terça-feira, 18 de outubro de 2011

VORACIDADE DESMEDIDA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 18/10/2011
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Poder-se-ia considerar o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), atual COFINS, como o ícone mais representativo das trapalhadas e voracidade do Fisco brasileiro. Acrescente-se ainda a esse angu encaroçado a incompetência do legislador que fomentou a indústria das ações judiciais e entupiu os tribunais com pilhas e pilhas de processos. Instituído pelo Decreto-Lei 1940/82, sua alíquota inicial de 0,5% passou a ser continuamente majorada até chegar aos atuais 7,6%; um estratosférico crescimento de 1.420%. Onde, senão no Brasil um tributo cresceria tanto? E o governo não está satisfeito. Aliás, nunca está. Afinal, pelo ralo, que mais parece um bueiro, escorre rios de dinheiro que alimentam as bocas insaciáveis da corrupção e dos desmandos dos administradores públicos. Um relatório da ONG Transparência Internacional revela que setenta bilhões de reais são consumidos anualmente no Brasil pela corrupção, o que equivale a duas CPMF. Considerando-se a corrupção como um câncer disseminado em todas as células do tecido social, é claro e evidente que esse valor é muito, muito maior.

É notório e sabido de todos que o governo é o pior dos piores administradores. Ninguém tem a cara de pau dura e lustrada o suficiente para contestar essa verdade cristalizada no imaginário coletivo. A estratégia utilizada é incutir na alma do cidadão a idéia de normalidade desse estado de coisas. O pior é que isso tem funcionado. Tanto, que fatos escabrosos e gritantes de corrupção são assíduos frequentadores dos noticiários sem que nenhuma medida séria de efetiva punição seja tomada. Os protagonistas e figurantes dos enredos mais cabeludos propagados na mídia seguem suas vidas tranquilas, certos de que absolutamente nada poderá ser feito enquanto políticos e juristas discutem o sexo dos anjos, empurrando a questão com a barriga por décadas a fio. Por esse motivo, ninguém está disposto a fechar o bueiro, visto que enquanto o contribuinte não gritar o governo vai continuar empurrando. Ironicamente, ou sarcasticamente, os artigos 119 e 121 do Código Tributário Nacional (Lei 5172/66) classificam o governo como sujeito ativo e o contribuinte como sujeito passivo da relação tributária. Diga-se de passagem, uma relação dolorida para quem paga a conta.

A máquina de fabricar leis é incansável e o furor legislativo só acontece quando o objetivo é prejudicar o contribuinte. Os assuntos realmente sérios são esquecidos no fundo da gaveta. É o caso da regulamentação do artigo 150, parágrafo 5º, da nossa Constituição Federal, que diz o seguinte: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Ou seja, o cidadão desatento continuará sem saber da quantidade de impostos que paga em tudo que consome. No dia que esse cidadão tiver consciência do peso da carga tributária no seu orçamento, ele não mais irá tolerar abusos, hoje comuns na administração pública.

Além de majorar as alíquotas dos tributos, os entes fazendários passaram também a encurtar o prazo de pagamento. Encurtaram tanto que o imposto passou a ser recolhido antes do fato gerador. A SEFAZ/AM foi além. Passou a antecipar até o fato gerador, cobrando notificação de ICMS de mercadoria ainda não ingressada no estado, contrariando as disposições do artigo 118, RICMS/AM (Dec. 20686/1999). Se esse ímpeto arrecadatório não for contido, onde iremos chegar? Qual é o limite da voracidade desmedida do Fisco? Por essas e por outras é que esse submundo fiscal precisa urgentemente ser combatido.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PAPO DO MALANDRO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 11/10/2011
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O artigo 368 do Novo Código Civil diz que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. A obviedade dessa afirmação salta à vista de qualquer pessoa com um mínimo de discernimento. E o legislador foi sucinto e direto devido ao fato de não haver absolutamente nada a acrescentar ou especular. O estado de lucidez que permitiu a elaboração desse artigo só foi possível porque ele é destinado às relações que não envolvem o poder público. Quando o mesmíssimo assunto abrange as entidades fazendárias a coisa muda completamente de figura. O artigo 374, vizinho do 368, que tratava da compensação de dívidas fiscais e parafiscais, foi revogado pela lei de um artigo só e meia dúzia de palavras, a de número 10.677/2003. A exposição de motivos para tal revogação está na E.M. 26, de 09/01/2003, que menciona o comprometimento da estabilidade fiscal e graves prejuízos ao erário.

O Código Tributário Nacional, que deveria estabelecer um mínimo que fosse de justiça fiscal, é utilizado pela própria Fazenda Nacional para negar o exercício do direito de compensação tributária. O legislador, obedecendo fielmente a E.M. 26, tratou de criar um cipoal de regulamentações legais denso e entremeado com o objetivo de dificultar ao extremo o acesso do contribuinte ao dinheiro de sua propriedade retido nas mãos do Fisco. Atitude que afronta a nossa toda remendada CF/88, Art. 5, XXII, que afirma que “é garantido o direito de propriedade”. Ou seja, a PROPRIEDADE é o crédito reconhecido e homologado pela SEFAZ, por exemplo, que mesmo o contribuinte possuindo um milhão de reais a título de ICMS represado no órgão, continua sendo obrigado a pagar cem mil reais de ICMS mensalmente; algo que empresário nenhum engole por mais que se apresentem duzentas mil páginas de legislação justificando o injustificável.

A Receita Federal do Brasil tem evoluído positivamente nessa questão, inclusive permitindo a compensação entre tributos de naturezas diferentes. As legislações fazendárias de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são mais maduras que a nossa e demonstram maior disposição em respeitar o contribuinte e conferir mais racionalidade na sua aplicação. Deduz-se, dessa forma, que a legislação federal que está hierarquicamente posicionada acima das legislações estaduais, deixou a cargo dos estados a missão de tratar do assunto compensação tributária da forma que lhes convier. É como se houvesse um ranking de estados mais atrasados e mais evoluídos em matéria tributária. No frigir dos ovos, o tal cipoal legislativo é resultado de uma grande orquestração de legisladores que trabalharam intensamente na criação de um gigantesco e complexo labirinto de falácias e sofismas para dar um ar de legalidade à negação do direito de compensação tributária; algo muitíssimo parecido com o papo do malando escorregadio que faz de tudo para não pagar o que deve. Cabe a cada um de nós reagir, amparados pelo inciso LXXIII, do artigo 5º, da nossa Carta Magna, que diz o seguinte: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo à moralidade administrativa”.

Como o Estado brasileiro não pode negar o direito aos seus cidadãos, as administrações fazendárias transmitem aos lesados e espoliados contribuintes, a mensagem de que a única alternativa é recorrer ao Judiciário. Claro, como é sabido até dos cachos de tucumãs pendurados lá no mato, a justiça brasileira é uma ficção. E as entidades fazendárias conscientes disso, sabem que o crédito de uma infinidade de contribuintes continuará represado. Mesmo que um ou outro gato pingado sem juízo acione a Justiça, as finanças do erário não serão impactadas. Dessa forma, os signatários do E.M. 26, os senhores Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci Filho poderão dormir despreocupados.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

PROMOTORES DO ATRASO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio AM em 04/10/2011
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Desde que a presidenta Dilma começou a reagir com intolerância às denúncias de corrupção no seu governo, alguns setores da sociedade organizada estão aos poucos despertando do sono letárgico que impede o exercício pleno da cidadania. As vassouras fincadas na frente do Congresso Nacional representam o clamor de um país saturado da esculhambação institucionalizada pelos promotores do atraso e da corrupção. A pretensão do Brasil em adentrar no clube dos países dito desenvolvidos e de sediar os dois mais importantes eventos esportivos mundiais têm sido útil para levantar o debate acerca dos empecilhos que atravancam o funcionamento da máquina social e econômica do país. Questões cruciais como a ineficiência do Estado, insegurança jurídica, legislação incompreensível, corrupção etc., estão borbulhando na mídia e nas conversas informais. Espera-se que essa movimentação produza algum tipo de efeito positivo.

De forma geral, o cidadão comum é um desacreditado na moralidade da coisa pública. Mais ainda, é um cético convicto. Isso é uma tragédia para as gerações atuais e futuras; mostra que algo urgente deve ser feito para amenizar o pesado clima de ceticismo que rodeia a todos nós. A edição da Revista Veja da semana passada traz uma lúcida e esclarecedora matéria sobre o nosso absurdo sistema jurídico, onde leis se sobrepõem, se colidem e se enroscam umas nas outras, tornando impossível a sua interpretação e aplicabilidade. Esse cipoal de dispositivos legais tem como objetivo dificultar a vida de quem produz. Ou seja, enquanto o setor produtivo trabalha duro pela geração de riquezas e divisas, os burocratas engravatados, lá do alto dos escritórios isolados do resto do mundo, maquinam os mais mirabolantes e indecifráveis meios de prejudicar quem trabalha de verdade. Por tudo isso, está mais do que na hora de extirpar esse câncer da vida produtiva brasileira. Xô, burocratas!!!

Por mais que se propague aos quatro ventos que o poder é do povo, que vivemos numa democracia, o dito povo se comporta como gatos paralíticos enquanto os ratos fazem a festa. As entidades representativas da sociedade, associações, federações etc., têm sua parcela de culpa por não formarem grupos de estudo que identifiquem erros e proponham ajustes que forem julgados necessários. Se impostos são exigidos antes do fato gerador, que então as entidades das classes empresariais convoquem o secretário da fazenda estadual e exijam uma mudança; digam simplesmente: “não temos como pagar antes de vender”, “não dá mais!!!”, “chega de estrangulamento do fluxo de caixa”... É preciso simplesmente ação; ação coordenada. Os gatos não podem temer os ratos. A lógica demonstra justamente o contrário.

A semana passada foi marcada pelo resultado da firme reação do Conselho Regional de Contabilidade que não aceitou engolir o sapo enverrugado da nova nota fiscal eletrônica que a prefeitura de Manaus pretendia implantar na marra. Por enquanto, o CRC tem sido bem sucedido nas suas ponderações. As regras de funcionamento do tal GissOnline não são claras para ninguém. Os técnicos do sistema dizem uma coisa, os auditores da prefeitura dizem outra coisa e os atendentes da SEMEF não sabem o que dizer. Conclusão, o contribuinte se transforma em bola de ping-pong, sendo jogado de um lado para o outro, onde regras antigas se misturam com as novas. Assim, a solução de problemas fica dependente do grau de amizade com as pessoas certas. Quem não tem amigos vai fazer uma infinidade de peregrinações até um dia ver seu processo indeferido por falta de um carimbo.