quarta-feira, 26 de outubro de 2016

É HORA DO TRABALHO SÉRIO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26 / 10 / 2016 - A272
Artigos publicados

O Brasil é o país do discurso. Reuniões e conferências são marcadas pela disputa de quem fala mais bonito. Depois que a festa acaba os assuntos discutidos e os compromissos firmados perdem substância até cair no esquecimento. Por exemplo, impressiona a gigantesca quantidade de debates relacionados à reforma tributária sem que nenhum órgão fazendário tenha movido uma palha para racionalizar suas normatizações ensandecidas. Em vez disso, a coisa toda só piora com o passar do tempo. E o fato mais curioso dessa história é que o próprio Fisco se faz presente nesses ditos encontros.

É bom lembrar que nenhum desarranjo institucional perdura sem a cumplicidade de grupos com extensa capilarização social. A própria corrupção é o exemplo mais ostensivo. Ela se mantém pujante e enraizada porque, no fundo, a maioria esmagadora apoia esse sistema (de uma forma ou de outra). Isso acontece quando os interesses pessoais são colocados acima de qualquer outra questão moral. O funcionário da loja passa informações vitais para um grupo criminoso praticar um assalto que culmina na morte do patrão. A polícia faz uma investigação meia boca porque o caso não repercute na mídia. Por conseguinte, o agente provocador da tragédia segue sua vida na mais absoluta normalidade. Por outro lado, um grupo de grandes empresários apoia a reeleição dum político envolto em crimes pavorosos, mesmo cientes do esperado desastre social provocado pela votação. O que importa mesmo são os ganhos imediatos e pessoais. O resto que se dane.

Impunidade, foro privilegiado, regalias, gastos públicos astronômicos; tudo isso só existe pela cumplicidade de segmentos da sociedade. O motivo está nas relações espúrias e incestuosas entre o público e o privado, bem como na expectativa de ganhos ou vantagens futuras. Ninguém tem coragem de dizer NÃO (não à corrupção, não à bandalheira, não à demagogia, não ao descaramento etc.). E assim seguimos afundando na lama da degradação institucional, com escândalos sistemáticos pipocando intermitentemente nos diversos canais midiáticos.

Pois é. Acontece que nos últimos tempos os efeitos perversos desse sistema doentio se intensificaram de tal modo que o alagamento deixou de ficar restrito ao porão do navio. O temor geral é de que todos morram afogados. A cada dia que passa as circunstâncias evidenciam um absoluto descabimento de práticas condenáveis. A corrupção se transformou num monstro incontrolável, e, por tal motivo, o grande contingente de cúmplices e avalistas está aos poucos percebendo que é hora do trabalho sério. É hora de dizer não quando o momento for de dizer não. É hora de cobrar seriedade no trato da coisa pública. É hora de construir uma força nacional suficientemente grandiosa para esmagar os joguetes e as manobras sofismáticas de agentes maliciosos que infernizam a vida das empresas e o cotidiano do cidadão comum.

A reforma tributária é perfeitamente viável, desde que se mobilize um exército de profissionais e técnicos capazes de destrinchar a maçaroca de normatizações e, a partir desse trabalho, propor modificações oportunas. A pressão sobre os congressistas deveria sair das mãos do poder executivo e passar para o controle do eleitor. Os empresários podem, perfeitamente, capitanear esse movimento. Basta haver união e coragem para encarar o desafio. A briga também deve contemplar o combate aos desmandos das regalias e da bandalheira generalizada dos salários e das vantagens astronômicas de agentes públicos. É bom lembrar que TODOS os pilares da nossa gestão pública estão corroídos pelo cupim da ineficiência e do descaso. Para completar o pacote de desgraças, o Poder Judiciário vive embrulhado em graves suspeitas de venda de sentenças. Quando, em 500 anos, um juiz resolveu fazer o seu trabalho direito, a nação foi sacudida pela Operação Lava Jato. Imagine então se cada magistrado desse país fizesse metade do trabalho do sr. Sérgio Moro!! Se isso acontecesse, noventa por cento dos nossos problemas seriam solucionados.

Parafraseando o lendário General Temístocles, “devemos perseverar como nação ou morreremos agarrados aos nossos próprios interesses”. A lei da esperteza e do jeitinho, que leva um, a passar a perna no outro, só fortalece o Estado Bandido. A Alemanha se reergueu a partir dos escombros da guerra para chegar ao topo do mundo. Será que fez isso se comportando como os brasileiros?!! Com certeza, NÃO. E ainda nos deu uma aula de organização na copa do mundo, mostrando que o resultado vem a partir do trabalho conjunto, e não do egoísmo ou do discurso demagógico. 








terça-feira, 18 de outubro de 2016

MODELO FISCAL EM CONSTANTE EVOLUÇÃO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18 / 10 / 2016 - A270

A mitológica figura do guarda-livros foi extinta, mas seus despojos ainda não estão plenamente fossilizados. Muitos continuam acreditando que a função do Contador é catalisar as ações mirabolantes da administração de modo que tudo fique bonitinho aos olhos das agências reguladoras governamentais. O Contador seria um alquimista – no seu escritório, várias bruxarias são desenvolvidas a partir da papelada recebida dos clientes.

Ainda é muito comum o seguinte procedimento: A empresa segue o mês juntando numa caixa toda a documentação contábil, fiscal, trabalhistas etc., que posteriormente é despachada para o escritório de contabilidade. Chegando ao seu destino, o pacote passa por uma garimpagem a fim de serem formatadas as estruturas de registro e de controle exigidos por lei. Isso significa que os processos ocorridos no período podem ser interpretados erroneamente, uma vez que o Contador não estava presente em cada evento ou fato administrativo. O Sistema Contábil é o mais prejudicado por esse modelo, visto que a qualidade dos registros está vinculada à intenção existente por trás de cada evento patrimonial. Por exemplo, uma sala comercial adquirida para ser posteriormente comercializada não pode ser registrada nas contas de Ativo Fixo e sim no grupo de Investimentos, já que o bem comprado era objeto de especulação imobiliária.

A evolução dos mecanismos de controle fiscal jogou um balde de água fria nesse modelo anacrônico de serviços contábeis. Até mesmo porque ao longo de décadas a nossa contabilidade sempre foi tratada como um mal necessário. O Contador era visto como uma figura exótica, paga pra fazer lá não se sabe o quê. Os vários livros e documentos produzidos tinham um só destino: a Fiscalização. Pra gestão da empresa ou pra alavancar os negócios, o Contador não contribuía com nada. O aperto dos Entes Fazendários passou a dificultar em muito a tal alquimia fiscal e contábil. Os feitiços foram diminuindo, diminuindo, até que hoje muitos registros são relatos fidedignos de operações reais.

Lamentavelmente, a realidade do nosso sistema tributário é pavorosa. Antes, muita gente não se dava conta disso porque tudo era “ajeitado”. Agora, é preciso observar as maluquices normativas das nossas leis transloucadas. Ou seja, qualquer pisada de bola é fatal. Meses atrás, um satélite da Honda foi autuado pela SEFAZ em 700 mil reais por causa dum ÚNICO erro em meio à montanha de normas rigorosamente observadas. Isso mostra o quão ingrata é a profissão de Contador. Um erro em duzentos mil acertos pode destruir negócios e empregos, mas o agente fiscalizador tem plena autonomia para se chafurdar nas normas legais ou violar o ordenamento jurídico ou achacar ou fazer cobranças indevidas que ninguém é responsabilizado. Temos um dos ambientes de negócios mais arriscados do mundo. Os grandes investidores internacionais só aportam por aqui depois de conseguir vantagens absurdas, como é o caso dos juros criminosos do cartão de crédito ou vastos incentivos fiscais para conglomerados econômicos. Claro, óbvio, quem paga a conta de tantas benesses aos estrangeiros são as empresas brasileiras.

Por conta dos riscos fiscais, as empresas já estão capacitando seus funcionários para interpretar as particularidades dos documentos fiscais e, com isso, alimentando o sistema de estoque em conformidade com a situação tributária específica de cada item do DANFE ou do arquivo XML. Tal procedimento encurta em muito o tempo de análise no escritório de contabilidade. Também, promove uma drástica diminuição de riscos de penalidades aplicadas por agentes fazendários.  Esse modelo está transformando Contadores em Gestores de Processos Empresariais, ao passo que o cumprimento de obrigações relacionadas ao SPED está aprimorando a qualidade do Controle Interno dos Clientes.

Agora, mais um avanço tecnológico está em curso. Antes, o objetivo da capacitação dos clientes era receber os registros das mercadorias organizados de modo que houvesse pouquíssimos problemas de validação no PVA. O novo desafio é receber os arquivos já validados pelo PVA do SPED. Para tanto, mais investimentos devem ser despendidos na capacitação de Almoxarifes, Faturistas e até mesmo o pessoal de Vendas e do Financeiro. Tal modelo de gestão administrativa envolve também o SPED Contábil. O fato é que estamos caminhando para a extinção do papel na prestação de serviços contábeis.









terça-feira, 11 de outubro de 2016

ESTEREÓTIPO DO POLÍTICO BRASILEIRO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11 / 10 / 2016 - A269

Eventos depreciativos relatados na minissérie Justiça, da Rede Globo, mexeram com os brios de policiais do Rio de Janeiro que protestaram contra a emissora. Reações semelhantes acontecem em outras classes de profissionais quando se sentem ofendidas. Enquanto a Globo retratou um policial vingativo que esconde drogas no quintal da vizinha, outras produções achincalham sem dó nem piedade a politicada em geral. Novelas, filmes, livros, humorísticos e até a internet costumam descrever o político como a pior das criaturas presentes na face da terra. Nenhum outro animal consegue ser tão destrutivo. Nem terroristas, nem tigres famintos, nem uma nuvem de gafanhotos, nem o mosquito da dengue. Nada se compara à devastação provocada pelo Homo Polítikus, que destrói a saúde pública, mata empregos, aniquila a economia do país etc. Interessante, é que, no caso do policial, o alvo dos autores foi um aspecto específico do caráter humano. Mas quando se trata do político, o esculacho é total. Os personagens asquerosos são de todo ardilosos e repulsivos, como se fossem deformidades da natureza, já que não possuem nenhum tipo de empatia ou senso moral. Resumindo, nada de bom pode ser aproveitado. O pior de tudo é que, quanto mais se bate nessa tecla, mais enojada fica a população com todo o sistema. Principalmente, quando os políticos da ficção teimam em figurar nos telejornais algemados ou envolvidos em coisas muito mais pavorosas. Como resultado, em algumas grandes regiões do país, mais da metade dos votantes anulou sua escolha ou simplesmente se absteve.

Notícias alardeadas de políticos envolvidos em crimes de corrupção, homicídios, milícias, tráfico e demais práticas hediondas não incomodam em nada os respectivos partidos dos denunciados. Raríssimamente se vê um partido defendendo seus membros ou pedindo desculpas na TV. Mais raro ainda é haver expulsão de elementos ruins dos seus quadros quando as denúncias envolvem muito dinheiro. Tanta desfaçatez silenciosa evidencia um clima de anuência e alinhamento com práticas insólitas das mais variadas. Qualquer pessoa que se deter um pouco na observação de alguns movimentos dos partidos políticos vai perceber um forte cheiro de enxofre no ar.

Os partidos não punem e seus membros se recolhem nas suas tocas esperando a poeira baixar. Tudo fica quieto. Até o vento para de soprar. Enquanto isso, os programas humorísticos e as novelas estraçalham a imagem do político, mas ninguém ousa levantar a voz para defender o colega. Nenhum sindicato ou associação de políticos vem a público dizer que seus membros são injustiçados por segmentos da sociedade que atacam a conduta de homens puros de coração e de honestidade incontestável. Por esses dias a declaração do Lula se transformou na maior piada do país porque ele teve a cara de pau de dizer que o político é honesto. Essa declaração aniquilou o que restava do PT. Ou seja, quem quiser ser achincalhado e por a carreira política em risco é só falar em honestidade na frente das câmeras.

O fato é que as vísceras putrefatas do sistema político estão expostas ao sol do meio dia. E, lamentavelmente, a maioria da politicada não se deu conta disso. As criaturas continuam nos mesmíssimos esquemas de sempre, explorando exaustivamente tudo e a todos, como uma praga de gafanhotos a devastar uma plantação inteira. O recado das urnas não foi suficiente porque o vício da corrupção é muito mais forte. No Brasil, o súbito aumento do patrimônio em 50 vezes não é alvo de suspeitas e sim, da inveja de quem não teve estômago para roubar.

O sistema predatório da nossa política saqueia o país há muito tempo, alimentando grupos de influência e cooptando meio mundo de instituições para se alinharem a projetos de poder partidários. A face mais ostensiva dessa prática se revelou no processo do impeachment, onde o esquema foi cuidadosamente costurado por uma infinidade de mãos habilidosas e maquiavélicas. O choque titânico de quem queria entrar com quem não queria sair produziu raios, trovões e abalos sísmicos na crosta terrestre. No final, um grupo foi decapitado e o outro assumiu o trono. A pergunta que fica é a seguinte: Por que as batalhas são tão vorazes e sangrentas? Por que tantos morrem e matam? A resposta está na Operação Lava Jato. Ou seja, a vez de um passou e agora é a vez do outro mamar nas tetas cheias de dinheiro. Daqui a alguns anos testemunharemos escândalos ainda maiores. É sempre assim. Essa é a sina do povo brasileiro.





terça-feira, 4 de outubro de 2016

PODERIO TECNOLÓGICO NAS MÃOS DO FISCO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 4 / 10 / 2016 - A268

Timothy Berners-Lee, criador da moderna internet (HTTP, HTML e WWW), declarou em 1999 que a web ideal era aquela onde os computadores seriam capazes de analisar o conteúdo e entender as transações entre pessoas e máquinas. Diversos experimentos tecnológicos atestam que a web semântica deixou o campo da ficção científica para se juntar a outras realidades ainda mais revolucionárias. Claro, obvio, o suprassumo de tantos avanços científicos é mantido sob o domínio das grandes potências mundiais. O trabalho pioneiro do buscador Wolfram Alpha inaugurou a categoria dos “mecanismos de conhecimento”, na medida em que buscou sistematizar o conhecimento humano. Fez isso com ajuda de linguistas e lexicógrafos munidos de dicionários que faziam correlações entre palavras e enquadramentos conceituais para dar sentido a expressões mais usadas na internet. O propósito era indexar tudo. Tudo, mesmo. Agora, imagine então uma coisa dessas nas mãos do Fisco. Pois é. Não precisa imaginar.

Uma recente publicação do Consultor Renato Matavelli alerta o contribuinte para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle fiscal, onde técnicos e auditores das secretarias de fazenda estão debruçados sobre estudos de alta performance para processamento de Big Data. Equipes altamente capacitadas estão trabalhando softwares de última geração para análise de dados via utilização de modelos estatísticos e todos os demais recursos necessários para implementação do projeto “Machine Learning”. Esse “Aprendizado de Máquina” trabalha os princípios da inteligência artificial abastecendo o sistema com regras e algoritmos de modo a capacitar o computador para tomar decisões baseadas na interpretação de um universo de dados ao invés de seguir uma programação objetiva. A tecnologia empregada nesse projeto permite que as máquinas aprendam e também melhorem suas análises com a exposição a novos fatos.

Um dos grandes objetivos do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) é justamente tornar mais célere a identificação de ilícitos tributários. Para tanto, as administrações fazendárias vêm trabalhando intensamente na racionalização do sistema tributário como um todo. O enrosco normativo ainda vigente no país é o empecilho maior aos projetos de inteligência fiscal. A Grande e insofismável estadista Margareth Tatcher disse certa vez que os paraísos fiscais existem por causa dos infernos fiscais. Por estranho que possa parecer, o nosso inferno fiscal acaba favorecendo a sonegação e outros crimes mais graves. A sobreposição exacerbada de normas conflituosas dificulta a sua transposição para sistemas lógicos e matemáticos. Daí que, desde a Emenda Constitucional 42, passando pelo primeiro Encontro Nacional de Administradores Tributários, na Bahia, e o colossal esforço em prol duma faxina normativa, o Fisco vem trabalhando intensamente na organização dum modelo que encontre ambiente propício ao advento definitivo da inteligência artificial.

Mesmo com tantos empecilhos burocráticos desfavoráveis ao trabalho dos técnicos fazendários, algumas experiências demonstraram eficácia animadora. Uma determinada secretaria de fazenda montou uma equipe formada por especialistas em informática, professores de linguística, estatísticos e tributaristas para desenvolver um modelo de análise que relaciona produtos com suas respectivas classificações fiscais. O objetivo era a identificação de inconsistências e fraudes no ICMS. A experiência apresentou alto grau de assertividade pela identificação de anormalidades relacionadas aos produtos estudados. Por exemplo, o refrigerante transportado em caminhão de 15mil litros era na verdade combustível.

A SEFAZ baiana está utilizando informações do Google Street View e também a identificação do IP de computadores no combate à sonegação. As operações ou atividades suspeitas são alvos dessa nova empreitada, que é denominada de “diligência remota”. Por exemplo, uma operação isenta, mas de grande volume destinada a uma pessoa física revelou que a mercadoria seguiu para um grande depósito de bebidas. Num outro caso de operação milionária o destinatário era uma casa simples da periferia, indicando assim uma ação altamente suspeita. Os técnicos fazendários estão vinculando os IP dos computadores que transmitem as notas fiscais eletrônicas ao endereço físico do estabelecimento, fato esse, que está ajudando e muito o trabalho de investigação e aplicação de autos de infração.