terça-feira, 24 de maio de 2011

O DESABAFO DA PROFESSORA

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio AM 24/05/2011
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Pode-se afirmar que o dia 10 de maio de 2011 é um marco histórico. Nessa data a Professora Amanda Gurgel de Freitas proferiu o mais lúcido e mais corajoso discurso em defesa do nosso depauperado sistema educacional. O alvo era a Secretária de Educação e um grupo de parlamentares em uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. Ela começou sua fala com a exibição do seu contracheque de 930 reais; comentou que esse valor não era suficiente nem para pagar a indumentária que as autoridades presentes utilizavam para frequentar aquela casa. O que se seguiu foi um bombardeio de poderosos argumentos que demoliram o palavreado falacioso, tão utilizado por políticos demagógicos que costumam culpar o professor pelo estado calamitoso da escola pública. Brilhantemente, essa heroína brasileira deixou as autoridades caladas e atônitas diante das verdades que foram obrigadas a engolir.

Apesar do conteúdo denso e impactante da exposição da Professora Amanda, não houve de imediato nenhuma repercussão sobre esse fato inusitado. Nada foi publicado na mídia local; não houve sequer uma notinha nos “releases” oficiais da própria Assembléia, entidade promotora do evento. Suspeitamente, a imprensa preferiu se calar para não expor as vísceras apodrecidas do sistema educacional potiguar. A salvação ocorreu graças a santa internet, redentora dos sem-acesso-à-verdade, pessoas obrigadas a consumir informações pasteurizadas pela mídia oficial. Por isso é que somente após uma semana o acontecimento foi amplamente noticiado por conta da explosão no Youtube e nas redes sociais.

A mídia, que antes se calou, agora está explorando exaustivamente o acontecido; estão tentando tornar a imagem da professora mais importante do que a causa que a transformou numa celebridade instantânea. Mesmo assim, o clamor em defesa da educação está se proliferando na internet em escala nunca antes vista na história desse país. Tendo ultrapassado um milhão de visualizações, o vídeo histórico é um despertador barulhento que está apavorando uns e acordando outros. O efeito positivo é ilustrado pelo despertar das consciências que se sentiram estimuladas a promover uma imensa corrente de protestos através de manifestações que pipocam na internet. O efeito negativo pesará sobre as autoridades (in)competentes, as quais serão obrigadas a mudar urgentemente seus caquéticos discursos. Para esse tipo de gente, o tal vídeo é simplesmente um pesadelo apavorante.

Esse fantástico episódio apresenta-se como uma grande lição de cidadania. Mostra tacitamente o poder do cidadão, que habitualmente se comporta como um boi manso e inconsciente da sua força. A própria Amanda Gurgel disse não entender toda essa repercussão, visto que simplesmente descreveu a rotina vivenciada por alunos e educadores. Talvez o grande mérito dessa cidadã esteja na forma como tratou do assunto: com propriedade, com tranquilidade, com assertividade, com inteligência e principalmente com muita coragem. Se tivesse se descabelado, gritado ou insultado os presentes à audiência ela seria dada como louca e esquecida pouco depois. Mas não. Ela demonstrou a eloquência daqueles que são eleitos para defender o povo e não o fazem. Os deputados presente deveriam morrer de vergonha, se é que isso seja possível para esse tipo de gente.

terça-feira, 17 de maio de 2011

PODEMOS REVOLUCIONAR A EDUCAÇÃO

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br
Publicado no Jornal do Commercio AM 17/05/2011
Artigos publicados

O intelectual marxista Leon Trotski afirmou que quando o cidadão apático desperta e daí por diante começa a participar ativamente da administração do país, logo adquire consciência do imenso poder que está em suas mãos; poder de fazer acontecer, poder de desarticular as putrefatas estruturas que oprimem os desamparados, poder de mudar o destino da nação. Há no site www.reginaldo.cnt.br/1968 um fantástico relato que ilustra muito bem essas questões. Era maio de 1968 na França, quando a reação de Daniel Cohn-Bendit à provocação do ministro da juventude culminou na expulsão desse aluno da universidade de Nanterre. Seus colegas reagiram em protesto acendendo assim o estopim que deflagrou a mais ampla revolução popular da história moderna, o consagrado MAIO DE 68.


Nessa época, a França vivia um momento de grande prosperidade econômica onde o Estado e a elite burguesa acreditava piamente que o tempo das revoluções populares tinha ficado lá no passado. Mal sabiam eles que por baixo da aparente calmaria da classe trabalhadora havia um crescente descontentamento que fermentava e se proliferava por todos os segmentos da sociedade. Os dirigentes achavam que a população estava mais preocupada com a manutenção dos seus empregos. Acreditavam que o povo era incapaz de se organizar, de lutar pelos seus direitos. E assim, com o poder das massas fragmentado era fácil neutralizar uma ou outra ação de rebeldia. Mas quando a nação inteira de trabalhadores tomou as ruas no mais fantástico e subversivo levante popular, o governo foi obrigado a desfiar um rol de concessões e por muito pouco o poder republicano não desabou de vez. Tanto que o então presidente Charles de Gaulle, pronto para abandonar o país, disse certa vez: “O jogo acabou. Em poucos dias os comunistas estarão no poder”.


Os fatos acima ilustram com propriedade as consequências das ações populares organizadas. É fato sabido de todos que existe uma onda de descontentamento que se estende de norte a sul do nosso país. Tal descontentamento é protagonizado pela classe docente que, desprezada por décadas pelo poder público, resolveu finalmente despertar e assim exigir respeito da sociedade. As ações ainda são muito tímidas e demonstram a grande fragilidade de qualquer movimento: a falta de articulação organizada. De qualquer forma é melhor do que a apatia vigente em décadas passadas. O professor se tornou mais consciente do seu papel na construção da nação e agora se encaminha para o centro do palco social. Também há uma grande mobilização da mídia em torno do assunto educação. Mas ainda falta muito por fazer.


O princípio da cidadania encabeça a nossa carta magna, demonstrando assim a extrema importância da participação ativa do cidadão na administração do país e envolvimento nas coisas públicas. Isso significa sair do acanhamento e mostrar para o mundo que os bonitões lá do topo da pirâmide social foram construídos pelo professor. De nada adianta criar secretarias entupidas de apadrinhados políticos para desenvolver projetos de melhoria da qualidade da educação. De nada adianta constituir ONGs voltadas para projetos educacionais, que muitas vezes só servem para encher os bolsos dos seus dirigentes. De nada adianta criar metodologias mirabolantes e esquecer de estabelecer um plano sério de carreira para o professor, de remunerar dignamente a atividade em sala de aula e as atividades de planejamento e correção de provas. Resumindo, respeitar o Educador. Tudo que for desenvolvido, tudo que for planejado será transmitido ao aluno pelo professor. Não é o secretário de educação que dá aula. Os alunos não querem saber de intelectuais e burocratas que criam teorias educacionais mirabolantes. Eles querem saber se o professor é capaz de lhe preparar para a vida pessoal e profissional. É isso.


Então, professores, o momento é mais do que favorável para revolucionar a nossa tão esmolambada Educação. Vamos livrá-la dos farrapos e vestí-la com roupas novas. Dispomos de uma espetacular ferramenta, que são os BLOGs da internet. Vamos usá-los então. Se cada professor se dedicar a expor suas idéias num BLOG, criar grupos de discussão, trocar experiências, criar BLOGS voltados para grupos de estudos, BLOGS de alunos, BLOGS de funcionários das secretarias etc., poderemos formar uma rede de conexões infinitas. Não nos preocupemos em escrever bonito. O importante não é a forma, e sim o conteúdo. Miremos no MAIO DE 68. Podemos sim, revolucionar a educação desse nosso Brasil.

terça-feira, 10 de maio de 2011

DIGNIDADE AO PROFESSOR

Reginaldo de Oliveira
reginaldo@reginaldo.cnt.br Publicado no Jornal do Commercio Manaus/AM 10/05/2011
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De que matéria-prima é feita uma nação? Monteiro Lobato disse que uma nação se faz com homens e livros. Um agricultor habilidoso separa as melhores espigas para semente. Dessa forma, ele trabalha com o intuito de aprimorar constantemente a qualidade da sua colheita. Providencialmente, Finlândia e Coréia do Sul fazem algo semelhante no seu processo educacional, onde os melhores alunos são convidados a ingressar na docência. Não é à toa que esses países ostentam altíssimos níveis de desenvolvimento científico e tecnológico. Daí, que ano após ano repetem a façanha de mostrar ao mundo a razão da sua grandiosidade, tal qual seja, o seu material humano.

A ululância candente do óbvio salta aos olhos e mesmo assim aturamos uma série de subterfúgios, teorias e infindáveis debates que mais parecem aliterações cacofônicas (um cachorro correndo atrás do próprio rabo). Trocando em miúdos, em vez de muita gente se debruçar em exaustivas discussões filosóficas acerca da melhoria da qualidade educacional, esse pessoal deveria simplesmente planejar formas de conferir dignidade ao Educador oferecendo-lhe uma carreira promissora e bem remunerada. O problema é que muitos buscam uma fórmula algorítmica que produza alunos brilhantes a partir de professores medianos.

O sucesso de alguns países no campo educacional parece não nos servir de modelo a ser seguido. O foco dessas nações avançadas é uma liturgia em torno da figura emblemática do professor – sentimento compartilhado por toda a sociedade. No Brasil, o professor é despido dessa aura divina, atuando apenas como um apagado figurante no teatro social, sendo que muitas vezes é esquecido nos bastidores da vida. Mesmo assim, alardeiam-se nos vários segmentos da mídia as nossas intenções de ingresso no grupo dos países do primeiro mundo. Certamente, faremos história se conquistarmos essa proeza à revelia da valorização do professor.

É impressionante como o gigantismo da máquina estatal derrama rios de dinheiro no poço sem fundo da burocracia, da ineficiência, do fisiologismo, dos esquemas diversos, da corrupção etc. E mesmo assim não sobra verba para oferecer uma remuneração decente ao professor. O governo dispõe de caixa para pagar dez mil reais a um assessor parlamentar e não pode pagar mais que um salário mínimo para muitos professores dos rincões desse nosso Brasil. O tal assessor pode até ser analfabeto, mas o professor deve reunir uma infinidade de qualificações que lhe permita forjar a massa crítica que acaba por fim definindo a face da nação brasileira. Tal realidade é algo que angustia e revolta.

Atualmente, um clima de desilusão permeia a mente de muitos alunos em relação à carreira de professor, onde acompanham diariamente as agruras da vida dos seus mestres. Por isso ambicionam profissões menos sacrificantes e mais rentáveis. Isso acontece até mesmo nos cursos de pedagogia – uma tragédia para as próximas gerações. Outro aspecto curioso a se considerar é que os alunos egressos dos cursos de pedagogia são majoritariamente oriundos das classes sociais menos abastadas, pessoas de difíceis condições sociais que escolheram um curso mais simples e mais barato – uma antítese à prática da Finlândia e da Coréia. Por isso é que o futuro professor já começa desmotivado com o que lhe espera depois de formado. Somente aqueles com forte espírito messiânico conseguem angariar entusiasmo para abraçar resignadamente a nobre causa da educação. Assim, há que se pensar na sorte dos alunos quanto ao tipo de professor que terão em sala de aula, se os engajados ou os conformados.


Que tipo de cidadão será constituído por um professor despreparado e mal remunerado? Assusta-nos o fato de que quanto mais nova a criança, pior a qualidade do ensino. Sem base, o aluno segue descompensado através das várias etapas da sua escolaridade. É fato recorrente nas salas de aula a presença de alunos absolutamente deslocados por falta de conhecimento que deveriam ter obtido nas séries anteriores. As mensalidades mais altas das escolas particulares de referência estão justamente no complexo processo de formação educacional da criança bem novinha. Mas isso é privilégio de uma classe social muito restrita, cujos filhos irão morar no exterior assim que estiverem prontos para a vida.