segunda-feira, 1 de abril de 2024

JURIDIQUÊS SEFARIANO X N.E.T.


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   2 / 4 / 2024 - A491
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As empresas comerciais manauaras padecem de uma enfermidade organizacional, cujo principal vetor está na falta de informação tributária. Por isso, raramente encontramos um empresário confiante na sua gestão fiscal. E se pudéssemos mapear as estruturas de controle interno desses empreendedores, iríamos nos deparar com situações mirabolantes ou casos dramáticos de gente que se mantém viva por milagre. Geralmente, tantas desventuras nascem do nosso doentio sistema tributário; mais precisamente do cipoal enigmático derivado de normas carentes de objetividade. A coisa é tão enroscada que parece haver um propósito diabólico na mente do legislador. Noutras palavras, a coisa é caótica, mas não aleatória.

 

Os passos sucessivos do sistema caótico dependem da condição inicial, o que denota a importância de um mapa logístico para enxergarmos padrões dentro de algo que parece aleatório. Se nos debruçarmos no estudo de variáveis que descrevem um fenômeno, conseguiremos mapear a existência de aleatoriedade ou certo determinismo. Um sistema determinístico é um sistema de regras; e quanto mais assertivo for o sistema de regras, maior a possibilidade de capturar o processo determinístico do fenômeno analisado.

 

O senso comum consagra o paradigma do manicômio tributário como se fosse um fenômeno espontâneo da natureza; algo originado de conjunções planetárias influenciadas por ondas gravitacionais. Pois é. Na verdade, os manipuladores do poder tentam empurrar tais baboseiras na garganta do povão tapado. Na verdade, os movimentos caóticos podem ser minimamente delineados ou até precisamente traçados, desde que nos debrucemos sobre o assunto e assumamos o compromisso de trata-lo com seriedade. O ponto de injunção está no abandono da preguiça e consequentemente no agrupamento de forças para domar a fera. E isso é o que mais preocupa a cabeça de quem tira proveito do caos normativo.

 

O Brasil é a meca da esperteza, onde gente muito astuta fomenta um ambiente de deformidades para assim crescer sobre a desgraça dos incautos. Esse processo se desdobra em vários níveis, em que grupos replicam o modelo dentro das suas realidades sociais. Um bom exemplo está nos esquemas mirabolantes que cada empresa desenvolve para escapar da pressão tributária. A criatividade do empresário é prolífica e dinâmica. O problema é que as forças contrárias também não descansam. Os mais bem sucedidos nesse jogo, geralmente, são corporações guarnecidas por estratégias bem construídas. E fora desse padrão subsiste a grande massa de desinformados que trafega numa estrada esburacada. Portanto, o caminho para se nivelar aos eruditos tributários está no cooperativismo de classe.

 

Há muitos anos, defendo a ideia de um núcleo de estudos tributários dedicado às empresas comerciais; algo similar ao bem sucedido modelo da FIEAM. Esse projeto poderia ser abraçado por alguma entidade do comércio. O objetivo seria mapear toda a normatização tributária nos seus mínimos detalhes, de modo a esquadrinhar, principalmente, questões polêmicas e nebulosas que os bons advogados destrincham para lucrar alto.

 

É bom lembrar que raramente se vê gente da indústria perambulando nos corredores da Sefaz; normalmente, quem busca ajuda são funcionários do setor comercial. E o pior de tudo, é que, muitas vezes, alguém sai duma sala com uma orientação sobre determinado assunto, e na sequência, entra outra pessoa com o mesmo problema.

 

Na FIEAM, por exemplo, as questões que perturbam o funcionamento da indústria são trabalhadas de modo institucional, e os resultados distribuídos aos associados. Inclusive, o ilustre funcionário da Sefaz, Sr. Alan Corrêa, disse que a FIEAM é uma parceira da Sefaz por contribuir decisivamente para o aprimoramento normativo. Ocorre que, lamentavelmente, falta iniciativa semelhante no setor comercial.

 

Outro detalhe relevante: Vez por outra, as demandas do comércio são apresentadas por determinada entidade aos órgãos fazendários sem análise aprofundada dos fatos. Isto é, sem preparo técnico adequado. Por consequência, a Sefaz ou Receita Federal ou Prefeitura despeja seu juridiquês enigmático sobre a mesa de modo a neutralizar a conversa por falta de mapeamento amplo da questão pleiteada. Vale aqui ressaltar que um escrutínio da normatização ICMS abriria a caixa de pandora sefariana, onde afloraria meio mundo de distorções passíveis de ajustamento legal.

 

E pra finalizar, o N.E.T. se faz urgente e necessário no momento que estamos em plena travessia para o novo modelo tributário. O frenesi de análises nos grupos especializados gera inúmeras propostas que podem, inclusive, desvirtuar o propósito da EC 132. Nesse ponto de ebulição torna-se vital monitorar cada passo dos regulamentadores porque, certamente, os desatentos ficarão com as sobras. Não é nada inteligente acompanhar os eventos como cegos numa trilha que são guiados por autoridades divinizadas. Em vez disso, os comerciantes devem assumir o protagonismo das discussões que lhe dizem respeito. Curta e siga @doutorimposto. Outros 490 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.





































segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

POR QUE O CONTRIBUINTE NÃO TEM VOZ?


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   27 / 02 / 2024 - A490
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Nas culturas antigas o imposto era tido como penalidade de guerra. Ou seja, pagava imposto quem tombava no campo de batalha, quem era incapaz de vencer ou de fugir da espoliação. Talvez por isso, fomos destinados a viver numa luta incessante contra a mão pesada do agente fazendário. Somos naturalmente aversos a qualquer taxação; parece que isso está gravado no nosso DNA. E não é por menos. Afinal de contas, o imposto, por si próprio, carrega uma sucessão de fatos sangrentos que trituraram milhões de vidas para garantir a opulência dos poderosos. A História também registra inúmeros episódios de insurgências afloradas da revolta e da indignação, quando fome e desespero falaram mais alto. Ou seja, tudo tem um limite. E no Brasil, a gastança governamental desenfreada testa diariamente o limite do contribuinte. Somos testados pela pressão confiscatória que alimenta a ganância do alto funcionalismo. Além disso, engolimos um sapo cururu a cada corrupto protegido pelo sistema judicial. E assim, e apesar do verniz ideológico, repetimos o modelo tirânico vigente nas eras passadas.

 

O processo de independência dos EUA foi longo e doloroso. E talvez, o sofrimento e o custo para escapar da faminta coroa inglesa tenha contribuído para a construção do senso de responsabilidade sobre a máquina pública. Os estadunidenses são especialmente atentos ao dinheiro entregue para o poder público; eles cobram; eles se organizam num encadeamento de entidades fiscalizadoras para monitorar tudo que se refere aos órgãos públicos. Por outro lado, os agentes públicos, sabedores dessa permanente vigilância, se esmeram na gestão dos recursos que abastecem o erário. Pode-se chamar isso de accountability ou de controle social. Desse modo, o funcionário público americano não se preocupa tanto se determinado projeto é justo ou injusto, mas, acima de tudo, pesa sempre a opinião do contribuinte. Por exemplo, as pessoas resgatadas pelo governo americano na Faixa de Gaza se comprometeram formalmente a pagar os custos do transporte. Já, o governo brasileiro arcou com gastos imensos na mesma operação sem cogitar a possibilidade de ressarcimento.

 

Na visão do agente público brasileiro, não existe onipresença do contribuinte. O funcionário público concursado, por exemplo, acredita que foi ungido ao passar num concurso seletivo. Sendo assim, é digno de todos os privilégios, reverências e imunidades, onde os demais devem se matar para bancar seu padrão nababesco. Por exemplo, na pandemia, o patrimônio de milhões de pessoas foi destruído para manter intacto, o alto custo do funcionalismo. Enquanto as pessoas faliam ou morriam por falta de renda, o governador baixava o cacete nas cobranças tributárias. Isso mostra que não existe no poder estatal, o efetivo conceito de “servidor público”.

 

Quanto aos políticos que administram o erário, fica claro a total desatenção ao pagador de impostos. O presidente, o governador, o deputado etc., vão criando projetos frenéticos disso e daquilo que são alimentados com o suor do contribuinte. E todo dia ouvimos notícias sobre aumento de imposto para financiar pé-de-meia estudantil, projetos culturais, auxílio-reclusão, bolsa atleta, auxílio gás etc. A lista dos programas sociais é gigantesca, o que fomenta uma cultura de dependência, como se houvesse uma fonte mágica que jorra dinheiro (Se o governo paga tudo, pra que trabalhar?).

 

O fato mais curioso de tantos projetos assistencialistas, é que até podem ser justos, porém, os promotores da justiça social, em nenhum momento, consideram a opinião de quem paga a conta. O contribuinte brasileiro é um dos mais desrespeitados do mundo. E também um dos mais letárgicos e acomodados, já que sofre calado em meio aos açoites tributários que arrancam seu couro. Precisamos aprender com os agricultores franceses como se negocia com um governo autoritário. A cena de esterco jorrando nas portas dos órgãos públicos franceses é uma das coisas mais lindas já documentadas pela mídia em geral. Quem sabe, um dia acordaremos do berço esplêndido. Curta e siga @doutorimposto. Outros 489 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.





























terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Defesa do patrimônio empresarial


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   06 / 02 / 2024 - A489
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Em visita a uma indústria manauara, resolvi conversar com o funcionário do setor de compras, que estava ao telefone. Enquanto aguardava, mirei numa papelada sobre a mesa e assim observei o valor de R$ 841,46 retido no campo ICMS-ST duma NF de óleo lubrificante, cujo fornecedor se localiza em Mauá/SP. Passados alguns minutos, iniciamos uma conversa sobre a dita retenção; o funcionário comentou que isso acontecia há muitos anos, sendo diversas compras mensais. Eu então afirmei ser indevida a cobrança por inexistência de operação subsequente. Isto é, o lubrificante não era destinado ao comércio e sim, utilizado no processo industrial. E assim, rapidamente, elaborei um comunicado técnico para ser encaminhado ao fornecedor de Mauá, onde apontei justificativas legais para eliminação da cobrança. Uma hora depois, o fornecedor justificou a retenção com o parágrafo 3 do artigo 114 do RICMS/AM, que, estranhamente, confirma o procedimento. Por conseguinte, retruquei com o parágrafo 4 que afasta a cobrança de ICMS-ST quando o destinatário for estabelecimento industrial incentivado com crédito estímulo do ICMS. E a dita indústria é incentivada com crédito estímulo. Por fim, o fornecedor recuou da cobrança. Mas a história não parou por aí.

O assessor externo da indústria interferiu na questão e orientou o fornecedor a manter a cobrança, sob alegação de que várias indústrias manauaras pagavam ICMS-ST sobre lubrificante. Ou seja, se todo mundo paga é porque está certo. Em meio ao rebuliço, recomendei que fosse feita uma consulta tributária sobre o assunto no DTE da Sefaz; e que a Solução de Consulta teria força de lei e também o poder de esclarecer dúvidas. Nosso sistema é tão louco que pode haver algum motivo relevante para justificar o posicionamento do dito assessor.

Mais um caso antigo: Minha aluna de Eirunepé me enviou uma notificação, onde queria saber se o percentual de 38% cobrado sobre bebida alcoólica estava correto. Respondi que sim, mas atentei para outra questão. A base de R$ 97.392,63 vezes 38% resultava em R$ 37.009,20, mas na notificação constava R$ 41.446,15. Eu sugeri uma investigação junto a Sefaz para fins de esclarecimento. A minha aluna comentou que iria dizer ao adquirente que a cobrança estava certa. Ela afirmou que dificilmente conseguiria decifrar a estranha notificação, pela dificuldade de acesso à Sefaz. Como fiquei encucado com o assunto, resolvi analisar em profundidade. Descobri que o erro da Sefaz estava no apontamento da base de cálculo, que deveria ser o total da NF (R$ 109.068,82) e não o valor constante no campo base do ICMS próprio (R$ 97.392,63). Ou seja, o valor cobrado pela Sefaz estava correto, mas a demonstração estava errada.

A experiência de muitos anos com questionamentos de alunos e também com trabalhos de consultoria, me fez concluir que a verdadeira defesa do patrimônio empresarial deve partir do próprio dono ou dos sócios. É o proprietário que deve criar mecanismos capazes de escarafunchar tudo que for possível para evitar ou minimizar prejuízos tributários. Ou seja, seus funcionários precisam ser orientados para o trabalho investigativo, e não somente para questões de conformidade normativa. Por exemplo, eu analiso em sala de aula dois casos emblemáticos que renderam milhões para meu patrão quando eu era empregado duma distribuidora. O sucesso nas duas empreitadas aconteceu após esforços monumentais e exaustivos. Por isso, levanta-se o questionamento: Qual empregado ou consultor externo vai se matar para gerar valor ao patrão ou ao cliente? Imagine, por exemplo, se um escritório contábil vai dedicar horas ou dias num caso de taxação duvidosa. É claro que isso não acontece (a não ser que haja previsão contratual).   

Tudo isso nos faz refletir que, se o dono quer um trabalho minucioso e aprofundado na sua área tributária, ele próprio deve se especializar em tributação. Porque, só assim conseguirá extrair toda a capacidade investigativa da sua equipe. O conhecimento estimula questionamentos que impulsionam a equipe na busca por soluções inteligentes que permitam a empresa navegar em águas turbulentas. Curta e siga @doutorimposto. Outros 488 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.