terça-feira, 15 de junho de 2010

Contabilidade para não contadores

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 10/06/2010 – Manaus/AM - pág. A4
www.artigo39.rg3.net

Ousados projetos de reestruturação organizacional ou de melhoria de controles internos desembocam em um mar de frustrações, muitas vezes, por incapacidade do gestor de abraçar uma causa com as próprias pernas. Infelizmente, a carga de responsabilidade que altos executivos suportam é muito pesada; decisões baseadas no seu discernimento e julgamento determinam os rumos que a organização deve tomar. A questão é se existe preparo suficiente para avaliação acertada de cada problema que se apresenta. Normalmente, assuntos relacionados à atividade-fim de um negócio são habilmente administrados. A coisa complica quando o gestor se vê obrigado a decidir, por exemplo, pela aquisição de um ou de outro sistema de gestão ERP, ou então desenvolver estratégias contábeis que resguarde a empresa de riscos internos e externos.

Complexas ferramentas de gestão demandam conhecimento específico; implantá-las de qualquer forma expõe a estrutura funcional a um choque desnecessário. É preciso que tal estrutura seja reforçada por uma cultura profissional adequada. Caso contrário, o processo desanda fragilizando ainda mais o ambiente.

Avaliar o desempenho de profissionais de áreas altamente especializadas sem conhecimento de causa leva o gestor a ações escalafobéticas e intempestivas. Ao profissional especializado resta o espanto frente a questionamentos tempestuosos e irracionais. De fato, lidar com a ignorância e com convicções tortuosas inviabiliza qualquer ímpeto motivacional. O resultado dessa química reversa é uma sucessão de conflitos com consequências danosas para ambos os lados.

Um bom exemplo dessa dicotomia é o ajuizamento deformado da contabilidade, sua função e utilidade para o controle do patrimônio de uma organização. Muita gente que deveria conhecer nunca se interessou por essa coisa enigmática chamada contabilidade. Por anos a fio o contador foi tido por muitos donos de empresas como o oráculo dos regulamentos tecno-fisco-tributários. Sua impenetrável linguagem técnica desencorajava aqueles que tentavam saber um pouco mais sobre o assunto. Esse tempo passou.

Contabilidade é coisa séria. Agora, muito mais. Buscar conhecimentos contábeis para melhor interagir com o contador é uma atitude saudável. Não se trata aqui de imiscuir-se na seara alheia. Apesar das muitas responsabilidades que os administradores já carregam nas costas não há como fugir de mais essa. Uma série novas exigências legais vem abarrotando as empresas de controles fiscos-contábeis e onerando seu custo administrativo. Inobservância de tantas novas exigências expõe a organização a iminentes riscos de autuações fiscais.

A estrutura conceitual do novo modelo contábil instituído pela Lei 11.638/2007 contempla maior interação das atividades do contador com as do administrador devido a conceitos de subjetividade responsável, aspecto qualitativo da informação contábil, segurança na condução da gestão etc. A colaboração de diretores e executivos em geral é muito importante para proporcionar consistência aos relatórios financeiros produzidos pelo departamento contábil.

A dupla função de atendimento fiscal e gerencial demanda, consequentemente, serviço dobrado. Tanto um quanto o outro são críticos para o bom funcionamento de um ente jurídico e os dois devem ser objeto de constante discussão e aperfeiçoamento. Além do mais, um bom embasamento contábil propicia ao gestor uma visão amplificada da sua organização. A contabilidade é um fantástico instrumento de controle do patrimônio. Quão surpresos ficam aqueles que descobrem seu inesgotável potencial de suporte à gestão. E quantos projetos de implantação de controles gerenciais seriam bem sucedidos caso administradores e contadores falassem a mesma língua.


Conhecimento contábil não é importante somente para executivos. A disseminação dos sistemas de gestão ERP demandou diversas necessidades de capacitação profissional dos operadores dessa moderna ferramenta de controle de processos. Dentre as novas habilidades requeridas, a contabilidade é uma delas. Portanto, é recomendável buscar no mercado treinamento de contabilidade para não contadores

REPERCUSSÕES DO SPED

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 15/06/2010 – Manaus/AM - pág. A4
www.artigo38.rg3.net

Estamos no mês de entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD) e só agora é que muitos contadores acordaram para a seriedade do assunto. Só agora estão correndo atabalhoadamente atrás de treinamentos, leituras, pesquisas etc. Só agora estão procurando os técnicos do departamento de T.I. para averiguar questões de compatibilidade e adequação. Só agora estão descobrindo que sua escrituração contábil terá que ser amplamente reformulada para passar no crivo do PVA (programa validador e assinador – IN RFB 848/2008).

O Decreto 6.022, que instituiu o SPED, data de 22/01/2007. Diversas empresas que estavam sujeitas ao acompanhamento econômico-tributário diferenciado transmitiram sua ECD ano passado. Não há então justificativa aceitável para tanta correria em cima da hora. Também não há justificativa para, nesse momento, responsabilizar outros departamentos pela inércia do contador. As ações necessárias ao cumprimento do SPED que fossem de responsabilidade dos setores de T.I. ou Financeiro, por exemplo, só poderiam ser implementadas mediante orientação do contador. Não compete a esses setores a obrigatoriedade do conhecimento de normas fisco/tributárias. Isso é uma prerrogativa do contador. Daí, que orientações pertinentes ao assunto em questão deveriam ter sido prestadas no segundo semestre de 2008, quando do planejamento da escrituração contábil de 2009.

Um dos pontos mais inquietantes da ECD está relacionado à obrigatoriedade da produção de dados analíticos. Quem escriturou contas Clientes e Fornecedores por totais movimentados terá que fazer o desdobramento em livro auxiliar. O problema é se tal cuidado não foi oportunamente observado nos controles internos de cada um dos meses de 2009. Se os devidos cuidados não foram tomados tempestivamente, será preciso agir com urgência, ou seja, fazer a composição analítica de cada período (vendas/recebimentos; compras/pagamentos). A responsabilidade pela orientação sobre a forma de adoção de procedimento que gerasse informação contábil adequada é exclusiva do contador. Isso vale para toda modificação de configuração dos controles internos e contábeis necessários ao atendimento das normatizações legais do SPED.

Vale ressaltar que a ECD base 2010, entrega 2011, demanda cuidado redobrado. A Resolução CFC 1.255, que entrou em vigor em 01/01/2010 estabeleceu importante mudança no reconhecimento contábil de receita e respectivos tributos diretos. É recomendável a leitura da seção 23 da supracitada resolução, além das 22 páginas do CPC 30. É bom verificar se o plano de contas atende às Leis 11.638/2007, 11.941/2009 e Res. CFC 1.255/2010; também, se o grupo de custo está adequadamente estruturado e se existe um eficiente controle de retenção de tributos. Há várias outras observações a fazer.

Em consideração ao processo de convergência da nossa contabilidade às normas internacionais, A Resolução CFC 1.255 aprovou a NBC T 19.41 (Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas). O objetivo desse dispositivo legal foi encerrar a discussão sobre a adoção da contabilidade internacional para pequenas e médias empresas. Suas 255 páginas são um resumo das 43 orientações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Devido à insuficiente clareza do texto, é mais adequado recorrer ao CPC correspondente de cada seção desse texto legal.

Avizinham-se ondas e mais ondas de mudanças. A Instrução Normativa RFB nº 989, de 22 de dezembro de 2009 instituiu o E-Lalur, que ainda não é obrigatório porque o governo não disponibilizou o software. A transmissão conjunta da ECD com o E-Lalur permitirá a operacionalização de um dos projetos mais ambiciosos do SPED, que é a Central de Balanços - prevista para entrar em operação ano que vem. O governo vai montar o balanço das pessoas jurídicas.

Tem mais! Está previsto SPED para empresas do lucro presumido; as contas contábeis indedutíveis do imposto de renda devem ser desdobradas; é necessária a existência de balanço de abertura em 01/01/2010 para adequação à Resolução 1.255/2009; todos os balanços deverão ser acompanhados de notas explicativas etc. Enfim, o contador precisará ter ombros semelhantes ao do mitológico Atlas para sustentar um mundo de tantas responsabilidades. Será que estamos preparados para tudo isso?



quinta-feira, 3 de junho de 2010

APOCALÍPTICO SPED

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 03/06/2010 – Manaus/AM - pág. A3
www.artigo37.rg3.net

No dia 23 de outubro de 2001 foi publicado no DOU a IN SRF 86 que dispunha sobre informações, formas e prazos para apresentação de arquivos digitais a Receita Federal. Essa instrução normativa alcançava empresas que utilizassem sistemas de processamento eletrônico de dados para registrar negócios e atividades econômicas ou financeiras, escriturar livros ou elaborar documentos de natureza contábil ou fiscal, excluído pessoas jurídicas enquadradas no Simples. Tais arquivos digitais só eram apresentados ao fisco mediante intimação, sendo vedado o compartilhamento com outras administrações fiscais (Estados e Municípios).

Sorrateiramente, o governo, através da Emenda Constitucional nº 42, Art. 37, Inciso XXII, estabeleceu o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, além da atuação integrada das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Foi aberto assim, caminho para o Decreto 6.022/2007, que instituiu o Sistema Público de Escrituração Digital, o qual foi complementado por um rol de dispositivos legais acessórios, como a IN DNRC 107/2008, Resolução CFC 1.020/2005, IN RFB 787/2007 etc.

O Art. 3º do supracitado Decreto 6.022 determina que além das administrações tributárias federal, estadual e municipal, são usuários do SPED as entidades da administração pública federal direta e indireta que tenham atribuição legal de regulação, normatização, controle e fiscalização dos empresários e das sociedades empresárias. O Art. 4º estabelece limite de competência de tais usuários e observância aos sigilos comercial, fiscal e bancário. Assim, o Banco Central terá acesso ao SPED. Também, a CVM, Ibracon, INSS; Fazendas Estaduais e Municipais. Isso, até onde se sabe. O que não se sabe é como, na prática, a coisa vai funcionar. Principalmente, se o artigo 4º vai impedir a ação de arapongas.

Daí, que um determinado órgão que receber balanço em um processo de licitação pública poderá pedir validação da peça contábil à Receita Federal. A Fazenda Municipal tem prerrogativa de se valer do repositório de dados do SPED para efetuar cruzamentos com informações colhidas em diligências fiscais. Quanto ao faminto fisco previdenciário, esse, certamente fará incursões virulentas no repositório do SPED – o suporte legal já existe. Trata-se da Lei 8.212/1991, Art. 32, Inciso II, que manda lançar mensalmente em títulos próprios da contabilidade, de forma discriminada, os fatos geradores de todas as contribuições da empresa e os totais recolhidos. Acrescenta-se a isso a obrigatoriedade da observância das 85 páginas do CPC 33 com sua complexa e filosófica definição de benefícios a empregados. Portanto, muitíssimo cuidado com a contabilização de valores que envolvam empregados e prestadores de serviços. As multas são astronômicas.

O SPED está tirando o sono de muitos empresários e o emprego de muitos contadores. Quem vinha mantendo sua contabilidade em ordem e seus processos de controle interno organizados, teve ou está tendo poucas dificuldades na digestão desse sapo gordo e enverrugado. Na realidade, o SPED é um grande teste de organização contábil e empresarial. Os profissionais que manipularam a integridade da informação contábil estão nesse momento envoltos em amarguras e tormentos para sair da areia movediça – quanto mais se mexem, mais afundam.

Não é fácil enganar o SPED. Basta lembrar que uma escrituração contábil decente deve observar grande variedade de preceitos técnicos e legais que nunca foram rigorosamente obedecidos pela maioria dos contadores. A checagem do SPED é eletrônica, o fiscal não é mais de carne e osso. Agora, ele é uma poderosa inteligência artificial. Por exemplo, o SPED tomará o saldo anterior da conta Clientes, adicionará vendas, deduzirá o saldo atual da mesma conta Clientes e cruzará o resultado com as disponibilidades. Em vista de tantas possibilidades, é muito importante confrontar dados do balanço e da DIPJ com as demais declarações apresentadas ao fisco - tudo está sendo cruzado; as chagas estão sendo expostas.

Apocalíptico: [Do grego apokalyptikós, 'que revela'] Difícil de compreender; obscuro; pavoroso; fim do mundo.

terça-feira, 1 de junho de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SPED

Reginaldo de Oliveira
E-mail – reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio em 01/06/2010 – Manaus/AM - pág. A4
www.artigo36.rg3.net

Antes da criação dos estados nacionais, não existia uma prática tributária sistematizada. Os exércitos eram constituídos quando ocorriam conflitos bélicos e dispensados quando as guerras acabavam. Com a criação dos estados nacionais, surgiu a necessidade de manutenção de um exército permanente para garantir a integridade territorial. Dessa forma, as pessoas passaram a financiar a máquina do estado. Só que não mais esporadicamente, mas de forma permanente e sistematizada. Surgiu aí o embrião do braço armando e financeiro do estado.

O estado copiou as práticas da igreja para se organizar como uma entidade burocrática. Ou seja, regido por normas voltadas principalmente para o controle da arrecadação de tributos. Desde então o embate entre contribuinte e agente arrecadador resultou em ações rocambolescas do primeiro para defender o seu bolso, e métodos mirabolantes do segundo para garantir a sua parte na riqueza produzida.

O fisco brasileiro é particularmente voraz e burocrático ao extremo. Um estudo feito pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), publicado pela Gazeta Mercantil em 03/10/2008, mostra que num período 20 anos foram editadas 240.210 normas tributárias, sendo que somente 7,3% desse total estão em vigor. São 2.697.558 artigos, 6.285.311 parágrafos e 20.096.809 incisos. Esse volume insano de normas retrata o esforço do fisco em acuar o contribuinte para garantir o cumprimento da legislação tributária. Em meio a esse turbilhão de dispositivos legais as ações que demonstraram eficiência foram os mecanismos de inteligência fiscal e investimentos maciços em infra-estrutura de tecnologia da informação. Desde as primeiras declarações de imposto de renda entregues em disquete, a máquina fiscal do estado brasileiro vem desenvolvendo uma eficiência assustadora.

Antigamente, o contribuinte se valia dos seus registros para calcular seus impostos na forma da lei e em seguida rezava para que suas contas nunca fossem devassadas por uma fiscalização. Devido a insuficiente estrutura nos quadros de agentes fiscalizadores, ficava definitivamente valendo aquilo que era recolhido. O fisco não dispunha de meios para avaliar a correta aplicação da lei junto a todos os contribuintes. Com o advento das normas voltadas para declaração prévia daquilo que era recolhido e a evolução dos meios eletrônicos de entrega dessas obrigações acessórias, o contribuinte passou a ser mais cauteloso em vista dos cruzamentos de informações. Um avanço espetacular nesse sentido ocorreu com a implantação do Sintegra, que formou uma rede de troca de informações entre os entes federativos possibilitando um controle inteligente das operações de compra e venda de mercadorias. Os registros de tais operações passaram a ser armazenadas no RIS (Rede de Informações Sintegra).

A experiência do Sintegra contribuiu sobremaneira para o desenho do que viria em seguida. O Decreto n° 6.022/2007 instituiu o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), o qual obriga várias empresas a repassar para o fisco todos os seus registros contábeis e fiscais na forma de arquivos eletrônicos. Vários outros dispositivos legais estão envolvidos na operacionalização dessa nova modalidade de controle fisco-tributário. Dentre as mais importantes está a MP n° 2.200-2/2001 que Instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP- Brasil), uma forma de garantir a autenticidade, integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica e das aplicações habilitadas que utilizarem certificados digitais.

O SPED é o instrumento que unifica as atividades de recepcionar, validar, armazenar e autenticar os livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal de grande número de empresas, mediante fluxo único e computadorizado de informações (art. 2º Dec. 6.022/07). Tem como objetivo tornar mais célere a identificação de ilícitos tributários com a melhoria do controle dos processos.

Deduz-se então que dessa forma o fisco se tornará onipresente nas organizações - uma espécie de Big Brother. O SPED dará ao fisco um imenso poder de controle, visto que ele poderá fazer uma infinidade de processamentos a partir do seu repositório de dados. Existem tecnologias avançadas de garimpagem de dados (data mining) que se bem trabalhadas podem produzir informações de alta relevância e identificar operações irregulares em negócios aparentemente legais.