segunda-feira, 29 de abril de 2024

REFORMA QUE NÃO REFORMA NADA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   30 / 4 / 2024 - A492
Artigos publicados  


Por que o consumo nos EUA é tão elevado? Por que tantos brasileiros se matam pra viver o sonho americano? É possível que o principal motivo esteja no acesso facilitado a produtos que no Brasil são muito caros. Por exemplo, nos EUA, um simples policial tem padrão econômico comparável ao rico brasileiro. E por que isso acontece? A razão está no modelo arrecadatório, que aqui é baseado no consumo, enquanto que nos EUA, o alvo da tributação é a renda.


A elevada taxação do rico americano permite uma cobrança menor no consumo. No ano de 2016, em resposta às provocações de Donald Trump, a candidata Hillary revelou que o casal Clinton havia ganhado US$ 10,6 milhões e pagado 43% de impostos. Ou seja, por conta dos altos rendimentos, o governo americano aplicou uma cobrança inimaginável no Brasil.


A taxação federal sobre renda nos EUA vai até 37%; há também o imposto de renda estadual. Essa carga é pesada para ganhos elevados, mas o rendimento anual de até US$ 11.000 é taxado com alíquota federal de 10%. Ou seja, quem ganha o equivalente a R$ 57.000 paga 10%. Enquanto isso, no Brasil, essa mesma renda paga 27,5%. Mas atentemos a essa curiosidade: O rendimento americano do equivalente a R$ 4.000.000 entra na faixa federal de 37%, enquanto que no Brasil essa mesma renda paga somente 7%.


O Decreto-Lei 1.814 de 1980 estabelecia uma alíquota máxima de 35% (imposto de renda). Ou seja, nessa época, estávamos próximos do modelo progressivo americano. Mas no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, o artigo 10 da Lei 9.249 de 1995 acabou com a tributação dos dividendos, sob justificativa de que o imposto não pago seria reinvestido para geração de mais atividade econômica e mais emprego. Ocorre que, na prática, a receita das pessoas físicas milionárias ficou isenta de imposto de renda. Outra justificativa dessa isenção na pessoa física é de que a taxação atual da pessoa jurídica é muito elevada (34%). Só que, pouquíssimas empresas pagam tudo isso. O Brasil é a capital mundial da esperteza, onde tudo é feito para que uma coisa se pareça com outra. Vamos explicar com números (por exemplo, tributação do comércio no Simples Nacional).


Se tomarmos R$ 3.600.000 vezes 14,3% chegaremos ao valor de R$ 514.800; menos dedução de R$ 87.300 a cobrança ficará em R$ 427.500. O percentual de repartição de IR/CSLL é de 9%, que resulta em R$ 38.475. O lucro empresarial de R$ 360.000 gera 10% de imposto de renda sobre dividendos. Esse imposto de renda cai para 5% se for distribuído lucro de R$ 720.000. Enquanto isso, o rendimento anual de R$ 56.000 obtido pelo assalariado paga 27,5%.


É por causa dessas engenharias tributárias, que o estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP) aponta a carga média de 7% de imposto de renda dos ricos brasileiros. E pra piorar só um pouquinho, além do imposto de renda, o salário paga 14% (empregado) mais 28% (patrão) de encargos previdenciários. Podemos dizer que vai para o bolso do empregado, metade daquilo que é gasto pelo patrão, se considerarmos diversos outros custos trabalhistas. E depois disso tudo, metade dos produtos consumidos por esse empregado é imposto. Resumo da ópera, três quartos do salário viram imposto. Esse é o motivo de a pessoa trabalhar, trabalhar e não conseguir construir nada. Nos EUA, o salário do empregado vai quase que totalmente para o bolso do empregado. Por isso, qualquer trabalhador pode comprar um carro, já que a taxação do consumo é dez vezes menor que no Brasil.  


A reforma tributária não mexe em absolutamente nada desse sistema doentio que penaliza o pobre em benefício do rico. Ou seja, décadas de rebuliços e debates infinitos serviram apenas para manter o sistema exatamente como está hoje. Isto é, toda a perversidade demoníaca vai continuar funcionando do jeito que sempre funcionou. Os produtos brasileiros continuarão extremamente caros por causa da gigantesca carga de impostos. E o governo vai continuar arrancando as tripas do trabalhador a fim de garantir que o rico continue sendo beneficiado por um sistema meticulosamente costurado para tributar somente o pobre.


Os mentores da reforma dizem que o objetivo é simplificar a tributação do consumo. Mas até isso está se degringolando com a infinidade de exceções e particularidades e isenções que resultará numa regulamentação extremamente burocratizada. Desse modo, a tal simplicidade vai rapidamente virar fumaça. E pra amenizar a odiosa regressividade (que vai permanecer incólume), inventaram o tal de cashback, cuja implementação demandará uma burocracia transloucada. Ou seja, o governo vai meter os pés pelas mãos nesse assunto. Por exemplo, como pedir nota fiscal do camelô ou do encanador que conserta um vazamento? Mas nossos governantes só se preocupam com a pirotecnia das notícias espetaculosas propagadas por uma mídia incapaz de traduzir o ambiente tributário (incapaz ou tendenciosa). Curta e siga @doutorimposto. Outros 491 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.














































segunda-feira, 1 de abril de 2024

JURIDIQUÊS SEFARIANO X N.E.T.


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia   2 / 4 / 2024 - A491
Artigos publicados  

As empresas comerciais manauaras padecem de uma enfermidade organizacional, cujo principal vetor está na falta de informação tributária. Por isso, raramente encontramos um empresário confiante na sua gestão fiscal. E se pudéssemos mapear as estruturas de controle interno desses empreendedores, iríamos nos deparar com situações mirabolantes ou casos dramáticos de gente que se mantém viva por milagre. Geralmente, tantas desventuras nascem do nosso doentio sistema tributário; mais precisamente do cipoal enigmático derivado de normas carentes de objetividade. A coisa é tão enroscada que parece haver um propósito diabólico na mente do legislador. Noutras palavras, a coisa é caótica, mas não aleatória.

 

Os passos sucessivos do sistema caótico dependem da condição inicial, o que denota a importância de um mapa logístico para enxergarmos padrões dentro de algo que parece aleatório. Se nos debruçarmos no estudo de variáveis que descrevem um fenômeno, conseguiremos mapear a existência de aleatoriedade ou certo determinismo. Um sistema determinístico é um sistema de regras; e quanto mais assertivo for o sistema de regras, maior a possibilidade de capturar o processo determinístico do fenômeno analisado.

 

O senso comum consagra o paradigma do manicômio tributário como se fosse um fenômeno espontâneo da natureza; algo originado de conjunções planetárias influenciadas por ondas gravitacionais. Pois é. Na verdade, os manipuladores do poder tentam empurrar tais baboseiras na garganta do povão tapado. Na verdade, os movimentos caóticos podem ser minimamente delineados ou até precisamente traçados, desde que nos debrucemos sobre o assunto e assumamos o compromisso de trata-lo com seriedade. O ponto de injunção está no abandono da preguiça e consequentemente no agrupamento de forças para domar a fera. E isso é o que mais preocupa a cabeça de quem tira proveito do caos normativo.

 

O Brasil é a meca da esperteza, onde gente muito astuta fomenta um ambiente de deformidades para assim crescer sobre a desgraça dos incautos. Esse processo se desdobra em vários níveis, em que grupos replicam o modelo dentro das suas realidades sociais. Um bom exemplo está nos esquemas mirabolantes que cada empresa desenvolve para escapar da pressão tributária. A criatividade do empresário é prolífica e dinâmica. O problema é que as forças contrárias também não descansam. Os mais bem sucedidos nesse jogo, geralmente, são corporações guarnecidas por estratégias bem construídas. E fora desse padrão subsiste a grande massa de desinformados que trafega numa estrada esburacada. Portanto, o caminho para se nivelar aos eruditos tributários está no cooperativismo de classe.

 

Há muitos anos, defendo a ideia de um núcleo de estudos tributários dedicado às empresas comerciais; algo similar ao bem sucedido modelo da FIEAM. Esse projeto poderia ser abraçado por alguma entidade do comércio. O objetivo seria mapear toda a normatização tributária nos seus mínimos detalhes, de modo a esquadrinhar, principalmente, questões polêmicas e nebulosas que os bons advogados destrincham para lucrar alto.

 

É bom lembrar que raramente se vê gente da indústria perambulando nos corredores da Sefaz; normalmente, quem busca ajuda são funcionários do setor comercial. E o pior de tudo, é que, muitas vezes, alguém sai duma sala com uma orientação sobre determinado assunto, e na sequência, entra outra pessoa com o mesmo problema.

 

Na FIEAM, por exemplo, as questões que perturbam o funcionamento da indústria são trabalhadas de modo institucional, e os resultados distribuídos aos associados. Inclusive, o ilustre funcionário da Sefaz, Sr. Alan Corrêa, disse que a FIEAM é uma parceira da Sefaz por contribuir decisivamente para o aprimoramento normativo. Ocorre que, lamentavelmente, falta iniciativa semelhante no setor comercial.

 

Outro detalhe relevante: Vez por outra, as demandas do comércio são apresentadas por determinada entidade aos órgãos fazendários sem análise aprofundada dos fatos. Isto é, sem preparo técnico adequado. Por consequência, a Sefaz ou Receita Federal ou Prefeitura despeja seu juridiquês enigmático sobre a mesa de modo a neutralizar a conversa por falta de mapeamento amplo da questão pleiteada. Vale aqui ressaltar que um escrutínio da normatização ICMS abriria a caixa de pandora sefariana, onde afloraria meio mundo de distorções passíveis de ajustamento legal.

 

E pra finalizar, o N.E.T. se faz urgente e necessário no momento que estamos em plena travessia para o novo modelo tributário. O frenesi de análises nos grupos especializados gera inúmeras propostas que podem, inclusive, desvirtuar o propósito da EC 132. Nesse ponto de ebulição torna-se vital monitorar cada passo dos regulamentadores porque, certamente, os desatentos ficarão com as sobras. Não é nada inteligente acompanhar os eventos como cegos numa trilha que são guiados por autoridades divinizadas. Em vez disso, os comerciantes devem assumir o protagonismo das discussões que lhe dizem respeito. Curta e siga @doutorimposto. Outros 490 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.