terça-feira, 24 de outubro de 2023

O PREÇO DA ESTUPIDEZ NORMATIVA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   24 / 10 / 2023 - A487
Artigos publicados 

O relatório do IBPT publicado no último dia 30 de setembro aponta a cifra de R$ 228 bilhões gastos anualmente com o tal “custo de conformidade”. Ou seja, dinheiro torrado na preparação dos tributos (com pessoal, equipamentos, consultorias etc.). Trata-se de um pesado custo administrativo que corrói as finanças de quem tenta acompanhar o frenético e transloucado ritmo de publicações fiscais. O estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação mostra que desde a promulgação da nossa Constituição até o dia 30 de setembro de 2023, foram editadas 492.521 normas tributárias; uma média de 55 por dia útil. Desse total, apenas 34.266 estavam em vigor. Isso significa que 93% do volume burocrático foram revogados. Os dados assustam, mas nesse período foram editados 5.531.011 artigos, 12.887.255 parágrafos, 41.206.301 incisos e 5.420.391 alíneas. Tais números se referem às regras normatizadas pelos dispositivos legais. O pior é que, além de sermos obrigados a ler tudo isso, devemos ainda observar o turbilhão de decisões judiciais que pega esse calhamaço e depois bate no liquidificador, transformando tudo num caldo venenoso. E agora vem a pergunta: Isso é normal? Ou existe algo demoníaco atuando nos bastidores do poder público? 

Uma nuvem de suspeita paira na cabeça do legislador tributário, já que não é possível enxergar seriedade no processo normativo. Tudo indica que existe no Brasil uma parceria maliciosa entre o legislador, a indústria do contencioso e o clube da corrupção. Basta observar o exponencial crescimento dos litígios tributários que caminham no mesmo ritmo do incremento de textos normativos cheios de violações constitucionais. Parece que um erro proposital é feito para depois ser corrigido nos tribunais. E no final das contas, os ganhos são partilhados. Nesse jogo, o corrupto faz o meio de campo ao aplicar multas sobre operações que sabe serem impossíveis de cumprir. Isso empurra o contribuinte para o abismo do contencioso, que já soma 75% do PIB. Muitos especialistas afirmam que mais da metade desse volume é crédito podre que nunca vai ingressar no erário. Isso mostra que o jogo diabólico funciona perfeitamente, já que meio mundo de gente não pagou e nunca vai pagar. E esse dinheiro sonegado está nos bolsos dos espertalhões que operam o jogo orquestrado pelo legislador e por vários atores públicos e privados. Podemos dizer que abrigamos a mais organizada e astuta máfia do mundo. Em matéria de roubalheira, somos especialistas, uma vez que o Tesouro dos EUA classificou a Operação Lava Jato como “o maior caso de suborno estrangeiro da história”. Somos também campeões do acobertamento, já que o STF vem aniquilando a Lava Jato e perseguindo seus autores, glorificando assim a corrupção e a impunidade. E é nesse ambiente sombrio que estamos vivendo e tentando levar uma vida normal. 

Com tantos desarranjos explodindo igual fogos de réveillon, resta o espanto frente à inércia congelante no corpo das vítimas de tudo isso. Grande parcela do empresariado paga o preço amargo do asfixiante Custo Brasil, mas os grandes jogadores empurram a conta para o consumidor. Nesse movimento agitado das placas tectônicas, muitos tentam escapar dos terremotos via aproximação do poder público. Tipo assim: Em vez de lutar contra o sistema corrupto, junte-se a ele. E os demais que se lasquem. 

Pois é. Mesmo assim, e até para quem lucra com o sistema doentio, a burocracia exacerbada inferniza o cotidiano de muita gente. Por exemplo, várias empresas amazonenses foram chacoalhadas com um problema de ajustamento de unidade de produto, onde tiveram que gastar verdadeiras fortunas na polêmica envolvendo UN, UND, UNI, UNID, PC, CX, GF etc. E detalhe: há o risco de autuações onerosas por causa disso. Agora, imagine explicar essa bizarrice para uma empresa estadunidense!! Eles vão achar que somos totalmente malucos. E somos mesmo. Somos malucos por engolir tais bizarrices sem articular um movimento para investigar o que existe por trás de tanta complicação normativa.  

Mas o fisco conhece os pecados das empresas, que não aceitam a implantação de uma reforma tributária com foco na progressividade. O fisco sabe da esperteza que existe no topo do empresariado brasileiro. Ele sabe que essa turminha não quer pagar imposto de renda de jeito nenhum. E sendo assim, o jeito é continuar incrementando a regressividade e também criando regras insanas para mascarar a realidade atroz dos impostos que tornam o consumo inacessível aos pobres. Portanto, um viva à bagaceira!! E viva à corrupção!! E viva à esperteza!! E viva ao jeitinho brasileiro!! Curta e siga @doutorimposto. Outros 486 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.



































 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Atenção redobrada com o ICMS-ST


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   17 / 10 / 2023
Artigos publicados 

Numa entrevista concedida ao programa Roda Viva o economista Bernard Appy disse que o ICMS é o tributo mais complexo do mundo, ao passo que o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, afirmou que a Substituição Tributária é a modalidade mais complexa do ICMS. Desse modo, somos atormentados pela complexidade da complexidade quando trabalhamos com a infinidade de produtos gravados com ICMS-ST. Esse fato nos obriga a tratar do assunto com a seriedade devida. Infelizmente, a grande massa de contribuintes ignora os efeitos nocivos do desconhecimento normativo quando compra e quando vende produtos dessa modalidade tributária. O erro mais comum está no despreparo para a tarefa de reanálise, uma vez que não somente código NCM e respectiva descrição esgotam os critérios de enquadramento, cabendo também, observar características do produto e atividade da empresa. Por exemplo, a lona plástica da posição 3920 de uso na construção está sujeita ao pagamento de ICMS-ST, mas a lona plástica da mesma posição 3920 específica para estufa não deve pagar ICMS-ST. Outro exemplo importante está na cobrança indevida de produtos enquadrados nos segmentos econômicos de autopeças e de materiais de construção, quando o adquirente atua no ramo comercial de refrigeração.

Outro detalhe fundamental está no bom uso da disposição contida no parágrafo sétimo da cláusula sétima do Convênio 142/2018, cujo poder é capaz de derrubar muitas cobranças indevidas (mas é preciso saber esgrimir). Eu, Reginaldo, consegui derrubar uma taxação de tubos de cobre; de 23,07% para 11% com base numa palavra contida na descrição do item 56 da Resolução 40/2015. Meses atrás, a Sefaz passou a rejeitar reanálises dos tubos de cobre. Há um caso ainda mais emblemático, onde consegui baixar de 69,51% para 11%. O produto em questão era um insumo utilizado no preparo de açaí frozen (NCM 21069029), onde a Sefaz enquadrou no item 24 do Anexo IIA do RICMSAM, cuja MVA era de 328%. O sucesso dessa reanálise se baseou no fato de que “preparado para fabricação de sorvete” é um produto pronto para uso, enquanto que o insumo em questão seria misturado com outros ingredientes. Curiosamente, a lei 6108/2022 acabou com essa MVA de 328%.

Tempos atrás, me deparei com uma situação curiosa. A empresa de produtos médico hospitalares comprou seringas que vieram com NCM inexistente na Resolução 37/2015, e que, por esse motivo, fui acionado para derrubar a cobrança de ICMS-ST. Quando bati o olho na NF eu desconfiei da classificação fiscal; abri a TIPI e mostrei para o funcionário da empresa que o NCM estava errado e que, portanto, a Sefaz acertou na cobrança por se orientar pela descrição do produto e não pelo NCM. Sugeri então que contactasse o fornecedor para regularização fiscal do NCM. 

Ao longo de muitos anos eu me deparei com situações mirabolantes envolvendo Substituição Tributária. Esse assunto é mais crítico nas empresas de autopeças, já que sofrem intensa retenção por parte dos seus fornecedores. Em visita a uma dessas empresas, me apresentaram uma nota fiscal de compra, em que identifiquei a falta do desconto ICMS. Consequentemente, houve prejuízo por causa da tributação majorada. E mesmo sem abatimento, havia apontamento do CST 30 e ainda anotação do Convênio 65/88 no campo “dados adicionais” da NF. Sendo assim, o fornecedor não pagou o ICMS próprio e nem o repassou ao destinatário. 

Muitos detalhes devem ser objeto de atenção redobrada, mas vou alertar o leitor para uma prática bastante comum e extremamente nociva ao adquirente amazonense. Trata-se da retenção de ICMS-ST sobre produtos que devem ser cobrados diretamente pela Sefaz amazonense. O grande risco está no ajustamento da MVA. Em julho retrasado, eu fiz esse alerta num treinamento “in company” ministrado numa empresa de materiais de construção. No dia seguinte me mostraram a NF 120381 (material elétrico) com retenção de ICMS-ST. Na conferência, descobri que o fornecedor paulista Demape utilizou nossa Resolução 40/2015 e, para piorar, ajustou a MVA, de 53,13% para 73,67%. Como resultado da lambança, o fornecedor cobrou R$ 30.120,63 quando o valor correto era de 22.133,24. Possivelmente, esse adquirente amargou prejuízos astronômicos ao logo de anos por não implementar uma gestão fiscal eficiente. Curta e siga @doutorimposto. Outros 486 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.

























terça-feira, 3 de outubro de 2023

O ESTRANGEIRO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   3 / 10 / 2023 - A486
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Cerca de 20 anos atrás, imperava no Brasil a prática de subfaturamento, também conhecida por nota calçada, meia nota etc. A sonegação fiscal ocorria numa escala absurdamente grandiosa, dificultando assim o trabalho dos órgãos fiscalizadores. O advento da nota fiscal eletrônica provocou um choque violento no ambiente empresarial, levando a profundas modificações na gestão fiscal e na cultura corporativa como um todo. A partir dessa nova realidade, o fisco passou a enxergar as notas de entrada, e, por consequência, as saídas precisavam guardar coerência. Mas antes disso, o governo já tinha cercado as movimentações de cartão (débito/crédito). Desse modo, o empresário cauteloso estabeleceu procedimentos baseados nas compras e nas maquininhas de cartão. Daí que, por muito tempo, houve espaço para pequenas engenhosidades, já que ficou difícil comprar com meia nota. As manobras ficaram difíceis com a chegada do pix, uma vez que os recebimentos passaram a ser quase que totalmente rastreáveis. O cerco se fechou de vez a partir da regra de alinhamento das saídas com as entradas (códigos de produtos); isso permitiu o controle efetivo do estoque pela Sefaz amazonense. No final das contas, toda essa saga fiscalizatória consagrou a vitória acachapante do agente fazendário. 

Apesar do caótico ambiente normativo, o empresário vinha trabalhando arduamente para se ajustar às exigências legais impostas pelo projeto SPED. Ou seja, comprar sempre com nota cheia e declarar todas as vendas pix ou cartão, já que, aparentemente, o fisco controla tudo. Mas esse ajustamento considera uma normatização vigorando na completude do território nacional e com toda empresa sujeita à mesma legislação. 

Pois bem. 

Um fenômeno exótico veio bagunçar toda uma estrutura construída ao longo de duas décadas. 

O estrangeiro foi chegando, chegando, se estabelecendo, se expandido até se consolidar como o mais importante abastecedor de inúmeros produtos. Esse estrangeiro construiu grandes centrais de abastecimento e também se proliferou nos espaços varejistas, atingindo uma capilaridade espantosa. 

Uma análise superficial pode indicar benefícios ao consumidor, geração de riqueza e integração ao mercado global. Até aqui, tudo bem. O mercado deve ser aberto a competidores mais eficientes e o consumidor deve ser o maior beneficiado pela concorrência saudável. O problema é outro. E, talvez, esse problema causado pelo estrangeiro só é considerado problema porque mexe com um problemão interno muito grave. Possuímos o mais complexo e mais perverso sistema fisco tributário do planeta. E o estrangeiro simplesmente deu um chute na bunda do nosso agente fazendário que repercutiu no traseiro do empresário brasileiro. 

Como dito anteriormente, a pressão do SPED levou à prática da nota cheia pelo temor fiscalizatório. Sendo assim, e com fornecedores emitindo nota certinha, o mercado adquiriu certo equilíbrio nas condições de concorrência. Mas o estrangeiro não é brasileiro. E pra piorar, esse estrangeiro tem as costas quentes. Ele sabe que se for alvo da mesma pressão sofrida pelos brasileiros, o gigante manufatureiro pode reagir negativamente e assim criar uma tensão diplomática perigosa. Por isso, os produtos entram no Brasil com preço declarado infinitamente menor que o real. Na outra ponta, o varejista estrangeiro não tem mínima preocupação de emitir nota ou de cumprir norma fiscal nenhuma. E também, as grandes centrais abastecedoras promovem ações rocambolescas nas formalidades legais de distribuição. 

O estrangeiro utiliza pacotes de empresas do Simples para vender até o estouro do limite. Os valores declarados correspondem a 10% do real. Também, são lançados nas notas fiscais, códigos aleatórios de NCM, CST, CFOP etc. As formalidades tributárias são bagunçadas. Lembro duma situação estranha, em que o fornecedor do Simples cobrou IPI do adquirente (uma coisa sem pé nem cabeça). Pra piorar, esse estrangeiro manda o comprador efetuar pagamentos para o fornecedor do fornecedor ou para pessoas estranhas etc. (zorra total).

Agora vamos ao Projeto SPED. 

Como fazer o registro fiscal das notas de entrada? Como escapar do rastreamento financeiro das movimentações “por fora”? Como alinhar os códigos de entrada com as saídas? Como escapar duma ação fiscalizatória se nada bate com nada? 

Os contadores costumam alertar para os perigos imediatos e futuros de tantos rebuliços, e sempre sugerem cortar relações com o estrangeiro. Mas o comerciante sempre diz que fugir do estrangeiro é a mesma coisa que fechar as portas, uma vez que não conseguem produtos bons de venda com outra fonte. Tanta confusão fez muita gente pensar que o estrangeiro está certíssimo e por isso mesmo, as práticas rocambolescas foram copiadas por quem antes andava certinho num ambiente tortuoso. E nesse vendaval todo, Sefaz e Receita Federal fazem vista grossa para o estrangeiro, ao mesmo tempo que pressionam e quebram o comerciante brasileiro com o peso das suas imposições acachapantes. 

Não faz muito tempo, determinada empresa comercial era sinônimo de gestão avançada. O dono investiu muito dinheiro em sistemas informatizados, além de controles precisos e diários para cumprimento exato da legislação tributária. A coisa ia muito bem até o estrangeiro chegar e esculhambar tudo. A pressão foi tão grande que hoje, esse empresário adota as mesmas práticas do estrangeiro, com muitas empresas do Simples em nome de terceiros etc., etc., etc. Esse empresário disse pra mim que essa foi a única forma de sobreviver, já que o agente fazendário só ataca os brasileiros. Curta e siga @doutorimposto. Outros 485 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.