terça-feira, 18 de abril de 2023

CONFUSÕES DO IVA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   18 / 4 / 2023 - A478
Artigos publicados 

O nosso sistema tributário ficou tão confuso que perdeu forma e substância, comportando-se tal qual partículas subatômicas, que estão aqui, estão ali, não estão mais etc. Desse modo, e por conta duma situação obscurantista, acaba valendo o ponto de vista do observador (experimento da dupla fenda). Como resultado, vários espertalhões postulam dogmas como se fossem senhores da verdade absoluta. Do outro lado, as autoridades com poder de decisão ficam hipnotizadas pela retórica persuasiva, já que não conseguem avaliar o cerne da questão fiscal. Os assessores tapados dessas autoridades também não entendem bulhufas de tributação. E assim, o país inteiro está sendo rebocado para um modelo equivocado e embusteiro.

O Brasil é a meca da esperteza, onde todo mundo quer passar a perna em todo mundo; onde grupos poderosos conseguem isenções fiscais, jogando nas costas dos pequenos o maior peso tributário. Nesse momento, pipocam notícias do jogo de empurra entre segmentos econômicos. Ou seja, cada grupo quer que o outro pague o pato. Por exemplo, a indústria quer jogar a carga tributária nas costas do comércio, que por sua vez quer jogar a bomba no colo do setor de serviços etc. E dentro dos segmentos ocorrem outras disputas, como, por exemplo, as empresas de saúde e de educação que pretendem empurrar a carga tributária para outros prestadores de serviços. O final dessa briga, todo mundo sabe: Aquilo que o grande deixar de pagar vai ser acumulado nas costas do pequeno (fato recorrente e inevitável).

Pois é. Todo mundo sabe exatamente onde está a fonte que solucionaria os nossos grandes problemas tributários, mas a classe empresarial rejeita fortemente o modelo tributário progressivo. Para os membros da nossa elite social, o pior desastre está na possibilidade de pagar a mesma carga da classe média assalariada (27,5%). O modelo progressivo focado nos altos rendimentos reduziria drasticamente os preços dos produtos, fomentando o consumo e aquecendo a economia. Basta lembrar da correria em tempos passados para comprar carros e geladeiras com IPI reduzido. Os mestres obscurantistas justificam a isenção dos dividendos com argumento de que o imposto foi pago na pessoa jurídica. Isso é mentira. Os números quebram essa premissa demagógica, já que, no Brasil, o imposto de renda participa com somente 18% do bolo arrecadatório, enquanto nos EUA esse percentual é de 48%. E o pouco IR arrecadado vem dos assalariados. E já que os super mega ricos não querem pagar, o jeito é tacar a bomba no consumo. Por isso é que nos assustamos quando assistimos a vídeos no Youtube que mostram a brutal diferença dos nossos preços com os praticados nos EUA.

O lado maquiavélico e diabólico da super taxação do consumo está no efeito empobrecedor da população trabalhadora. Não fosse tanto imposto, os produtos seriam três vezes mais baratos. Com isso, a vida do cidadão comum seria bem melhor. Mas, na nossa realidade atual, o governo confisca dois terços da renda do pobre. E depois de arrancar quase tudo desse pobre, o mesmo governo espoliador devolve um pouco do espólio na forma de programas sociais. O governador do Amazonas, Wilson Lima, é o que mais cobra imposto sobre a cesta básica. O governador cobra 20% do alimento básico e cobra somente 12% duma Lamborghini. O Amazonas já teve a menor carga sobre a cesta básica (1%), estabelecida pelo artigo 38 do Decreto 23994/2003, mas em 2012 o então governador Omar Aziz aumentou esse percentual para 17% através da Lei 3830. E no final de 2022, a Lei 6107 isentou, mas não isentou a cesta básica, já que o contribuinte deve pagar 95% do que seria ICMS para o Fundo de Promoção Social. Além da piada da isenção não isenção, o governador Wilson Lima criou uma burocracia infernal que deixou todo mundo atordoado (burocracia para operacionalizar essa isenção não isenção).    

O governador cobra IPVA duma moto caindo aos pedaços, mas não cobra o mesmo IPVA de iates ou jatinhos dos seus amigos ricos. Ou seja, o alvo taxativo é sempre o pobre. Quanto mais pobre, maior a ferocidade taxativa. Os programas sociais tem mais um aspecto sinistro: A professora Maria Helena Zockun (USP) disse que mais da metade dos gastos com programas sociais voltam para os cofres do governo na forma de impostos, uma vez que o pobre esfomeado gasta tudo com mantimentos essenciais. Daí, a razão de tanto imposto sobre produtos alimentícios. Conclui-se então que se todo produto básico fosse isento em toda a cadeia econômica, não haveria tantos pobres nos programas sociais. Também, não haveria tantos votos nas eleições.

Voltando aos magos obscurantistas propagadores da verdade divina, tudo caminha para uma reforma tributária que vai trocar seis por meia dúzia, já que continuaremos atolados no sistema de débito versus crédito (IVA). Curiosamente, fala-se tanto de IVA como se fosse algo inédito no Brasil. Esse dito IVA nada mais é do que a tal “não cumulatividade” do ICMS, que as secretarias de fazenda estaduais odeiam. A prova de que o modelo IVA não funciona está nas diversas modalidades ICMS focadas na arrecadação antecipada. O mecanismo de apuração ICMS vem definhando continuamente porque todos sabem das engenharias produtoras de créditos fictícios que geram pouco recolhimento. Se o tal IVA for aprovado na reforma tributária, continuaremos atolados na mesma burocracia infernal. Detalhe importante: As confusões sobre créditos estão na raiz do nosso insano contencioso fiscal.  

Definitivamente, o IVA não funciona no Brasil. O que vem funcionando e garantindo o abastecimento do erário são os mecanismos de antecipação tributária, como o regime monofásico do Pis/Cofins, a modalidade ICMS-ST e outras infinidades de retenções na fonte. As agências fazendárias não confiam na honestidade dos apuradores empresariais. E também, a fiscalização das apurações demanda custos públicos gigantescos.

Se houvesse seriedade nos trabalhos dos reformadores tributários, as autoridades constituídas trabalhariam num sistema de arrecadação parecido com o regime estadunidense. Nesse modelo, o ICMS seria “por fora” e incidiria somente na venda para o consumidor final ou para prestadores de serviços. O ISS não sofreria nenhuma modificação. Indústria e atacadistas ficariam isentos de tributação na venda para varejistas. Nesse modelo, não haveria ICMS na origem em operações interestaduais, mas como isso é inviável, a UF remetente taxaria as vendas para a UF destinatária, não importando se pra consumo ou comercialização. A grande importância do ICMS “por fora” é que o não recolhimento seria fatalmente tipificado como crime de apropriação indébita. É bom lembrar que o modelo atual de imposto “por dentro” bloqueia essa criminalização.

Outra possiblidade, seria trocar a taxação do consumidor pela antecipação, como já acontece no regime da substituição tributária. Nesse modelo, todas as mercadorias ingressadas no Estado seriam taxadas uma única vez (esse modelo vigorou no Acre até 2015). E as indústrias fariam retenção nas vendas internas. O imposto seria “por fora” e com pouquíssimas alíquotas. Na esteira da simplificação arrecadatória viria o enxugamento do altíssimo custo burocrático, tanto nas empresas quanto nas fazendas governamentais. O problema está na resistência da indústria do contencioso que perderia bilhões com um possível sistema organizado. Corruptos e pilantras que se alimentam da lama burocrática também sofreriam bastante. E como esse pessoal todo manda no Congresso Nacional, podemos então esperar pelo pior. As empresas devem se preparar para um modelo desastroso. No final de tudo, o jogo de bandidagem vai prevalecer. 












































terça-feira, 4 de abril de 2023

IMPOSTO E POBREZA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   4 / 4 / 2023 - A477
Artigos publicados 

Nos EUA existe um forte senso de responsabilidade sobre os impostos, onde a opinião do contribuinte pesa em cada detalhe do orçamento público. Ou seja, o agente público está sempre questionando se o cidadão vai concordar com novas políticas fiscais. Isso é consequência do accountability social. Enquanto o cidadão estadunidense monitora a destinação do imposto pago, o brasileiro é totalmente desconectado dessas questões, já que enxerga o poder público como uma entidade abstrata e desvinculada das suas finanças pessoais. Essa mesma criatura alienada não se importa com a patifaria dos agentes públicos porque dinheiro roubado ou desperdiçado tem origem desconhecida (é dinheiro do governo). Por outro lado, o agente público, ciente dessa letargia social, promove uma verdadeira orgia com o dinheiro dos impostos: É obra super faturada, é licitação fraudulenta, é inchaço do funcionalismo por meio de apadrinhados, é salário acima do teto, é roubalheira, é corrupção, é tudo que não presta. E toda essa bagaceira tem um preço. E esse preço é pago pelos mais pobres.

No Brasil, o super rico paga o que quer, quando bem entender. A prova disso está no contencioso fiscal que caminha para se igualar ao nosso PIB, sendo mais da metade crédito podre. Tanto dinheiro represado é o caminho legal que o rico encontrou para não pagar de jeito nenhum. Na verdade, é uma das maneiras, porque há diversos mecanismos para fugir da tributação, sendo todos eles costurados sob medida para ricos sonegadores. Basta lembrar da dupla dinâmica Joesley Batista / Marcelo Odebrecht que tempos atrás comprou a máquina pública por inteiro. E os atuais donos dessa máquina pública ordenaram total silêncio no assunto progressividade. Por isso, o imposto do consumo é o único assunto na pauta da reforma tributária. Por ordem dos ricos, existe regressividade até no imposto progressivo (loucura, loucura, loucura...). Por exemplo, o salário de R$5.000 paga 27,5% (IR) retido no contracheque, não havendo mínima possibilidade de escapatória. Na outra ponta, ganhos sobre vários investimentos pagam 15% (IR), sendo que a carga vai diminuindo conforme aumentam os números milionários. A Professora Maria Helena Zockun (USP) provou que os altíssimos rendimentos pagam apenas 7% (IR). A regressividade está presente também nos tributos sobre patrimônio: O STF decidiu que embarcações de luxo e aeronaves particulares não pagam IPVA, mas o mesmo STF afirmou que o pobre lascado deve pagar IPVA duma motocicleta caindo aos pedaços. E se esse pobre estiver inadimplente e fugir duma blitz, a polícia persegue e mata, como é comum no Rio de Janeiro. Aqui, no Amazonas, enquanto trocentos incentivos beneficiam multinacionais, o governador resolveu em 2021 taxar o ovo de galinha em 18%, que aumentou de imediato a cartela de R$10 para R$15. O ovo é a última salvação do pobre e mesmo assim o governador deixou a mesa desse pobre mais vazia.

Enquanto o multimilionário brasileiro paga 7% de IR, a candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, tornou pública sua declaração de IR que constava uma taxação de 45%. Verifica-se aqui um abismo entre a contribuição do rico brasileiro em comparação ao rico estadunidense. Desse modo, e com arrecadação pequena de imposto de renda, o fisco brasileiro concentra toda a sua artilharia na tributação do consumo. A nossa insanidade confiscatória é bem ilustrada na nota fiscal 9564 de 28/06/2019, cujo valor dos produtos é de R$18.726,00; valor do IPI R$60.007,80; valor do ICMS-ST R$7.677,66; valor total da NF R$86.411,46. Só nessa NF temos cerca de 400% de imposto por causa de ICMS próprio, Pis e Cofins embutidos no valor de R$18.726,00. Essa taxação enlouquecida acontece no produtor da matéria-prima, na indústria, no distribuidor, no atacadista e no varejista. Em cada uma dessas etapas são despejadas toneladas de impostos. Por isso é que tudo no Brasil é extremamente caro. Por isso é que somos tão empobrecidos pelos impostos. Não fosse uma carga tão acachapante, seria possível consumir três ou quatro vezes mais com o mesmo salário. A capital britânica é um dos lugares mais caros do mundo, e mesmo assim os produtos eletrônicos custam menos da metade quando comparados aos preços brasileiros (após conversão cambial). O pior é que, antes disso, o trabalhador só recebe metade do custo trabalhista suportado pelo seu empregador. E depois vem taxa de luz, taxa de esgoto, taxa financeira, taxa, taxa, taxa... São quase 100 tipos de taxas que enchem os cofres do governo. E mesmo assim, os órgãos públicos estão sempre no vermelho.

Por que o rico não se incomoda com a pesada carga do consumo? Vamos mergulhar em águas turvas e envenenadas. Conforme o IBPT, a carga tributária do forno micro-ondas é de 59,37%, significando que no preço de R$700 está embutido R$416 de impostos. Isso mostra que 34% do salário mínimo vira imposto quando ocorre a compra desse objeto. Já, a pessoa que ganha R$5.000 paga somente 8% de imposto quando faz a mesma aquisição. Agora, vamos descortinar a bagaceira. Um bonitão do Tribunal de Justiça do Amazonas paga somente 0,17% de imposto do mesmo forno micro-ondas, considerando o salário de R$237.000 <bit.ly/3mS9peh>. Preparem-se então para a melhor de todas: O dito imposto de R$416 equivale a 0,03% do salário de R$1.300.000 da juíza pernambucana Marylusia Pereira Feitosa de Araújo <bit.ly/3mPEq2F>.

Pois é. Esse é o caráter diabólico do nosso sistema regressivo: O assalariado paga 34% de imposto sobre um forno micro-ondas, enquanto a funcionária pública milionária paga somente 0,03% de imposto sobre o mesmo objeto. E, obviamente, tem gente no Brasil que ganha cifras infinitamente maiores que essa juíza. E, novamente, obviamente, esse pessoal rico não é minimamente afetado pelos impostos regressivos. A grande preocupação do ricaço está na possibilidade de suportar a mesma carga de muitos assalariados (27,5% de IR); ou então pagar uma carga semelhante à da Finlândia (56%). Outra coisa: A Receita Federal é mansinha com a sonegação do rico e feroz na cobrança de R$100 na declaração do pobre. Até o atendimento é diferenciado: O rico tem preferência, simpatia e cafezinho, restando cara feia e ameaça ao pobre. Pra completar o circo pornográfico, temos uma turminha chamada de “pessoas politicamente expostas” que não podem ser cobradas nem investigadas, contrariando o artigo 5º da nossa CF.

Nos países civilizados, o imposto de renda é progressivo e impiedoso com rendimentos milionários, justamente para tributar pouco o consumo. Nos EUA, por exemplo, o pesado IR dos super ricos permite zero tributação na cadeia da matéria-prima até o atacadista, restando ao varejista cobrar uma taxa pequena e separada do produto. Por isso, é que, por exemplo, um policial americano tem padrão de vida semelhante ao dos ricos brasileiros. Nos EUA, as embalagens dos produtos nas prateleiras dos supermercados são tamanho gigante em comparação aos pacotinhos que se vê por aqui. Enquanto o trabalhador americano dirige carrões e mora em mansões, o brasileiro passa a vida se matando pra comprar um barraco numa encosta ou um carrinho enferrujado. Isso acontece porque 80% do que produz vira imposto que vai sustentar lagostas e vinhos finos do STF ou então trocentos penduricalhos no salário do parlamentar. Por exemplo, o senador Izalci Lucas mantinha 85 assessores no seu gabinete. Imagine então o gasto de todas as casas legislativas do Brasil, todos os cargos executivos, todo o sistema judiciário etc., com todo mundo ganhando salários astronômicos. A face diabólica desse modelo escravagista está no fato de que o pobre é o mais sacrificado, já que a elite social fala abertamente que IR alto afugenta investidores.

E como desgraça pouca é bobagem, o Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, insiste na manutenção da atual carga tributária ou na sua elevação por meio da multiplicação do ISS. Trocando em miúdos, o rico vai continuar pagando pouco e o pobre vai continuar pagando muito. Na verdade, toda a luta desse secretário está no aumento da arrecadação via confisco do pouco que restou no bolso do pobre. A Confederação Nacional da Agricultura declarou na semana passada que os impostos do agronegócio podem subir 875% <encr.pw/IUMqB>. E, obviamente, tudo, no final, vai ser pago pelo pobre com produtos e serviços mais caros. E também, o secretário não abre mão da burocracia extremada, já que defende ardorosamente o confuso sistema de débito versus crédito (IVA) que já provou ser desastroso. Curta e siga @doutorimposto. Outros 476 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.