, a boa e velha educação, aquela que nossos avós preceituavam, continua sendo o melhor remédio para tornar um cidadão digno e respeitável. Sendo assim, não devemos abdicar nem por um momento das regras básicas de convivência e respeito ao próximo como se fossem cláusulas pétreas. Sem isso, veremos a intolerância resultar em violência e esgarçamento do tecido social.

A semana que passou foi marcada pela reação vigorosa do cidadão manauara ao comportamento de um homem que expôs a face sombria do seu caráter ao publicar no periódico goianiense Diário da Manhã um texto que desfia um rol de grosseiras e gratuitas ofensas às pessoas da nossa região. A metralhadora giratória do senhor Eugenio Santana atacou o nosso rio, nossas ruas, nossa culinária, nosso clima, nossos hábitos, nossos urubus, nossas prostitutas, nossos cães etc. Uma investida de tamanha ferocidade nos faz perguntar o seguinte: Que tipo de formação teve esse homem para agir dessa maneira? Que tipo de família o criou? Que tipo de lições recebeu dos pais? Que tipo de legado moral deixará para os filhos? Tal comportamento agressivo é uma erva daninha que envenena as relações humanas e compromete o esforço de tantos que dedicam sua vida à construção de um mundo melhor.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

PAROXISMO DA BUROCRACIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM 05/07/2011
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Por volta do século I a.C. o historiador romano Públio Tácito sentenciou que quanto mais corrupto um Estado maior o número de leis. Entenda-se também, maior o grau de burocracia. O sociólogo alemão Max Weber conferiu um significado solene ao termo burocracia, relacionando-a a uma estrutura organizacional pautada por regras claras, bem desenhadas e impessoais. Mas foram os franceses que conferiram o significado pejorativo a que estamos acostumados. O tecido usado para cobrir as escrivaninhas era chamado de “bure”, de onde derivou a palavra “bureau”, que acabou servindo para designar todo o escritório. Burocracia é resultado da junção de “bureau” com a palavra grega “krátos” (poder), significando assim o poder dos funcionários do escritório. Nada mais apropriado para traduzir a realidade das repartições públicas, visto que sadismo parece ser o traço mais marcante da personalidade de alguns funcionários públicos. Basta observar o prazer estampado no semblante desse pessoal quando indefere uma solicitação, consequência dos efeitos inebriantes do poder do escritório correndo nas veias.

Se num lado da moeda acontece o esbaldamento e a esparramação da burocracia desenfreada, no outro lado os efeitos colaterais desses excessos desabam sem dó na cabeça do contribuinte, que lá debaixo dos escombros se debate com uma infinidade de certidões, autenticações, formulários, carimbos, assinaturas, petições, solicitações, filas, senhas, agendamentos, requerimentos etc.etc. Alguns órgãos conseguiram progressos substantivos no combate ao exagero burocrático, como Receita Federal e Junta Comercial. E algumas atitudes louváveis merecem atenção, como por exemplo, a decisão de José Serra, quando governador de São Paulo, de por fim às exigências de firma reconhecida e cópias autenticadas nas transações realizadas com a administração pública estadual. Aliás, por que isso não acontece aqui também? Que tão forte relação simbiótica existe entre cartórios e órgãos públicos que não pode ser quebrada? Por que ninguém se atreve a mexer nisso? Outra atitude digna de louvor é o Projeto de Lei 026/2010, do Vereador Ademar Bandeira, que proíbe a mudança de nomes de ruas, praças e logradouros de Manaus.

O projeto do Vereador Bandeira trata de um dos mais inquietantes problemas que a prefeitura pode impingir aos munícipes. O cidadão que se dirige ao órgão municipal para solicitar licenciamento de uma atividade econômica se depara com uma imensa lista de itens, dentre ele a Certidão de Informações Técnicas para uso do solo. É preciso procurar outro departamento para obtenção da CIT, onde outra grande lista de itens é exigida, que envolve várias cópias, originais, autenticações, cartórios, mapa com informações extremamente detalhadas da região do entorno do empreendimento etc. Mas o melhor vem depois. Para se tirar a CIT é preciso antes tirar a Certidão de Endereço, que é a certidão da certidão. Isso, porque a Prefeitura mudou poucos anos atrás o nome de várias ruas da cidade, mas não atualizou o cadastro do IPTU. Assim, no IPTU consta o endereço antigo e no CNPJ o endereço novo. Por isso é preciso ir num outro endereço da Prefeitura para solicitar a tal Certidão de Endereço. Novamente, a lista é grande: sete itens e cinco observações, tão ou mais complexos que os documentos exigidos para tirar a CIT. A última observação diz o seguinte: “O interessado deverá retornar ao IMPLURB no prazo de 30 (trinta) dias para verificar situação do processo” (sic).

Essa Certidão de Endereço é o mais fiel e representativo exemplo do ponto que pode chegar a burocracia extremada. A Prefeitura muda o nome das ruas e obriga o cidadão a entrar numa espiral de penalidades burocráticas para atualização de dados na própria Prefeitura. Parece que existem pessoas que procuram sempre a pior, mais onerosa, mais estressante e mais intelijumêntica forma de fazer as coisas. A imaginação desses senhores da gestão pública é algo fantástico. Até lembra a história do casal que faz filho em pé. Na rede. Balançando.

terça-feira, 28 de junho de 2011

WEB SEMÂNTICA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 28/06/2011
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Galileu afirmou que o universo está escrito em linguagem matemática. Esse postulado impulsionou o avanço científico e estabeleceu as bases da ciência moderna. O assombroso desenvolvimento da tecnologia da informação parece confirmar esse brilhante “insight” lá do século 17. Decifrar as leis que constituem a essência de todas as coisas é uma missão que os cientistas perseguem há séculos e que agora conseguem vislumbrar um horizonte pleno de possibilidades. Quando Herman Hollerith criou em 1880 um sistema de processamento de dados baseado em cartões perfurados, certamente não imaginou que o código binário decimal pudesse se tornar o instrumento que levaria a criação da inteligência artificial. Apesar de muitos acreditarem que nunca haverá um computador semelhante ao HAL, do filme 2001, as novas tecnologias de processamento da linguagem natural (ou NPL, na sigla em inglês) já desenham o agente inteligente capaz de compreender e interpretar as necessidades de informação de um usuário da internet.

Timothy Berners-Lee, criador da internet que conhecemos (HTTP, HTML e WWW), declarou em 1999 que a web ideal era aquela onde os computadores seriam capazes de analisar o conteúdo e entender as transações entre as pessoas e as máquinas. Chamou isso de web semântica e estimou que seu sonho seria concretizado em 2020. Acontece que as evidências dessa terceira geração da web já se fazem presentes. O inovador buscador de respostas Wolfram Alpha inaugurou a categoria dos “mecanismos de conhecimento”. Ele não é uma simples ferramenta que retorna documentos em resposta a pesquisas de palavras-chave, como faz o Google. Também não é uma gigantesca enciclopédia, como a Wikipedia. Em vez disso, ele “entende” a pergunta para em seguida formular respostas exatas (HSM 86 Dossiê Web).

O projeto Wolfram Alpha é ousado na medida em que pretende sistematizar todo o conhecimento humano. O processo é decorrente de volumosos trabalhos de equipes altamente especializadas, tais como linguistas e lexicógrafos munidos de dicionários que fazem correlações entre palavras e enquadramentos conceituais para dar sentido a termos e expressões mais usadas na internet. Resumindo, tudo se relaciona com tudo. A tendência é que futuramente tudo esteja indexado, inclusive os dados relacionados a cada pessoa humana. Algo esquisito para nossos atuais padrões de privacidade e individualidade. Interessante é que esse etiquetamento e relacionamento de dados, elevado a uma fenomenal escala de processamento, pode criar novas verdades e revelar a consciência de uma entidade que ainda não temos idéia do que virá a ser. É algo que está além do atual conceito de inteligência artificial.

Para as empresas, isso será a glória, principalmente para aquelas de uso intensivo do conhecimento, como a indústria farmacêutica e de informática. As multinacionais e suas unidades espalhadas mundo afora poderão gerir o conhecimento disperso com altos níveis de eficiência e assim se fortalecerem nos seus respectivos mercados. Corporações como a Oracle, IBM e Microsoft já estão integrando a tecnologia semântica aos seus projetos de softwares corporativos. Ecossistemas tecnológicos corporativos estão sendo desenhados e a SAP lidera um projeto denominado business intelligence semântico.

A aproximação dessa entidade pensante global nos faz refletir sobre as palavras de Charles Chaplin, que disse o seguinte: ”Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A TECNOLOGIA XBRL

Reginaldo de Oliveira

Publicado na Revista Editor Fiscal edição julho/2011


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As movimentações vertiginosas ocorridas nos últimos anos no ambiente contábil têm deixado alguns contabilistas atordoados por conta da crescente complexidade das obrigações governamentais. Depois de passar uma vida inteira de trabalho roendo o osso dos assuntos técnicos e legais para se estabelecer profissionalmente, o contador se deparou há poucos anos com desafios ainda mais espinhosos. O projeto SPED e o processo de convergência às normas internacionais de contabilidade expandiram conceitos e ampliaram a consciência dos fenômenos empresariais. Nem todos que deveriam estão conseguindo construir as competências necessárias para passar por essa metamorfose profissional.

Parece que a Contabilidade está se desgrudando do terreno da burocracia estéril e avançando para o campo da utilidade da informação. O esforço monumental de várias entidades ao redor do mundo para definir padrões universais de relatórios financeiros confirma essa tendência. A padronização de procedimentos e de formatações já demonstrou sua eficácia. Basta lembrar do pleno funcionamento da nota fiscal eletrônica, a qual está dinamizando as relações empresariais e fortalecendo o agente fazendário. Um elemento novo já nasceu, se desenvolveu, alcançou a maturidade e não vai demorar muito tempo para estar entre nós. Trata-se da tecnologia XBRL (eXtensible Business Reporting Language), que será utilizada compulsoriamente agora em 2011 por cerca de 8.700 empresas norte-americanas para entregar seus relatórios contábeis à SEC (Securities and Exchange Commission), entidade equivalente a nossa CVM.

O XBRL é um derivado da linguagem XML, muito utilizada atualmente devido a sua relativa simplicidade e plasticidade, características que permitiram a abrupta expansão da internet. O projeto XBRL teve início em 1998, por conta das pesquisas do Contador norte-americano Charles Hoffman que percebeu o potencial da linguagem XML para a divulgação de informações financeiras em formato eletrônico. No ano seguinte a idéia foi abraçada por instituições privadas de grosso calibre e por uma das entidades que regulam a profissão contábil nos Estados Unidos. No ano 2000 foi anunciada a conclusão da taxonomia para companhias industriais e comerciais americanas e também a internacionalização do consórcio criado para difundir o XBRL internacionalmente. A partir de então essa nova tecnologia se espalhou por meio mundo.

A taxonomia do XBRL é uma espécie de dicionário que fornece definições-padrão dos termos técnicos utilizados na preparação dos relatórios financeiros; também, são definidos os relacionamentos e hierarquias desses elementos segundo os princípios de contabilidade geralmente aceitos. Por isso, a linguagem é extensível de modo a satisfazer as necessidades de jurisdições contábeis diversas e, apesar da sua flexibilidade, seu código é bastante seguro. Outra característica marcante é comparabilidade entre diferentes relatórios financeiros. Há mais de três anos a SEC disponibilizou na internet o aplicativo “Financial Explorer” que permite aos investidores fazer de forma rápida e fácil a análise comparativa do desempenho de diversas companhias. O processo de padronização contábil mundial conduzido pelo IASB é de fundamental importância para que toda essa dinamicidade seja difundida nos quatro cantos do planeta.

O Laboratório de Tecnologia e Sistemas de Informações (TECSI) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP é pioneiro no desenvolvimento da jurisdição brasileira do XBRL. O Conselho Federal de Contabilidade e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis uniram esforços para implantar o XBRL no Brasil. A Portaria CFC n° 38/10 criou uma comissão destinada a criar a jurisdição do XBRL no nosso país, e credenciou o Conselho Federal de Contabilidade como representante brasileiro junto ao XBRL internacional. A experiência de vários países que utilizaram o XBRL como linguagem das suas centrais de balanços serviu de base para um dos módulos mais ousados do projeto SPED, que ainda não entrou em operação.




terça-feira, 21 de junho de 2011

IDIOSSINCRASIA EMPRESARIAL

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM 21/06/2011
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Adentrar um ambiente corporativo é se deparar com uma entidade constituída de personalidade única. Algumas podem até lembrar outras, mas cada uma é cada uma. Da mesma forma que a criança é influenciada por uma série de circunstâncias e comportamentos dos seus tutores, a empresa também vai sendo moldada pelos valores daqueles que integram seu quadro funcional. De modo geral, esse processo de amadurecimento ocorre espontaneamente e sem controle. Quando o comandante da entidade se preocupa somente com questões de sobrevivência e crescimento patrimonial, acaba abrindo espaço aos subalternos para contribuírem mais acentuadamente na construção da imagem da organização. Isso não é de forma nenhuma um comportamento saudável, visto que se muita gente mexer na mesma panela, a tendência é entornar o caldo.

Existem casos curiosos de empreendimentos que devido a circunstâncias favoráveis se expandem em curto espaço de tempo. Quando isso acontece, o próprio crescimento suscita a necessidade de modernização do negócio. Normalmente, o que se segue é uma sequência de decisões que resultam num conjunto de paradoxos administrativos e estruturais. Por exemplo, quem passa na frente do prédio recém-inaugurado se impressiona com a fachada em aço e vidro temperado, mas quando contorna o quarteirão para ter acesso às dependências da empresa pela antiga portaria, se depara com instalações carcomidas e insalubres. Funcionários apáticos se atrapalham e irritam os clientes. Caros equipamentos contrastam com os uniformes puídos dos atendentes. A boa vontade de alguns é combinada com claras evidências da inexistência de formalização de procedimentos. Poucos sabem transferir corretamente as ligações telefônicas etc.etc.

O diferenciador que fica entre o encanto e a decepção está no detalhe. A indústria se utiliza do estudo de tempos e movimentos para aperfeiçoar seu processo produtivo, que nada mais é do que fazer uma série de simulações na linha de produção com objetivo de agilizar as tarefas dos operários. Diferença de segundos resulta num substantivo ganho financeiro. Interessante, é que as demais atividades econômicas não costumam atentar para essa questão do “detalhe”. Alguns exemplos: o atendente puxa bruscamente o documento da mão do cliente e demonstra total desinteresse quando faz o atendimento; o garçom de uniforme sujo não cumprimenta o cliente; a recepcionista com chiclete na boca faz comentários inadequados da sua vida pessoal para pessoas que aguardam atendimento; o porteiro trata o cliente por “meu querido”; comportamentos hostis inviabilizam ações colaborativas e por aí vai.

Essas questões nos remetem ao conceito do método indutivo, quando uma série de particularidades contribui para a formação do conjunto. Ou seja, a combinação de vários pequenos deslizes resulta numa mancha que deforma e enfeia belos projetos profissionalizantes concebidos pela alta direção. Assim, é preciso mergulhar um pouco mais fundo na análise dos fatores relativos ao mau desempenho. Da mesma forma que um técnico fica de cronômetro na mão medindo cada movimento do operário na linha de produção, seria interessante também observar nuances comportamentais de uma recepcionista, de um vendedor, de um garçom etc.

A gestão deve influenciar a cultura organizacional e não se tornar refém dela. Daí a importância dos programas de qualidade que ajudam as empresas a se encontrar consigo mesmas, descobrir seus valores e objetivos, e assim projetar para a sociedade uma imagem positiva e confiante.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

CONDUTA PROFISSIONAL

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM 15/06/2011
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A observância dos valores respeitados pela sociedade é um traço distintivo do bom profissional. A faculdade inata que cada um possui de distinguir o certo do errado é fundamental para a aceitação do indivíduo pelos grupos sociais. O desenvolvimento de capacidades perceptivas mais aguçadas que permitam a distinção de adequado e inadequado, conveniente e inconveniente, oportuno e inoportuno etc., amplia as possibilidades de influência nas atitudes das demais pessoas e cria oportunidades de ascensão profissional. Os holofotes estão permanentemente voltados para a nossa conduta profissional, o que nos faz lembrar de manter um cuidado zeloso da imagem que projetamos àqueles com quem interagimos cotidianamente.

A característica quase que onisciente da sociedade pressiona o indivíduo de forma implacável e o obriga a pautar suas atitudes segundo a cartilha determinada pelos costumes vigentes. Violar regras cristalizadas por longos períodos de adequações morais é arriscar-se ao ostracismo social. Por isso, qualquer ato de ousadia deve ser muito bem calculado. O dramaturgo irlandês Bernard Shaw disse que o progresso depende dos insensatos, visto que o homem sensato não viola regra nenhuma e assim nada cria. Essa infeliz verdade é um grande desafio para quem se dispõe a romper a bolha da mediocridade e, consequentemente vir a ser soterrado por uma avalanche de críticas. Somente os muito fortes costumam sobreviver. Outros tantos naufragam por se atreverem a dizer verdades inconvenientes. Por esse motivo é que enormes quantias de dinheiro são despendidas com serviços de consultorias que são contratadas para dizer aquilo que os empregados não têm coragem de falar.

O ambiente corporativo é um caldeirão de regras, comportamentos e sentimentos de tudo quanto é tipo que borbulham o tempo todo sob enorme pressão. Quanto maior a estrutura, maior a complexidade e mais difícil a manutenção do clima organizacional em níveis adequados de harmonia e estabilidade. Por isso, as empresas devem monitorar tais fenômenos comportamentais e desenvolver estratégias positivas de ação. A formalização de um código interno de ética e conduta profissional é a solução encontrada por muitas entidades para uniformizar um conjunto de valores e práticas consideradas adequadas para o bem-estar de todos, proteção dos ativos tangíveis e intangíveis e garantia de perenidade.

Curiosamente, o cidadão de boa fé e de bom senso é capaz de obedecer a volumosos códigos de conduta sem nunca os ter lido. Mesmo assim tais códigos são válidos e extremamente importantes quando se apresentam como balizadores de dilemas éticos aparentemente triviais como, por exemplo, favores ou presentes envolvendo agentes externos. Na ausência de formalização de regras de conduta, o profissional deve ficar atento às armadilhas embutidas nas boas intenções de quem quer que seja. O desconfiômetro deve está sempre sintonizado até mesmo com as sutilezas de gestos amistosos ou sorrisos espontâneos.

Esse estado de coisas não obriga necessariamente a adoção da paranóia como um traço expressivo da personalidade. Cordialidade, respeito ao próximo e compromisso com a qualidade profissional são atributos mais do que suficientes, não havendo necessidade de envolvimento e intimidade com colegas de trabalho. Dessa forma, é possível manter níveis adequados de conforto moral necessários ao bom desempenho das atividades e responsabilidades de cada um.

terça-feira, 7 de junho de 2011

ERROS, FRAUDES E AUDITORIA

Reginaldo de Oliveira
@ucara
Publicado no Jornal do Commercio AM 07/06/2011
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Não é difícil encontrar administradores consumidos por preocupações relacionadas ao controle interno das suas operações. As áreas sensíveis como os setores de compras, financeiro, RH e TI são mais propensas a incorrer em diversos tipos de irregularidades, seja por dolo ou culpa. Erros decorrentes de negligência ou despreparo são menos danosos para o clima organizacional. A fraude, por conseguinte, possui uma carga de alto potencial destrutivo, visto que a extensão dos estragos vai além da usurpação de bens patrimoniais. E seu efeito negativo leva tempo, muito tempo para se dissipar.

Os erros acontecem de forma involuntária, seja por desatenção, inobservância de procedimentos internos ou falta de conhecimento técnico adequado para execução de tarefas etc. O empregado pode também ser induzido ao erro quando é mal orientado por seus superiores ou quando a estrutura organizacional é capenga e os processos internos não são mapeados. Quando diretores e gerentes tropeçam nas próprias pernas ou se aventuram em péssimos negócios não é de se estranhar que o restante da hierarquia faça o mesmo. O ranço da incompetência costuma escorrer de cima para baixo contaminando o que encontra pelo caminho. Portanto, se os sinais de incompetência são visíveis em tudo quanto é área da empresa, é provável que a coisa lá em cima seja muito feia.

A fraude é revestida de um caráter perverso. Quando alguém faz esse tipo de coisa numa organização acaba prejudicando todo mundo. Prejudica diretamente o proprietário do patrimônio lesado e marca negativamente os demais. Há casos traumáticos que mudam a empresa para sempre: patrões justos se tornam carrascos paranóicos e funcionários amistosos passam a desconfiar da própria sombra. A fraude se manifesta de formas diversas, seja pela falsificação de documentos ou registro de transações fictícias, dentre outras. A NBC T-12, aprovada pelo Conselho Federal de Contabilidade, contém a seguinte definição: “O termo ‘fraude’ aplica-se a atos voluntários de omissão e manipulação de transações e operações, adulteração de documentos, registros, relatórios e demonstrações contábeis, tanto em termos físicos quanto monetários”.

A existência de um ambiente organizacional complexo justifica a implementação de políticas que visem à proteção do patrimônio. A auditoria (interna e independente) se apresenta como um necessário e oportuno instrumento de prevenção de riscos patrimoniais. Dependendo da complexidade e do volume de operações de uma organização, a auditoria interna se torna imprescindível para identificar fraudes no seu nascedouro. É obvio que procedimentos de auditoria interna só serão eficazes num ambiente regido por normas e procedimentos bem estruturados. Caso contrário, o trabalho do auditor produzirá mais atrito do que resultados práticos.

É bom lembrar que existem pessoas excepcionalmente habilidosas na utilização de premissas verdadeiras que resultam em conclusões sofismáticas. Esse pessoal conhece os entremeios da burocracia operacional e sabe exatamente onde estão os pontos frágeis. Também, costuma se opor a qualquer idéia relacionada ao assunto auditoria. Por esses e outros motivos é que o auditor deve reunir qualidades incomuns e ter faro bem apurado.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

ADMINISTRAÇÃO DO CONSENSO

Reginaldo de Oliveira
@ucara
Publicado no Jornal do Commercio AM 31/05/2011
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Fato corriqueiro é a prática de reuniões para tratar de assuntos relevantes, como por exemplo, a busca de solução de impasses quando todas as alternativas se mostram ruins. Há empresas que são viciadas em exaustivas e improdutivas reuniões, as quais são muitas vezes comandadas pelo chefe maior. De modo geral, os trabalhos são iniciados pela abordagem dos itens da pauta, donde ponto a ponto os assuntos vão sendo discutidos e analisados por diversos pontos de vista. Dessa forma espera-se que a matéria seja estratificada ao ponto de permitir a eliminação das possibilidades de uma decisão errada. Ledo engano. Infelizmente, a lógica racional é um ente arisco e volátil que só existe no terreno conceitual. A verdade é que somos criaturas impulsivas, parciais e egoístas. Ou seja, a nossa lógica é envolvida por outros sentimentos numa espécie de fagocitose. Daí, o risco da “análise dos diversos pontos de vista” não ser feita com sinceridade.

De modo subliminar, o que acontece nas reuniões é a imposição ao grupo de uma decisão já tomada. Os partícipes são induzidos de forma sutil ou não a adquirir um comportamento de manada. Isso pode ser perigoso para a organização quando, meio que a contragosto, as pessoas embarcam numa canoa furada. Agem-se assim porque o chefe faz uma propaganda maravilhosa da tal canoa. Por esse motivo ninguém se arrisca a contrariar o comandante. Pensam antes de tudo na manutenção dos seus empregos, mesmo que todos venham a afundar. Quantas e quantas pessoas ficam caladas em reuniões ao ouvirem verdadeiros descalabros! Afinal, ninguém em sã consciência vai colocar o pescoço na guilhotina nem se tornar alvo da arrogância daqueles que se acham donos da verdade.

Um evento de grande repercussão que ilustra muito bem a dificuldade de fazer valer a racionalidade é contado pelo Professor nova-iorquino Dan Ariely (HSM 86). “Quando o presidente Bush decidiu invadir o Iraque, reuniu seu gabinete, expôs o que pensava e perguntou a opinião de cada integrante. Ponha-se no lugar da terceira pessoa da roda: seu chefe acaba de dizer que quer invadir o Iraque e dois membros do gabinete disseram que estão de acordo. Não é provável que você se manifeste contrariamente”. Pode-se assim deduzir que administrar o consenso é mais difícil do que administrar o conflito; requer habilidades superiores e percepção aguçada para extrair a opinião sincera das pessoas.

Se for conduzida de modo saudável, os resultados de uma reunião podem ser extremamente benéficos para a organização. Ressalte-se que é importante manter uma postura autêntica não somente em reuniões, mas em todas as interações que ocorrem no ambiente de trabalho. Dessa forma, o potencial criativo e colaborativo das pessoas dá lugar às práticas demagógicas institucionalizadas, que só servem para aprisionar a organização nos porões da mediocridade.

Obviamente que não é nada simples fazer essa transição. Antes de tudo, é preciso coragem e desprendimento da alta gerência. O caminho pode está no desenvolvimento e implantação de uma política sustentada num código de ética e de conduta profissional que conquiste a confiança de todo mundo. É preciso convencer as pessoas de que elas não perderão o emprego se derem sua contribuição para a melhoria dos processos.