sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

INTELIGÊNCIA PELA METADE

Reginaldo de Oliveira

O Brasil é sem sombra de dúvida o país dos contrastes. Somos ao mesmo tempo uma nação do primeiro e do terceiro mundo em vários quesitos. Por exemplo, quando o assunto é pujança econômica estamos lá em cima no “ranking”. Já o nosso índice de desenvolvimento humano está entre os piores do planeta, o que confirma tacitamente o fenômeno da concentração de renda num grupo social muitíssimo restrito. Outro exemplo perturbador tem a ver com a discrepante situação entre o altíssimo volume de dinheiro arrecadado pelo governo e os constantes anúncios de falta de recursos para investimento em serviços públicos essenciais. A máquina governamental vem ano a ano crescendo e se expandindo em escala monstruosa. Essa monstruosidade tem se caracterizado pelo apetite voraz que majoração nenhuma de imposto é capaz de saciar. Foi justamente essa fome desmedida que levou o nosso Fisco a criar a mais espetacular e maquiavélica máquina de confisco jamais imaginada na história dos tributos em todo o mundo. O SPED está se apropriando das nossas almas, grudando no nosso lombo feito carrapatos famintos e ao mesmo tempo se comportando como uma assombração que não dá um minuto de trégua. Os espíritas diriam que é um encosto.

Há quem diga que o Projeto SPED é um progresso que deveria encher o povo brasileiro de orgulho devido a sua robustez tecnológica e capacidade de promover (compulsoriamente) o processo de modernização administrativa dos contribuintes. Outro aspecto positivo seria o combate às práticas desleais de mercado, visto que todos estão sendo alcançados pelas garras do SPED e assim dificultando a sonegação de tributos. Inclusive, essa é a principal característica do SPED: o poder de amarrar todas as pontas e não deixar nada solto. A concepção desse projeto é de uma grandiosidade ambiciosa. Ele pretende levar para uma única base de processamento de dados todos os processos operacionais de todas as operações comerciais de todo o Brasil. É simplesmente uma coisa que desafia o senso de abstração da mente mais bem preparada.

Assim, podemos deduzir que se somos tão eficientes para criar uma estrutura monumental e desafiadora como o SPED, poderíamos também (se quiséssemos) encontrar soluções para o problema da ineficiência da gestão pública. Ou seja, da mesma forma que o eficientíssimo governo alargou o calibre da torneira, fazendo jorrar cachoeiras de dinheiro nos cofres públicos, ele bem que poderia diminuir o tamanho do ralo através da redução do desperdício e da corrupção. Como um lado do cérebro do governo tem funcionado brilhantemente, conclui-se que a inatividade do outro lado acontece por pura conveniência e desinteresse. O lado da usurpação do bolso do contribuinte pela via tecnológica está funcionando maravilhosamente bem para atender a todo um complexo, pesado e ultra ramificado escoadouro do dinheiro público. O governo demonstra um interesse gigantesco em arrecadar, mas nenhuma disposição em criar mecanismos de controle dos gastos públicos. Tecnologia e “know-how”, está provado que existe de sobra para o governo fazer o que quiser.

As tecnologias voltadas para os processos de controle interno das organizações vêm ano a ano amadurecendo e se disseminando rapidamente, até mesmo do lado de fora do clube das grandes empresas. Os meios eletrônicos tomaram de conta de tudo ao nosso redor. Vivemos a era dourada dos códigos de barras e das padronizações de procedimentos. Parece que cada movimento que o cidadão faz deixa um registro guardado em algum lugar. Essa revolução tecnológica foi oportunamente catalisada pelo governo. Prova disso, é o nosso magnífico sistema eleitoral que é capaz de publicar o resultado de uma eleição no mesmo dia da votação. Assim, não é difícil deduzir que por mais complexo que seja o sistema de gestão da máquina pública, existe sim, condições e tecnologia suficientes para controlar todos os fluxos de recursos e informações, de forma a permitir auditagens das mais variadas partes interessadas. O pleno funcionamento de uma gestão pública de qualidade seria capaz de tirar o país da lama e transformá-lo de fato num país desenvolvido.

Já que os governantes não querem moralizar a máquina pública, esse papel caberia ao cidadão através das entidades representativas da sociedade. O povo deveria pressionar o governo para que ele venha a utilizar a mesma tecnologia do SPED na administração dos seus recursos financeiros e no funcionamento dos seus órgãos. Os mecanismos de moralização da gestão pública não possuem um centésimo da agilidade e da eficiência do SPED. Tanto SIAF, como CGU e COAF funcionam precariamente e são mantidos num estado proposital de inanição de forma a permitir que a roubalheira e a corrupção continuem sustentando o cupinzeiro instalado em todas as repartições públicas brasileiras. O nosso Congresso também dá uma mãozinha nesse processo em não querer de jeito nenhum acabar como o voto secreto. Da forma semelhante, o Judiciário, por criar uma série de interpretações para debilitar a lei da ficha limpa.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

SUSTENTÁCULO DO CRESCIMENTO

Reginaldo de Oliveira

Desorganizar para crescer; organizar para não quebrar. Esse lema nos leva a deduzir que existe um ponto de ruptura no processo evolutivo das organizações. A questão central é detectar o ápice da curva, onde a coisa começa a degringolar. Não raro, nos deparamos com ambientes nesse estágio de transição onde é perceptível uma movimentação frenética em torno de planos, reuniões, projetos, discursos ufanistas etc. Parece que quanto mais nebuloso fica o futuro, mais esforço é despendido para criar a sensação de que o negócio é sólido e perene. O problema é que publicamente todos demonstram espírito de arrebatamento, mas intimamente a maioria duvida que algo vá dar certo. O desafio é saber o que fazer perante um dilema ou cômpito, onde diversos caminhos acenam com propostas bem parecidas para quem ainda não desenvolveu um discernimento aguçado. Esse é o momento da prova de fogo; é o momento da catarse, da travessia do abismo quando pode ser fatal a escolha de uma ponte quebradiça.

Entre diversas variáveis discutidas e ruminadas, eventualmente, uma é completamente ignorada. Trata-se do capital humano, que é o sustentáculo de qualquer projeto bem sucedido. Mesmo assim, muitos gestores levam anos para perceber o valor da qualificação dos seus funcionários. Pior ainda, planejam brigar com os grandes sem fazer nenhum tipo de ajuste nos seus processos operacionais. Felizmente, jovens empresários donos de empresas bagunçadas conseguem visualizar claramente a situação do seu empreendimento lá na frente – apostam num modelo viável, detalham minuciosamente suas intenções, implementam ações etapa por etapa, investem em tecnologia e se cercam de bons profissionais. Também, não se desviam do caminho traçado nem esmorecem.

Há uma loja de móveis e eletrodomésticos aqui na nossa cidade que é sinônimo de sucesso. Por isso, todos querem ser uma Bemol. Comentários correm soltos em tudo quanto é reunião de negócios acerca dos números, dos índices, da eficiência, do padrão Bemol. Interessante é que todo mundo quer a omelete, mas poucos estão dispostos a quebrar os ovos. Não é discutido nem debatido nessas ocasiões os caminhos espinhosos que a Bemol trilhou para chegar onde está. Não é discutido o altíssimo investimento em tecnologia da informação, nem sua política de recursos humanos, nem ainda suas crenças e valores. Só se pensa nos frutos doces hoje colhidos no dia a dia.

O que diferencia uma empresa da outra é sem dúvida o seu pessoal. Um amplo contingente de pessoas desqualificadas faz um estrago danado numa organização. Não por má vontade, mas por falta de orientação e preparo adequado ao desempenho de suas funções. Toda a empresa é uma máquina de geração de riqueza e os empregados são as engrenagens dessa estrutura produtiva. Se uma peça defeituosa compromete o bom funcionamento de todas as outras, imagine tudo com defeito. É pane geral. Por incrível que pareça, há quem além de não investir um centavo na qualificação dos seus empregados, ainda lança críticas severas àqueles que buscam qualificação por conta própria. Para esses administradores o que vale é o trabalho braçal feito de qualquer jeito, mesmo que seus clientes vivam reclamando do mau atendimento.

O que fazer então para evitar o declínio na rota ascendente da curva de crescimento? Como ir além e continuar prosperando? As respostas não são facilmente encontradas. Não à toa, somos cercados de casos de empresas que não suportaram o peso do próprio crescimento. Mas uma coisa é certa. Sem pessoas bem qualificadas não se chega a lugar algum.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

EVOLUÇÃO DO "COMPLIANCE"

Reginaldo de Oliveira

Os mais espertos da sala de aula podem vir a ser espertos demais no ambiente de trabalho. A supervalorização de manobras ousadas nas relações de negócio pode redundar em consequências desastrosas para a organização como um todo. A competitividade acirrada e a própria dinâmica do mercado acaba fomentando o surgimento de práticas que a princípio são recebidas com louvor, mas que tempos depois se revelam fraudulentas. Basta lembrar o caso Enron. Por isso, muita gente já percebeu que esperteza demais pode ser prejudicial para todo mundo e a consequência dessa percepção resultou na criação de entidades voltadas para o estudo e proposição de práticas sustentáveis de negócio, tendo como fundamentos a ética, responsabilidade social e construção de uma sociedade mais justa.

Vivemos num mundo incerto onde eventos e fenômenos surpreendentes desestabilizam o mais bem elaborado planejamento. São colapsos financeiros, ataques terroristas, catástrofes naturais, instabilidade política, convulsões sociais, desvios de conduta, fraudes etc. Aqui no Brasil ainda temos a famigerada insegurança jurídica, corrupção entranhada em todas as células sociais e uma estrutura tributária que se assemelha ao monstro Frankenstein. Lidar com variáveis tão diversas requer a adoção de políticas de gestão de risco e de blindagem patrimonial, com foco no fortalecimento dos controles internos. Por esses e outros motivos ganha força nas organizações a adoção das políticas de “compliance”, termo inglês que significa cumprir o que foi determinado. Tais procedimentos visam estabelecer uma cultura onde as pessoas pautem suas ações em conformidade com as normas estabelecidas. A empresa, por sua vez, também deve dar o exemplo através do cumprimento de regras fixadas por entidades regulatórias. É por demais importante que a via ética seja de mão dupla para que a mensagem vinda do topo não adquira coloração demagógica antes de chegar aos ouvidos da base operacional.

As políticas de “compliance” são parte importante do sistema de governança corporativa, cujo objetivo maior é zelar pela reputação e pelo valor da companhia, cujo alvo é o mercado; seus parceiros, consumidores e investidores. Há casos de entidades, por exemplo, que já estão utilizando o “compliance” como critério de desempate na escolha de empresas para investimento ou fechamento de acordos comerciais. Esse comportamento do mercado tem assim empurrado as empresas para o campo ético, onde condutas desleais, contrabando, sonegação, trabalho escravo, exploração infantil, não são mais tolerados. Claro e óbvio que a mudança deve acontecer de dentro para fora. Assim, o cerco vem se fechando em volta dos funcionários cuja esperteza foi longe demais. Para os interessados, há todo um conjunto de procedimentos prontos para a adoção do “compliance”, bastando apenas buscar um especialista no assunto.

Uma consequência curiosa e positiva da abertura do guarda-chuva ético é que as empresas entre si conseguem certo grau de uniformidade devido à própria pressão do mercado. Já outro elemento ostensivo e determinante no cenário econômico meio que se isola desse processo. Dessa forma, as entidades governamentais passam a ser alvo do movimento ético nascido nas empresas. Corrupção e desmandos já não tolerados no setor privado passam também a não ser tolerados no setor público. Empresas como a Siemens, EDP Energia, Walmart e Natura já orquestram um movimento que pressiona o Congresso pela aprovação de leis moralizadoras da máquina pública.