Imagine
a cena: O assaltante entra na sua loja, coloca uma arma na sua cabeça, te joga
no chão, pisa na sua cara, rouba seu dinheiro e vai embora. Na sequência, você
leva as imagens gravadas para a polícia, onde o delegado diz que não houve
crime nenhum e que tudo que o assaltante fez é legítimo. Isso te deixa
totalmente desnorteado. Você reclama do absurdo da situação, mas o delegado te
ameaça prender por desacato. A partir dessa experiência tenebrosa você procura
a Defensoria Pública, onde o defensor ratifica tudo que o delegado falou. Você
então vai atrás do juiz, do vereador, do prefeito, do deputado, do governador,
do corpo de bombeiros etc., e todo mundo se põe a defender o assaltante. Claro,
obviamente, seu próximo destino é o hospício.
A
Federação das Indústrias do Amazonas possui um núcleo de estudos tributários
que tem por função captar reclamações dos filiados e depois tratar das questões
diretamente no órgão público que gerou o conflito normativo. Esse dito núcleo
atua como interface entre o contribuinte e o agente arrecadador, onde diversas
análises resultaram em correções de normatizações carregadas de vícios legais. Desse
modo, a FIEAM é considerada uma parceira dos órgãos fazendários por contribuir
para o aprimoramento normativo. Isso leva segurança jurídica aos funcionários
das indústrias que trabalham sem o empecilho da dúvida. A consequência desse
belo trabalho é que raramente se vê alguém da indústria perambulando pelos
corredores da Sefaz em busca de informações. Já, os funcionários do setor
comercial vivem mergulhados em um turbilhão de problemas e de dúvidas fiscais
infinitas.
Por
muitos anos, eu insisti na ideia de replicar o modelo da FIEAM nas entidades do
comércio, mas os diretores nunca se interessaram pelo assunto. O mesmo temor de
não cutucar a onça se repete nos sindicatos patronais. A partir dessa situação
estranha nasce o descrédito do comerciante, que pensa o seguinte: “Pra que que
eu vou me filiar se quando preciso a entidade não faz nada?”. Desse modo, e a
partir da constatação de que a empresa comercial é totalmente desprotegida, a
Sefaz promove um festival de irregularidades contra os médios e pequenos
comerciantes. E, apesar dos aparentes esforços da Sefaz para atender as
demandas desses comerciantes, os problemas persistem de modo que acaba restando
somente o caminho do sistema judicial. Ocorre, que os pequenos comerciantes não
têm estrutura para impetrar ação judicial para cada irregularidade da Sefaz;
seria preciso um batalhão de advogados, considerando a frenética sequência de
cobranças ilegais. Mas a Sefaz oferece o serviço da Ouvidoria (que não responde
tempestivamente). Eu mesmo, fiz uma reclamação para essa dita Ouvidoria e a
resposta sem pé nem cabeça chegou após um ano. Uma alternativa, é procurar o
Plantão Fiscal que não resolve nenhuma questão interpretativa. Outra
alternativa é a Consulta Tributária, que demora muito. No início desse ano,
chegou a mim uma consulta parada há mais de 400 dias sem resposta. É possível
também agendar reunião com o subsecretário, que parece ser a via mais eficiente
para solução de cobranças indevidas. Pena que também demora meses para o agendamento.
A constatação final é que o tempo de resposta é tão longo que o comerciante se
vê obrigado a pagar a cobrança indevida para não ser bloqueado. Depois da
quitação, a Sefaz diz que é possível pedir restituição. Ocorre, que os pedidos ficam
tramitando infinitamente até o contribuinte desistir de lutar ou então procurar
o Judiciário. Na verdade, existe um pesado mecanismo de dissuasão que funciona
muito bem na maioria dos casos.
Mas,
como, infelizmente, não existe uma entidade representativa dos comerciantes que
os defenda junto a Sefaz, os empresários do segmento comercial poderiam criar
uma associação que atuasse nos moldes do núcleo tributário da FIEAM. As
questões polêmicas seriam analisadas e, se constatado vício de forma, seria
construída uma pauta de reivindicações a ser levada para debate com técnicos da
Sefaz. A partir das ponderações de parte a parte, o passo seguinte estaria no
estabelecimento de protocolos, ou, digamos, termos de ajuste de conduta que
definissem enquadramento fiscal para cada produto polêmico. O primeiro exemplo
seria o caso do ventilador abaixo descrito. Outro exemplo está no álcool gel
que é classificado como cachaça. Outro caso estranhíssimo está no ajustamento
da MVA do lubrificante contido nas notificações lançadas no DTE do contribuinte
amazonense, o que contraria frontalmente as disposições do Decreto 38910/2018. Com
o passar dos anos, teríamos um grande banco de dados contendo enquadramentos
pacificados.
Coisas
esquisitas acontecem todo dia na Sefaz. Por exemplo, o ICMS-ST de autopeças
retido em nota fiscal paga MVA ajustada por força de atos do Confaz, mas o
mesmo ICMS-ST cobrado pela Sefaz via DTE é calculado com base em ST original
por causa do referido Decreto 38910. Mas essa mesma regra não é aplicada ao
lubrificante por determinação do Anexo XIV do Ato Cotepe 42/2013. Há outra
situação bizarra: A Sefaz sempre classifica como importado os produtos gravados
com CST 3 e CST 8, contrariando o Ajustes Sinief 20/2012 e 15/2013 que
classificam como nacionais. A Sefaz afirma que o motivo está na alíquota de 4%
desses CST 3 e 8. A Resolução 13/2012 do Senado Federal estabeleceu a alíquota
de 4% para produtos importados. Então, se a alíquota define o que é importado
ou nacional, por que os produtos dos CST 6 e 7 também são classificados com
importados se as alíquotas são de produtos nacionais? (7% ou 12%). Essa
distorção interpretativa dos CST 3 e 8 gera prejuízos brutais para empresas de
medicamentos optantes do Decreto 41264/2019, onde, por exemplo, o produto
nacional pagaria corretamente 10,67% (2,67%+8%), mas a Sefaz cobra
indevidamente 20,31% (5,08%+15,23%) ao classificar como importado. E o fato
mais revoltante desse imbróglio é que a Sefaz não permite modificação, restando
ao contribuinte buscar o Judiciário. Ela cobra indevidamente, impede a correção
e ameaça quem tenta se defender.
Voltando
ao assunto do Núcleo Tributário criado por essa possível nova entidade
comercial, os assuntos acima e outros mais, seriam objeto de discussão com os
técnicos da Sefaz. Vamos supor que a Sefaz comprovasse a legalidade de
enquadramento dos CST 3 e 8 como produtos importados. Se tal comprovação
estivesse correta, o assunto poderia morrer ou gerar frentes de batalha em
outras instâncias. O importante, sempre, é a observação da legalidade. A grande
missão do Núcleo de Estudos Tributários estaria na construção dum gigantesco
banco de dados com enquadramentos fiscais pacificados.
Dias
atrás, verifiquei que uma empresa do Simples Nacional vem pagando uma série de
notificações indevidas. O proprietário simplesmente cansou de bater cabeça com
a Sefaz e resolveu pagar tudo que é cobrado. Uma dessas cobranças é
absurdamente confiscatória. O objeto, que é parte de um compressor de câmara
frigorífica foi classificado pela Sefaz como ventilador do item 62 do Anexo XX
da Lei 6108/22. Ocorre, que todos os produtos desse Anexo XX são bens finais. E
também, o parágrafo sétimo da cláusula sétima do Convênio 142/2018 diz que o
objeto da cobrança tem que ser vinculado ao segmento no qual está inserido. Ou
seja, a parte do compressor não está vinculada ao segmento de eletroeletrônicos
(não é bem final). A resistência da Sefaz poderia ser justificada pelo fato de
a simples descrição do produto na nota fiscal não deixar claro se o produto é
ou não um bem final. A solução dessa dúvida, que foi apresentada para a Sefaz,
estava no ato de consultar no Google: “Elgin código produto 45MC11B08PCA”. As
imagens geradas mostram componentes e não bens finais. Mas não teve jeito. A
Sefaz manteve a cobrança de 30% ao invés de 13%. Sabemos que o funcionário do
DECEM pode se deparar com normatização conflituosa indutora de erro, mas nesse
caso não há dúvida da ilegalidade taxativa. Inclusive, meus alunos vêm me
relatando uma onda de rejeição em massa das reanálises, o que vem obrigando
meio mundo de comerciantes ao pagamento de cobranças ilegais.
Agora,
por esses dias, aconteceu outro caso sinistro. O comerciante da Avenida
Francisco Queiroz sofreu retenção de ICMS-ST na compra de lâmpadas, onde o
fornecedor utilizou MVA ajustada de 96,40%. Mas a Sefaz, via DTE, cobrou
novamente o ICMS-ST pela MVA original de 63,67%. Esse procedimento não é normal
porque geralmente a notificação é zerada. E, tenho certeza que a Sefaz vai
criar imensas complicações para obrigar essa empresa a pagar o imposto dobrado.
O motivo de tanta pressão sobre os pequenos comerciantes está numa ordem
expressa do topo da administração pública estadual para aumentar arrecadação. E
pra onde vai o dinheiro do imposto? Vai pra toda espécie de escabrosidade
imaginável, como, por exemplo, quinze milhões de reais destinado aos clubes de futebol
amazonense na forma de emendas parlamentares. Ou então para comprar
respiradores superfaturados numa loja de vinhos.
Diante
de tantas escabrosidades fiscais, está mais do que na hora de o contribuinte
sair da letargia congelante e partir para a defesa da legalidade. Mas,
infelizmente, o hábito do jeitinho e das decisões isoladas solapa qualquer
ideia de organização ou de coletividade. Os comerciantes simplesmente não se
entendem, não conversam, não estudam tributação. E assim, se dividem, se fragmentam,
se pulverizam e se enfraquecem, convertendo-se em tudo o que a Sefaz mais
deseja: alvos fáceis de abusos confiscatórios. Mas em meio a tudo isso, é bom
lembrar do artigo 316 do Código Penal que diz que, se o funcionário da
administração fazendária exige tributo que sabe ou deveria saber indevido, ele
está sujeito à pena de reclusão de 3 a 8 anos, além de multa. Então, pelo menos
sob a ótica da lei escrita, não é somente a Sefaz que pode mandar prender o
contribuinte. Curta e siga @doutorimposto. Outros 479 artigos estão disponíveis
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