Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 12 / 05 / 2020 - A401
O
diretor duma grande empresa acumulava prêmios e gratificações que lhe permitia atender
aos caprichos extravagantes do filho único que começava a crescer no campeonato
de kart. Além desse hobby caro, havia também gastos com nutricionista, academia,
eventos, viagens e marketing. Tinha ainda o clube, festas, restaurantes, roupas
caras etc. Tudo seguia mais ou menos sob controle até que um escândalo judicial
na empresa comprometeu as finanças do agora ex-diretor. A bela e espaçosa mansão
acabou substituída por um apartamento médio. A mudança foi sofrida, uma vez que
muitos hábitos requintados ficaram para trás; a nova realidade impôs um novo
estilo de vida. Mas uma coisa não mudou. O filho não abria mão da boa vida que levava
e ainda culpava o pai pelo rebuliço familiar. O genitor, orgulhoso e obcecado, continuou
alimentando os caprichos do bonitão folgado. Não demorou muito para minguarem os
recursos já limitados. A saída então foi apelar para empréstimos volumosos e arriscados.
Essa decisão absolutamente descompensada tirava o sono e a saúde do pai, ao mesmo
tempo que o filho seguia sua vida luxuosa totalmente desconectado da realidade.
Os amigos da família ficavam na expectativa para saber até onde pai aguentaria
toda aquela situação de absoluto suicídio financeiro.
Vivemos
um momento surreal no Brasil, uma espécie de enfermidade bipolar, onde um lado
da nossa realidade social e econômica segue desmoronando como num castelo de cartas.
Enquanto o barco privado afunda, temos um setor público completamente alheio
aos eventos catastróficos provocados pela Covid19. A pandemia foi rápida e
devastadora, não permitindo nenhuma reação. Daí, que a maioria absoluta de CNPJ
caiu atordoada, onde grande parte já decidiu pelo fim da carreira empresarial. Os
empregadores falidos tentarão salvar o pouco que restou e assim aguardar o cenário
pós-apocalíptico para tomar decisões apropriadas. Por outro lado, seus empregados
foram (e serão) demitidos aos milhões, gerando uma massa de zumbis
desorientados que estão sendo momentaneamente contidos pelo auxílio emergencial
do governo. Passadas as três parcelas da ajuda, o país será solapado por uma
onda de fome e desespero, já que a atividade econômica, como dizem alguns
especialistas, poderá levar até dez anos para se recompor.
Na
contramão desse quadro apocalíptico, o setor público continua firme na gastança
e no superfaturamento de respiradores (como sempre). As despesas com lagostas, fundo
eleitoral e cartões corporativos são jogadas na cara dos desgraçados pela
pandemia. Pior ainda, são os supersalários que extrapolam o teto constitucional.
E ainda somos obrigados a engolir uma legião de caríssimos funcionários
públicos que exercem funções absolutamente decorativas, como assessores parlamentares,
apadrinhados políticos e funcionários fantasmas. A máquina pública continua
cara e ineficiente. A burocracia normativa segue aterrorizando o cidadão
empreendedor e a corrupção se mantém inquebrantável pelo apoio de decisões
escandalosas do sistema judiciário. Tudo isso mostra que a bagunça institucional
e administrativa continua resistente a qualquer tempestade ou cataclismo.
Ao
que parece, e até o momento, o desastre provocado pela Covid19 não conseguiu
sequer arranhar a estrutura titânica da máquina pública, que está articulando um
monumental endividamento para garantir a execução orçamentária. Ao contrário do
setor privado que vem se adaptando à falta de dinheiro, o setor público não
abre mão de absolutamente nada: nem das lagostas nem dos cartões corporativos
nem do fundo eleitoral nem dos vinhos premiados nem dos supersalários nem do
inchaço de pessoal. Tal qual o pai suicida, a indagação que fica é a seguinte: Até
quando o setor privado vai continuar pagando a conta sem ter dinheiro?