terça-feira, 29 de novembro de 2011

Reconciliação da dissonância sistêmica

Reginaldo de Oliveira

Publicado no Jornal do Commercio em 29/11/2011
Artigos publicados

Você, empresário, conhece bem a sua empresa? Talvez você esteja precisando ter uma boa conversa com o seu contador. Ele pode fornecer um diagnóstico preciso da saúde do seu patrimônio e oferecer uma série de demonstrativos que possibilitem a análise do desempenho das unidades de negócio, apontando as potencialidades e deficiências de cada uma. A instrumentação técnica da ciência contábil existe para isso, para fornecer informações de qualidade ao administrador para que este possa também tomar decisões de qualidade.

A pauta da reunião com o contador pode começar pela análise minuciosa da estrutura do plano de contas para verificar se o mesmo é adequado e se atende às necessidades de produção de informações gerenciais. Outro ponto importante a ser discutido são os tipos de relatórios a serem apresentados e a periodicidade dos mesmos. Não menos importante é o planejamento fiscal, incluindo todo o conjunto de elementos tributários passivo de rigoroso controle. Faz parte das atribuições do contador a preparação de estruturas de custos e de orçamento. Outros assuntos podem entrar em pauta, como questões societárias, composição de preço de venda, ou até mesmo investigar se a empresa está crescendo ou se está inchando.

Por décadas a fio, a voracidade arrecadatória da nossa onipotente Receita Federal criou um hiato entre contador e administrador, estabelecendo um relacionamento antagônico entre os dois. O motivo dessa dissonância estava na objetividade normativa que aleijava a técnica contábil. Um bom exemplo eram os percentuais legais de depreciação do ativo fixo. Quem fugisse do padrão era multado. Dessa forma, quando o administrador batia o olho no saldo da conta Ativo Imobilizado, de ponto reclamava que o valor estava errado. Por esse e outros motivos, os relatórios contábeis só tinham utilidade para o fiscal da Receita Federal. O administrador se via obrigado a buscar outras fontes de informação para subsidiar suas decisões.

A reconciliação desses dois importantes protagonistas do cenário econômico e social brasileiro foi patrocinada pelo advento da Lei 11.638/2007, que trouxe para a nossa realidade contábil e empresarial todo um imenso conjunto de disposições contábeis maturados ao longo de décadas de discussões acerca da elaboração de demonstrativos que objetivassem evidenciar com alto grau de fidedignidade a situação patrimonial de uma organização. Claro, isso provocou um choque brutal na nossa tirânica Receita Federal, que até hoje não conseguiu sair do imbróglio em que se meteu por conta do padrão contábil IFRS. O motivo talvez seja a incompatibilidade do nosso rocambolesco e indecifrável ambiente legal com a seriedade das normas internacionais de contabilidade, administradas pelo IASB, cuja sede fica na capital britânica.

As normas internacionais de contabilidade (IAS/IFRS) estão sendo abrasileiradas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, o qual já produziu um denso arsenal teórico direcionador da interpretação dos fatos patrimoniais e até mesmo da reconstrução perceptiva do profissional da contabilidade. Agora, não basta transpor os fatos patrimoniais para os relatórios contábeis. É preciso também avaliar as potencialidades futuras de uma organização. É essencial transmitir confiança e transparência ao mercado e às partes interessadas (stakeholders). Estamos vivenciando a era da subjetividade responsável cujo foco é a segurança na condução da gestão.

Os contadores que estão conseguindo digerir todas essas mudanças se tornarão peças extremamente valiosas para o ambiente empresarial e parceiros imprescindíveis dos administradores.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

DOUTRINA DO REFOLHAMENTO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 22/11/2011
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Em recente visita ao Brasil, o Nobel da Paz e autoridade máxima do budismo tibetano, o dalai-lama afirmou que a raiz dos grandes problemas atuais, inclusive no mundo dos negócios, está na falta de valores; pregou que as escolas passem a educar o coração antes do cérebro, para que, dessa forma, as pessoas possam lidar equilibradamente com um mundo de tecnologia, de consumo, de relações sociais refratárias etc.

É possível que, na realidade, o brasileiro esteja cansado das aeronaves midiáticas que incessantemente sobrevoam sua cabeça e despejam carradas de bombas incitadoras do consumo e desencaminhadoras do comportamento da sociedade. O nosso ambiente social é intensamente carregado de mensagens, conceitos e propostas que abarrotam a percepção do indivíduo até o limite da alienação, sendo que muita gente gostaria mesmo era de escapar um pouco dessa realidade sufocante e resgatar os valores primordiais dos seus avós. Prova disso é o sucesso do Pereirão, de Fina Estampa, atual novela da Rede Globo – a personagem Griselda é absolutamente inflexível quanto à retidão dos seus valores morais. A mulher batalhadora que criou os filhos dentro dos mais rígidos padrões de conduta se transformou num refúgio em meio ao oceano de ignomínias que impera principalmente na esfera pública.

O Brasil é simplesmente o paraíso do descaramento e o seu povo é de uma mansidão incompreensível. É impressionante o volume de casos de corrupção, de desmando, de sem-vergonhice, de descalabro que o cidadão brasileiro tem engolido dia após dia e o ritmo alucinante dos acontecimentos escandalosos. Os promotores de tanta balbúrdia se chafurdam em meio ao escárnio que externam quando se transformam em alvo de investigações. Esse pessoal sabe que o solitário anzol da Justiça é muito frágil e por isso não aguenta o peso dos grandes peixes. Os calhordas são também sabedores de que esse mesmo anzol solitário pouco pode fazer diante de um mar infestado de tubarões. Tal cenário dantesco é mais do que um terreno propício à proliferação dos piores tipos de criaturas humanas, pessoas que adotam a doutrina do refolhamento já na tenra idade. E já na tenra idade são arrebatadas pelo péssimo exemplo que vem de cima, vem de baixo, vem dum lado, vem do outro, vem da frente, vem detrás; desde bem cedo aprendem a arte da mentira e do cinismo social. Até o nosso poeta Renato Russo tentou descobrir por que é mais forte quem sabe mentir.

O coroamento dessa nefasta arte da dissimulação acontece nos eventos políticos. Prova disso foram as recentes audiências na Câmara onde o nosso desmemoriado e falastrão Carlos Lupi fingiu que esclarecia fatos nebulosos e os demais colegas políticos fingiram que estavam ali para questionar o ministro sobre denúncias de irregularidades publicadas na mídia. Ali, em meio ao espetáculo de hipocrisias e imposturas se estabeleceu o triunfo da mentira. Dali foi transmitida para todo o país a mensagem de que o mentiroso é sim o mais forte.

Como será que acontece o processo de catequização desses eminentes caras-de-pau? É possível que desde bem pequeno os safados já comecem simulando choro de fome para chamar a atenção dos pais. Mais tarde, mordem os colegas do maternal e culpam o vizinho do lado. Um pouco mais crescidos, dizem que não quebraram a janela do vizinho. Quando adolescentes, juram fidelidade para a namorada, bebem escondidos, colam na prova até o dia em que dão um golpe no caixa da empresa em que trabalham. Assim, vão se doutrinando até estarem prontos para ingressar na política.

domingo, 20 de novembro de 2011

TEATRO DOS DESENTENDIDOS

Reginaldo de Oliveira

Saber dissimular é o saber dos reis. Essa máxima foi sentenciada pelo maior manipulador político da história francesa. O Cardeal de Richelieu possuía uma incomum habilidade de se agregar ao mandatário do poder estabelecido. Primeiro, durante um evento pomposo, fisgou a rainha-mãe, Maria de Médici, com um eloquente elogio que deixou constrangido alguns membros da igreja, já que o merecedor de todas as honras era o menino rei Luis XIII. Um ano depois era nomeado secretário de Estado para assuntos estrangeiros, o que o fez penetrar no círculo íntimo do poder. Poder esse que estudou em profundidade como se dissecasse um sapo. O passo seguinte foi se aliar ao amante da rainha-mãe e assim explorar as fragilidades do homem que era então tido como o mais poderoso da França. Richelieu tratava o amante Concino Concini como se ele fosse o próprio rei. Poucos anos depois o crescido rei Luis XIII mandou matar Concini e prender muita gente importante. O religioso continuou ao lado de Maria de Médici que em retribuição convenceu o filho a nomeá-lo conselheiro do rei. Com a sua posição consolidada ao lado de Luis XIII, Richelieu abandonou a rainha-mãe e passou a manipular as ações do rei, moldando a França segundo sua visão.

O tal “saber dos reis” foi perdendo gradualmente a aura de nobreza até se transformar em pura cara-de-pau. Um exemplo retumbante é a recente reestréia da ópera-bufa “A Bola da Vez”, agora protagonizada pelo ministro Carlos Lupi; uma tragicomédia de vários atos que ainda não acabou. A cena mais hilária aconteceu quando o ministro tentou lembrar o nome do abnegado empresário Adair Meira, o qual providenciou uma aeronave para ser utilizada pelo próprio ministro em compromissos de agenda oficial do Ministério do Trabalho no Maranhão. Foi visível a inabilidade da encenação do esquecimento, como se o eminente político tivesse faltado a algumas aulas da escola de arte dramática.

Os “esclarecimentos” prestados pelo ministro a um grupo de parlamentares sobre as denúncias de irregularidades na sua pasta adquiriram contornos teatrais. Mas precisamente, um teatro de desentendidos, onde foi possível perceber expressões de surpresa, indignação, seriedade etc. Era cada uma mais convincente que a outra. Alguns até ficaram horrorizados com histórias escandalosas de desvios de dinheiro público.

Obviamente, o que aconteceu de verdade é que cada pessoa presente ao evento procurou representar bem o seu personagem, já que tudo estava sendo acompanhado pela imprensa. O protagonista lá do centro do palco se esforçou para aplicar com rigor a máxima do Cardeal de Richelieu. Claro, não foi bem-sucedido devido a alguns escorregões e exageros no discurso. Os inquiridores, por sua vez, tentavam cercar o ministro com questionamentos embaraçosos, mas tudo feito de acordo com a doutrina do refolhamento.

Toda essa representação é coisa de profissional experimentado – verdadeiros macacos velhos; raposas com muita quilometragem no currículo. Ali, na tal audiência na Câmara, os atores por baixo das máscaras dos personagens sabiam da história verdadeira e sabiam também quais seriam as perguntas certas a fazer e que não foram feitas.

Uma pessoa normal teria imensas dificuldades para carregar para cima e para baixo o pesado figurino de um personagem sem dar um minuto de descanso para a atividade interpretativa e teatral. Será que nem no banheiro de casa, tomando banho, esse pessoal consegue se livrar por um momento do figurino, da maquiagem e dos apetrechos do seu personagem?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

ATÉ O OSSO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 08/11/2011
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Instalou-se no país uma sinuosa campanha em prol da volta da famigerada CPMF. Os articuladores desse movimento estão se utilizando da velha tática de ir comendo o mingau quente pelas beiradas: é uma fala aqui, uma menção ali, um comentário acolá etc.; tudo feito com o objetivo de ir amansando o povo até haver espaço suficiente para o Fisco desferir o golpe fatal. A mídia tem contribuído bastante para esse movimento através da veiculação de reportagens que mostram situações escabrosas da saúde nos quatro cantos do nosso Brasil. O cidadão é bombardeado em um dado momento com cenas chocantes de pacientes morrendo nas filas de atendimento e logo em seguida assiste ao discurso de um figurante de Brasília insistindo na tese de que a única solução para o problema da saúde é abocanhar o bolso já todo mordido do contribuinte brasileiro.

Um fato por demais curioso não é divulgado com tanta veemência pelos meios de comunicação, que é o galopante aumento da arrecadação de impostos, taxas e contribuições. Não é também divulgado que após o corte da CPMF o nível de arrecadação subiu muito, resultado da eficiência dos mecanismos de acuamento do contribuinte cujo símbolo maior é o projeto SPED. Felizmente, a sociedade brasileira está acordando para o maior de todos os problemas e a raiz de todos os malefícios que inviabiliza qualquer projeto de futuro. A corrupção passou a ser motivo de manifestações organizadas por uma infinidade de pessoas cansadas da bandalheira institucionalizada e patrocinada pelo setor público.

O que espanta o observador um pouco mais atento é o fato do governo não dar absolutamente nenhum sinal de que está efetivamente combatendo a corrupção. A mensagem constantemente captada pelos radares da população brasileira é de que a festa dos corruptos está longe de acabar. Casos e mais casos escandalosos de corrupção não param de estampar capas de jornais e revistas. Parece pipoca estourando na panela. Mesmo assim, nenhuma notícia concreta de punição é ouvida pelo desacreditado e desamparado cidadão brasileiro. Governo entra, governo sai e o que se vê e ouve é muito discurso e pouca ação.

Segundo recente reportagem da Revista Veja, somente 7 centavos é recuperado de cada 100 reais roubados. A mesma reportagem afirma que uma análise feita pela Controladoria Geral da União mostrou que a probabilidade de um funcionário corrupto ser condenado é de menos de 5%; a possibilidade de cumprir prisão é quase zero. Ou seja, não há como deixar de imaginar a existência de um mirabolante e gigantesco esquema de fomento e estímulo à corrupção. É como se vivêssemos num Estado cujos ossos do seu esqueleto é feito de corrupção. O músculo do coração do Brasil é feito de corrupção. O principal componente do sangue que corre nas veias da nação é a corrupção. O ar que todos respiramos está causticamente carregado de corrupção. A corrupção está nas frutas, no refrigerante, no sabonete, no asfalto das ruas, no cimento das paredes, na energia elétrica, nas roupas íntimas etc. Ou seja, um pingo de seriedade nos programas de combate à corrupção seria suficiente para fazer aparecer uma montanha de dinheiro para a saúde.

Esse estado de coisas lembra a história do operário de uma obra que por um ano não lavou a rede em que dormia. No dia em que a dita rede foi colocada de molho na água com sabão em pó ela se esfiapou em vários pedacinhos de tecido. Ou seja, o grude das costas sujas do operário se impregnou de tal forma no algodão da rede que não pôde mais ser retirado sem que o tecido fosse destruído. Será que é a corrupção que mantém o Brasil de pé? Será que se extrairmos os corruptos do Congresso Nacional o prédio vai cair devido aos espaços corroídos pelos cupins que hoje lá estão?

sábado, 5 de novembro de 2011

TIRAR SEM TER

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio em 01/11/2011
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O conceito de tributação nos remete à idéia de parte da colheita que era entregue ao senhor da terra. No Império Romano os tributos eram cobrados dos povos dominados, assim como o colonizador português cobrava os impostos da colônia brasileira e os nossos antigos coronéis faziam o mesmo tipo de cobrança das pessoas sob a sua jurisdição. Ou seja, pagar imposto é coisa de alguém que está sob o jugo de outrem. Os descendentes do coronelismo continuam por aí, fazendo de tudo para assegurar as imunidades dos seus antepassados. Esse pessoal está hoje na política, fazendo (tecendo) leis, que mais parecem armadilhas para apanhar os incautos e ao mesmo tempo criando brechas para proveito próprio.

O exemplo da colheita é emblemático devido à lógica natural da entrega ao sócio coagente de parte da produção depois de plantada e colhida. A criatividade e ousadia do legislador brasileiro subverteram essa lógica, fazendo a chuva subir aos céus em vez de cair. A coisa é tão absurda que muitos estados da federação aguardaram vários anos para adotar a modalidade de antecipação e substituição tributária do ICMS. O disparate dessa idéia provocou um choque na classe empresarial de modo que muitos acionaram a Justiça. O governo reagiu se valendo de todas as suas forças coercitivas para empurrar o sapo enverrugado goela abaixo das empresas e assim conseguir impor um conceito legal, mas perversamente imoral, via regulamentação do parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, através da publicação da Lei Complementar 87/96. Os empresários estão pagando, mas o sapo está entalado na garganta.

A Secretaria da Fazenda do Pará estabelece um prazo de 60 dias para o recolhimento das antecipações de ICMS enquanto aqui no Amazonas a cobrança acontece no mês seguinte ao recebimento da mercadoria, sendo que em várias situações o desembaraço só acontece depois da efetivação do pagamento de 21,9% do valor da nota fiscal. Essa avidez arrecadatória provoca um sangramento no fluxo de caixa e está inviabilizando muitos negócios na nossa região. As empresas estão sendo obrigadas a recorrer a empréstimos em instituições financeiras para pagar imposto. Ou seja, a descomunal fome do Fisco está obrigando o contribuinte a tirar dinheiro do caixa vazio referente a vendas que ainda não aconteceram. Houve uma época em que o Fisco não era assim tão voraz. Consta no boletim IR IOB 26/1987 o prazo de seis meses para recolhimento do PIS. Por que então a classe empresarial deixou a voracidade do governo ir tão longe?

Em países como Estados Unidos, União Européia e até no Líbano os empresários são obrigados ao pagamento do imposto sobre valor agregado (VAT – Value Added Tax), o qual é destacado nas etiquetas de tudo quanto é produto comercializado, sendo que a alíquota mais comum é de 10%. Se esse esclarecimento ao consumidor fosse adotado por aqui, o susto seria grande, visto que ao lado do preço constaria 20,48% de ICMS, mais 7,6% de COFINS, mais 1,65% de PIS, mais uns 40% de IPI. Se esse fato vier um dia a se concretizar, com certeza, a passividade do povo brasileiro acabaria e em pouco tempo todos iriam querer saber o que o governo faz com tanto dinheiro arrecadado.

De imediato, é preciso estancar urgentemente o sangramento do fluxo de caixa patrocinado pelo pagamento antecipado de ICMS. De toda a riqueza gerada na atividade econômica brasileira, o governo fica com a maior fatia. O que sobra é distribuída entre fornecedores, empregados, prestadores de serviços, acionistas etc. Com exceção do governo, todos só recebem sua fatia depois que o bolo fica pronto. Atualmente, o contribuinte tem que dar seus pulos para saciar a fome do governo antes de fazer a mistura dos ingredientes e colocar a massa no forno.