terça-feira, 11 de julho de 2023

A REFORMA TRIBUTÁRIA E SUAS INDAGAÇÕES


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   11 / 7 / 2023 - A483
Artigos publicados 

Nas produções da Netflix, Trapped (islandesa) e Schlafende Hunde (alemã), é possível observar a vida modesta do cidadão mediano, com casas simples, mobília barata, carros feiosos etc. Curiosamente, a série Schlafende Hunde mostra uma Alemanha com jeitão de terceiro mundo. Não é perceptível nessas produções europeias o exagero consumista dos filmes americanos, com lares aconchegantes e carrões confortáveis. Na vida real, os donos desses luxos americanos são pessoas comuns que exercem funções operacionais nos seus locais de trabalho. Ou seja, pra viver bem nos EUA, não é preciso ser diretor, empresário ou celebridade pública. Tanto é, que a faxineira americana roda num carro superior ao do engenheiro brasileiro. Então, qual a razão desse fenômeno social? É possível que a resposta esteja na tributação do consumo. 


O modelo IVA adotado na Europa é bem mais complexo e oneroso que o IVV americano. Com isso, o consumo nos EUA é intenso pela facilidade de acesso. Pesa também nessa balança a simplicidade burocrática americana que acaba enxugando os custos empresariais e ao mesmo tempo facilitando o controle governamental. Por outro lado, o IVA europeu impacta tripla e negativamente por encarecer tanto o produto quanto o custo empresarial e ainda o custo do controle governamental. 


Todo o gigantesco esforço da nossa reforma tributária foi concentrado exatamente num modelo IVA mais complexo que o vigente na Europa. Isso significa que os efeitos negativos serão potencializados no Brasil por manter restrições ainda maiores aos bens de consumo. Devido a tantos remendos na proposta aprovada na Câmara Federal, os tais IBS e CBS vão ficar parecidos com ICMS, Pis, Cofins e IPI. Na verdade, vamos trocar seis por meia dúzia se persistir o hábito de alterações compulsivas nas regras do jogo. E para piorar, a simplicidade atual do ISS vai acabar quando se tornar “não cumulativo”. Por exemplo, o contencioso enlouquecido envolvendo Pis/Cofins, assim como seu indecifrável gerenciamento é decorrente da mudança para a “não cumulatividade”. Isto é, na época que era cumulativo, Pis/Cofins tinha a simplicidade operacional do ISS. Por isso, as empresas de serviços estão prestes a abrir as portas do inferno burocrático. A confusão em torno dos “créditos” vai potencializar o nosso monumental e doentio contencioso, repercutindo na explosão dos preços dos serviços, quebradeira generalizada e perdas de emprego. Os políticos aprovaram uma coisa sem noção nenhuma dos desdobramentos no cotidiano das empresas e do cidadão comum. E aqueles que pagarão o pato têm muitas dúvidas, tais quais:


De cara, todo mundo quer saber da alíquota. E quanto à normatização, cada estado e cada município terá plena autonomia para interferir na legislação do IBS? Se isso for confirmado, nós continuaremos atolados na confusão normativa e nas tensões fiscais, já que cada ente vai fazer o diabo com propostas de modificações ensandecidas, de modo parecido com o modelo atual. Uma reforma verdadeira deveria impedir a comichão inquietante de mexer todo dia nas regras legais. 


Sendo tributos “por fora”, IBS e CBS serão destacados na nota fiscal do mesmo modo que o IPI? Nas etiquetas de preço e nas notas fiscais, produto e imposto serão informados separadamente? Após o processo de transição, vão continuar os regimes de substituição tributária, antecipação por difal, diferimento, redução de base, pautas fiscais etc.? Os estados vão ter autonomia para propor a criação e majoração de alíquotas, além de novas modalidades de IBS e também novos enquadramentos? Em suma, governadores e prefeitos vão poder chafurdar a legislação, ou haverá algum freio para a comichão modificativa? 


Como ficarão os destaques tributários no período da transição de sete anos? Ou seja, na nota fiscal haverá IPI, ICMS, PIS, COFINS, CBS e IBS, além de retenção de substituição tributária? Nesse intervalo, IBS e CBS serão mais dois tributos a se juntarem com os atualmente em vigor? Será mais carga de controle e mais custo burocrático para empresas e órgãos fazendários? E os contadores, vão trabalhar em dobro? Será que vão criar módulos novos no SPED? Uma coisa é certa: O primeiro ano da transição vai testar a capacidade de resistência do contribuinte brasileiro e muita gente vai amaldiçoar o legislador. 


Um detalhe perturbador: O legislador só traça linhas gerais da reforma tributária, enquanto a operacionalização é feita por técnicos fazendários não eleitos pelo povo, os quais, costumeiramente, distorcem a intenção do propósito inicial. Isso é materializado por meio de normas infralegais não discutidas no Poder Legislativo. As agências fazendárias são histórica e comprovadamente estabanadas no momento de implantação de novas regras tributárias. Basta lembrar do eSocial, que provocou um rebuliço nos ambientes contábeis e empresariais.


Uma provável armadilha nos espera durante a transição. Nesse período, haverá dois sistemas tributários atuando em paralelo. Na proposta reformativa, os velhos tributos irão diminuindo na mesma proporção que os novos serão aumentados. O que preocupa muita gente é o seguinte: Os estados, sentindo o gostinho de mais imposto, poderão incrementar a despesa pública e assim irão brigar no STF para aumentar os novos tributos sem diminuir os antigos. E o desfecho desse tipo de movimento, todo mundo já conhece. O mundo judiciário sempre decide em prol do fisco quando o equilíbrio das contas públicas é ameaçado. 


Um fato lamentável do nosso sistema está na poderosa indústria do contencioso que se agigantou nas últimas décadas, alimentada pela lama da burocracia. Os capitães dessa indústria movimentam bilhões de reais e assim podem manobrar autoridades para garantir o status quo. Com esse povo das sombras atuando sem cessar, fica evidente que o texto legal está contaminado por vícios de forma. Na verdade, quanto mais nos aprofundamos nessa história toda de reforma tributária, mais descobrimos que não há intenções altruístas e heroicas pulsando do coração do legislador. E o motivo reside nas desconfianças de que o grande propósito é a taxação estratosférica dos serviços. Em jogo também, pesam as vaidades e os dividendos políticos daqueles que se apresentam como pais da criança. Por sua vez, a população tapada vai acabar engolindo o discurso embusteiro de que tudo melhorou. 


A simplificação do nosso modelo hiper burocrático tem o poder de enxugar as estruturas de controle, tanto das empresas quanto das agências fazendárias. Se a reforma é tudo que estão dizendo, então, o que acontecerá com o monte de gente entulhada nos órgãos de controle governamental? Outra coisa: A confusão burocrática é fonte jorrante de propinas para corruptos de diversos quadrantes, uma vez que a indecifrável e subjetiva legislação abre caminhos para achaques e pressões de agentes públicos. Pelo jeito, a indústria da corrupção será profundamente impactada pela simplificação do novo modelo tributário. Sendo assim, será que esses corruptos participaram ativamente da construção da reforma aprovada na Câmara? 


O instituto do cashback previsto na reforma tributária evidencia a forte intenção das autoridades brasileiras para cristalizar nosso modelo tributário regressivo. Causa estranheza, a pressa na reforma do modelo regressivo e total morosidade nos impostos sobre renda e patrimônio. Isso é sinal de que os ricos continuarão não pagando imposto da mesma forma que faz os pobres. Estudos da professora Maria Helena Zockun (USP), mostram que os altíssimos rendimentos brasileiros pagam apenas 7% (IR), enquanto a classe média paga 27,5%. Ou seja, um trabalhador que ganha R$ 5.000 paga 27,5% de imposto de renda e mais 14% de previdência. Já, o ganho financeiro de R$ 5 milhões paga somente 15%. Muitos acenos indicam que esse modelo vai permanecer. Não há mínimo sinal no horizonte de que teremos uma progressividade semelhante à dos países de primeiro mundo. Logo, a tática do governo para aliviar a pressão sobre os males da regressividade está justamente no tal cashback. Ou seja, os beneficiários do Bolsa Família vão receber uns trocados e assim o Brasil deixará de ser injusto com os pobres. Isso significa que todo cidadão fora do Bolsa Família será considerado rico. Além do mais, o governo vai meter os pés pelas mãos no momento de operacionalizar esse dito cashback. Teremos notícias diárias de escândalos cabeludos sobre o assunto. 


O que causa revolta é o fato de que todo o sofrimento oriundo das ações governamentais sempre fica restrito ao trabalhador do setor privado. O agente provocador das desgraças sabe que seu alto salário e seus privilégios estarão garantidos, não importando a chuva de pragas que cai sobre o povão espoliado. E como o pato é sempre pago pelo setor privado, os políticos exageram no pacote de maldades. 


E pra finalizar, a intensa discussão da reforma tributária suscitou também a urgência da reforma administrativa, uma vez que as duas são siamesas xifópagas. Isso significa que não adiantará consertar um lado se o outro permanecer deformado. Inclusive, e como é notório, a perversidade do sistema tributário é consequência direta dos desmandos administrativos vigentes no poder público. A mulher que corrigiu os cabelos feios, percebeu que tinha que cuidar também das unhas, da pele, da postura, do sorriso etc. Portanto, se o perfil dos governantes continuar o mesmo, é certo que todo o bom propósito da reforma tributária será destruído em pouco tempo. Curta e siga @doutorimposto. Outros 482 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.



































Sua gestão fiscal é mediana ou estratégica?


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   4 / 7 / 2023 - A482
Artigos publicados 

O emaranhado de normas fiscais cria um terreno fértil para interpretações desencontradas, onde fica difícil enxergar as fronteiras entre certo e errado, como também, circunscrever o espaço adequado para manobras ousadas sem descambar para a ilegalidade. É fato indubitável que diversas operações não são mapeadas pela norma escrita, o que suscita reações precipitadas, tanto do fisco quanto do contribuinte. Trocando em miúdos, o agente fiscal sempre vai enquadrar o fato inusitado numa taxação confiscatória. E o contribuinte mal assessorado pode tropeçar feio ao se deixar levar pelo canto de sereias imprudentes com seus planejamentos tributários agressivos. Ou pior ainda, esse contribuinte flerta com o abismo quando não toma decisão nenhuma.

Há uma questão vital a se considerar nos embates fiscais, que é a seguinte: Em meio a tantas indagações e suspeições o profissional burocrata costuma buscar respostas prontas e rápidas junto ao agente arrecadador. Mesmo porque, esse profissional tem um enorme volume de tarefas para executar num tempo reduzido. O hábito de sempre empurrar interpretações enviesadas goela abaixo do contribuinte, conferiu super poderes aos funcionários da Sefaz, que não toleram discordância. A arrogância desses agentes públicos acabou eliminando o espaço para ponderações e análises do pagador de impostos. O espaço do diálogo foi ocupado pelas disputas judiciais. E brigar com a Sefaz custa caro. Por isso, a maioria engole o sapo e acaba pagando o confisco pra não ser bloqueado. As entidades representativas do comércio poderiam atuar como mediadoras, mas seus diretores não querem se indispor com a Sefaz.  

A coisa ficou tão judicializada que o contador pode achar que é perda de tempo, se debruçar em análises complexas para interpelar a Sefaz se ele sabe que não será ouvido. Parece que somente um bom advogado consegue impedir ferozes ataques confiscatórios que se materializam na forma de “erros” de cálculo ou de enquadramento taxativo. Portanto, o ambiente insalubre e traiçoeiro criado pela Sefaz exige alto nível de profissionalização das empresas comerciais. Muitos contribuintes já possuem equipes de trabalho prontas para administrar riscos fiscais. E tal preparo é fruto de investimento em capacitação profissional e também em modelos de gestão mais eficientes. A empresa deve identificar e reter os trabalhadores de alta competência, mesmo porque, o mercado está cada vez mais sedento de especialistas tributários.

É importante lembrar que assuntos fiscais não são prerrogativas exclusivas da contabilidade. Todas as pessoas que manuseiam uma nota fiscal deve, no mínimo, interpretar suas codificações com maestria. Quando isso acontece, os riscos são diminuídos porque muita gente fica atenta a erros no fluxo de informações. Por exemplo, o bom desempenho do setor de compras está condicionado ao domínio de várias questões fiscais. E a falta de conhecimento necessário está na razão de perdas financeiras expressivas, como também é fonte de conflitos e muito estresse.

Gestão fiscal não é assunto exclusivo de grandes corporações ou não cabe na realidade das pequenas empresas. Conheço muitos empresários que alavancaram negócios modestos por meio de controle tributário minucioso. Eles vivem se informando por diversas fontes ou então contratam recém formados de contabilidade para cuidar internamente das operações fiscais etc. Tempos atrás, tive um aluno que deu um show de conhecimento na sala de aula, mesmo sendo engenheiro e empresário do ramo de materiais de construção. É aquela velha história: A necessidade faz o sapo pular. Ou seja, quando não é possível contratar assessorias caríssimas, o jeito é se virar nos trinta. Por outro lado, tem gente mergulhada na escuridão administrativa. Conheci as entranhas dum ícone comercial da nossa cidade. E o que enxerguei, foi um ambiente tumultuado e pessimamente administrado. A coisa é tão feia que não havia nada de gestão interna tributária; tudo era feito por uma assessoria externa. Não à toa, descobri prejuízos astronômicos em pouquíssimas notas fiscais analisadas. Curta e siga @doutorimposto. Outros 481 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.