terça-feira, 18 de dezembro de 2012

VISÃO PANORÂMICA DO PATRIMÔNIO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/12/2012 - A105
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Atualmente, fala-se muito sobre eficiência gerencial, sendo que as empresas cada vez se desdobram na incansável busca de níveis mais elevados de qualidade dos seus processos operacionais. A maioria dos gestores concentra sua atenção na suposta lucratividade e na liquidez, deixando de lado o aspecto patrimonial do negócio. Essa visão patrimonial é primorosamente fornecida pela contabilidade. Ao contrário do que muitos pensam, controle patrimonial não está relacionado somente ao Ativo Imobilizado, visto que patrimônio é tudo aquilo mensurável monetariamente, tais quais edificações, estoque, valores a receber de clientes, créditos tributários, saldo positivo de bancos, aplicações financeiras etc. Outro fato curioso que ocorre nos gabinetes de diretoria é a forma desconexa de análise dos eventos econômicos e financeiros. Ou seja, verifica-se de um lado o relatório de venda e do outro lado o relatório de contas a pagar. Outros tipos de relatórios até podem ser verificados, mas frequentemente fica no ar aquela sensação da falta de algo muito importante; da falta “daquela” informação estratégica. Fica aquele clima de que alguma coisa está oculta.


Ao corpo de uma pessoa não pode faltar nenhum pedaço, por menor que seja. A amputação do dedo mínimo é um inequívoco sinal de deformidade. Assim é a estrutura dos demonstrativos contábeis. A extirpação de um determinado valor do Balanço Patrimonial ou da Demonstração de Resultados evidencia de imediato uma deformidade aritmética. Para se modificar a estrutura dos demonstrativos contábeis é preciso interferir no conjunto de registros e rearranjar a forma de como estão dispostos. Tal procedimento exige habilidade profissional para que o encadeamento das conexões contábeis seja preservado, mas sempre lembrando que tais registros são reflexos fidedignos de fatos suportados por evidências documentais. Alguns chamam a isto de engenharia contábil. Não deixa de ser, visto que uma estrutura contábil é a construção formada de elementos que se harmonizam e se conectam fortemente uns aos outros. Portanto, nenhuma fraude contábil é perfeita o suficiente que possa passar despercebida pela análise de uma equipe de peritos contábeis de altíssimo nível técnico. E isso se deve ao inquebrantável método das partidas dobradas, que é a base da ciência contábil.

A contabilidade é, portanto, um instrumento poderoso de controle e de amarração num só bloco de todos os fatos patrimoniais que ocorrem numa empresa. O Balanço Patrimonial mostra, de um lado, os bens e direitos. E do outro lado, as dívidas para com terceiros que financiam as operações da empresa, além do resultado do confronto desses dois grandes conjuntos de informações, que é representado pelo patrimônio líquido. Por isso mesmo é que o alvo da ação contábil é o patrimônio e suas mutações num determinado período de tempo. Ou seja, além da receita e além dos custos, o que importa é verificar se o patrimônio está se expandindo ou definhando. Assim, a atenção do sócio deve ser voltada primeiramente para a preservação do seu patrimônio e como o mesmo está sendo administrado. É importante também que o sócio tenha acesso ao detalhamento da capacidade do patrimônio de continuar gerando benefícios financeiros no futuro. E, além disso, saiba ainda do limite previsto de exaustão e tenha conhecimento dos programas de manutenção da capacidade produtiva. O sócio que recebe informações do administrador, muitas vezes somente de receitas, corre sério risco de ver seu patrimônio desaparecer da noite para o dia. Da mesma forma, a falta de controle e de acompanhamento dos fenômenos patrimoniais bloqueia a visão do administrador quanto a dilapidação dos bens da empresa que fortuitamente possa está acontecendo debaixo das suas barbas.

Portanto, faz-se mister dispor de um sistema de contabilidade gerencial bem estruturado e voltado para o controle e análise dos fatos patrimoniais, de forma que o administrador consiga sentir na ponta do dedo o pulsar da organização. Para concretizar tal projeto o contador deve estar livre das correntes da Receita Federal. Ou seja, é preciso desenvolver uma contabilidade que produza informações úteis para o administrador e para as demais partes interessadas, de forma que as firulas e conflitos técnicos conceituais sejam desprezados. O foco deve estar concentrado na utilidade da informação, nem que para isso seja necessário construir uma contabilidade paralela. E dependendo do porte da empresa e dos riscos decorrentes da fragilidade do controle interno, é extremamente vantajosa a implantação de um setor voltado exclusivamente para a contabilidade gerencial. Esse formato organizacional é comum em ambientes altamente pressionados por disputas societárias ou quando há elevado grau de dispersão geográfica das unidades de negócios. Nesse formato, uma equipe de profissionais trabalha unicamente no aspecto técnico da contabilidade, sendo que outra equipe se dedica aos assuntos tributários. Para alguns, manter duas equipes voltadas aparentemente para a mesma função pode parecer um desperdício de dinheiro, mas pior mesmo é arcar com imensos prejuízos pela pura falta de controle. Aqui mesmo na nossa região uma grande empresa só percebeu que iria morrer quando já estava caindo no abismo. Uma contabilidade gerencial precisa e competente detectaria o mais leve sinal de enfermidade e permitiria assim uma rápida e localizada neutralização. Talvez alguém tenha achado absurda a ideia de gastar dinheiro com uma estrutura de contabilidade gerencial de alto nível.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O SUJO E O MAL LAVADO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/12/2012 - A104
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A Lei n° 4.729/1965 tipifica o crime de sonegação fiscal, assim como estabelece penalidade de prisão para os seus infratores. O mesmo tipo de punição é previsto às pessoas enquadradas na Lei n° 8.137/1995, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. A mesma legislação que fixa é a mesma que abranda e até inviabiliza o seu efetivo cumprimento. A análise de tantos dispositivos legais relacionados a esse assunto leva o sonegador contumaz a deduzir que vale a pena continuar sonegando, visto que a possibilidade de passar dez anos numa prisão simplesmente não existe de forma nenhuma. Então, sonegar e sonegar muito; estufar o colchão de dinheiro à custa dos impostos sonegados é um excelente investimento. Se por um golpe do destino ou em caso de remotíssima possibilidade o infrator for alvo de um processo implacável da Justiça, a consequência final, depois de vinte anos de trâmite processual nas infindáveis varas e depois de infinitos recursos que a lei ampara, será a distribuição de míseras cestas básicas aos miseráveis esquecidos nos esgotos da vida. Então, pra quê se preocupar? Pelo milagre de Deus temos legisladores maravilhosos, de coração condescendente, que de forma alguma toleram a ideia de mandar um sonegador para a prisão. Ou seja, toda a maçaroca de legislações conflitantes acaba dizendo de forma cristalina que no nosso país o crime compensa, sim. E a lei está aí, sempre pronta para abrigar o sonegador sob suas aconchegantes asas.

Vez por outra entra em cartaz a ópera bufa “operação isso” ou então “operação aquilo”, sempre cercada de estardalhaço espalhafatoso pelos vários canais midiáticos. Essa estratégia é sempre utilizada toda vez que o povo começa a se saturar da bandidagem entranhada até o osso da nação. Sendo assim, o alvoroço inicial vai aos poucos sendo substituído por uma gradual e densa nuvem de amnésia que por fim bloqueia totalmente a luz da verdade. O Arnaldo Jabor disse dias atrás que a corrupção brasileira não é um fenômeno localizado aqui e ali (trilhões de localizações). A corrupção é um sistema. É como se houvesse um país por cima do outro. É como se o sangue das veias do Brasil já tivesse sido integralmente substituído pela corrupção. É como se a alma do povo brasileiro já tivesse sido integralmente consumida pela corrupção.

Em ambas as faces da mesma moeda figuram o sonegador e o corrupto. O primeiro sonega sob o pretexto de que o dinheiro entregue ao Fisco escorre direto para o esgoto da corrupção. Já o segundo acusa o sonegador de ser responsável pela falta de investimento nos setores-chave da economia. Entre esses dois protagonistas figuram os apagados coadjuvantes que se empenham na promoção de campanhas contra a sonegação fiscal. Na realidade, pode se observar uma aura de constrangimento nessas campanhas, visto ser difícil incutir na cabeça de alguém o belíssimo ideal de responsabilidade social quando todos sabem que o dinheiro dos impostos só serve mesmo para sustentar um sistema corrupto extremamente capilarizado. E o pior de tudo é que por mais que nos esforcemos, não conseguimos capturar um mínimo sinal de ação efetiva de combate à corrupção. Assim, toda proposta pretensamente séria de combate à corrupção chega aos nossos ouvidos tão contaminada de demagogia, que a orelha fica repleta de brotoejas. Pode até soar injusto e leviano, mas é muito, muito difícil olhar para um político sem ver nele um corrupto. É difícil, mesmo!!

Diante dessa tragédia social, fica difícil para um juiz condenar exemplarmente o sonegador, visto o magistrado ter plena consciência que de uma forma ou de outra o dinheiro não iria mesmo ser revertido em benefícios para a sociedade. Ou seja, o dinheiro retido no bolso do sonegador iria para o bolso do corrupto se o crime de sonegação não tivesse acontecido. Agora, imagine o tremendo pesar no peito de quem nunca sonegou ao assistir todos os dias na televisão uma infindável rodada de espetáculos escandalosos de corrupção que sempre, sempre terminam em pizza. Ou seja, aquele terno italiano do depoente da CPI foi comprado com o dinheiro que poderia ter sido utilizado para presentear o filho com um curso de inglês no exterior. Aquela mansão do político pilantra foi comprada com o dinheiro que faliu a empresa pagadora dos mais de 80 diferentes tipos de tributos. A plástica da supermodelo esposa do investigado fulano de tal foi paga com o dinheiro que faltou no posto de saúde. Imagine está mergulhado na pobreza por ter sido um cidadão exemplar enquanto o sonegador e o corrupto ostentam riqueza e depravação. Assim, a conclusão gritantemente óbvia é que a redução da sonegação só será possível com a redução da corrupção. A mesma investida implacável no combate à sonegação fiscal via SPED deveria ser acompanhada de igual empenho na efetivação de normas eficazes de combate à corrupção. As duas coisas são ambas as faces da mesma moeda.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

NIVELAMENTO CONTRIBUTIVO TRIBUTÁRIO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 04/12/2012 - A103
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Sabemos todos nós que a substituição tributária do ICMS é uma das maiores perversidades da nossa estapafúrdia e insana legislação tributária. Mas existe algo bem mais terrível, que é o ambiente convulsivo e caótico dos controles fiscais que acaba penalizando os pequenos e beneficiando os grandes contribuintes. É como se as normatizações fiscais fossem um ardiloso labirinto cujo mapa só é acessível aos advogados superstar e aos políticos que constroem essas arapucas tributárias. Os pequenos, coitados!! Esses se enrolam de um jeito que terminam perdendo os cabelos e o patrimônio; consequência do desequilíbrio contributivo tributário entre os competidores. Os tributos representam a maior parcela do custo das empresas. Tanto, que o governo gostaria de abolir o uso da Demonstração do Valor Adicionado (DVA), justamente porque esse demonstrativo escancara o peso esmagador dos tributos que sufoca a nossa economia e compromete seriamente o nível de competitividade das empresas brasileiras frente ao comércio internacional. Seria de grande utilidade a adoção generalizada da DVA, visto que ela mostra claramente quem abocanha cada pedaço da riqueza produzida num determinado período.

No momento, o grande dilema shakespeariano é ser ou não ser 100% nota fiscal. Será que dá para capar 80%? Não. É muito arriscado porque o Fisco tem todas as notas de compra. E o fornecedor? Esse, não trabalha mais com meia nota. Então estamos ferrados!! Será que dá para capar 50%? Ainda não, porque a SEFAZ analisa eletronicamente a relação compra, venda, recolhimento de tributos.  E 20%? Humm!!. É, se fizer direitinho... Mas fulano faz isso, sicrano faz aquilo, beltrano tem uma máquina diferente no canto da loja etc. Todo esse pessoal pode até está pintando e bordando, mas a bomba está armada e basta o Fisco apertar o botão para a coisa explodir. Mas e o tal que possui 500 lojas e só paga o que quer? Bem, esse é um caso especial, uma exceção, visto que o dono possui todo um aparato estratégico envolvendo conexões políticas que garante a sustentabilidade das operações. Pois é. Esse é o retrato do Brasil. Competir nesse mercado de extremos é um desafio para empreendedores de fibra e de sangue frio. Quem decide se organizar e pagar tudo direitinho logo descobre o grande papel de idiota que está fazendo, principalmente quando vê o dinheirão escorrendo pelo ralo enquanto o saldo negativo do banco se aproxima da estratosfera. Problema maior não é tanto pagar. O problema mesmo é ver seu cliente saindo da loja para comprar no vizinho que não agregou os tributos ao custo da mercadoria, sendo que o governo não faz absolutamente nada de prático para estabelecer um sistema tributário justo e compreensível aos seres humanos normais.

Apesar de tantas maluquices normativas envolvendo as regras de cálculo da substituição tributária de ICMS, uma modificação na legislação que garantisse o mínimo de isonomia na sua aplicabilidade seria muito bem vinda. Mas teria que ser algo sério; algo que impedisse a continuidade dos esquemas de contribuintes entranhados no sistema nervoso da SEFAZ. Dolorosamente, somos obrigados a admitir que seriedade é uma palavra indeglutível para as entidades fazendárias. Se toda a profusão de modalidades de cobrança de ICMS fosse substituída pela antecipação definitiva do tributo incidente sobre as compras, possivelmente conseguiríamos com isso equilibrar o custo tributário entre os competidores de um mesmo mercado. E também o empresário sofreria um menor impacto do custo tributário nas suas operações. Na realidade, o efeito seria mais psicológico do que financeiro. Nessa modalidade de cobrança antecipada aqui proposta, o tributo já faria parte do preço da aquisição da mercadoria. O mecanismo mais adequado e menos perturbador é o tributo já vir destacado na nota fiscal, como acontece com a substituição tributária convênio/protocolo. Causa muito menos perturbação pagar logo tudo de uma vez do que pagar a mercadoria para o fornecedor e depois pagar o ICMS Antecipação Definitiva para a SEFAZ. Para facilitar o controle eletrônico da arrecadação, as entidades fazendárias bem que poderiam substituir as atuais fórmulas mirabolantes de cálculo por algo simples e direto.

O ato de assinar um cheque de centenas de milhares de reais para entregar ao Fisco provoca uma convulsão nos órgãos internos; o coração pulsa mais forte, a respiração fica ofegante, a sala começa a girar etc. Convenhamos, a nossa cultura não admite a prática de pagamento de imposto; isso está no nosso DNA. E tem mais. A ideia de separar parte da receita para entregar ao fisco não entra na cabeça de ninguém. Ou seja, os que pagam, pagam contrariados; mergulham o sapo enverrugado no balde de vaselina inglesa antes de engolir o batráquio. Sendo assim, pergunta-se então por que o legislador se empenha tanto na criação de regras prolixas e impraticáveis em vez de fazer algo racional e adequado ao perfil do nosso empresariado? A mando de quem esses legisladores fazem isso?


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ATOLADO NO DESCONTROLE

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28/11/2012 - A102
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O empreendedor típico é aquele que faz acontecer, não importando a quantidade de empecilhos que possa encontrar pelo caminho. Coragem e energia constituem-se assim na mola propulsora que transforma ideias em iniciativas bem sucedidas. Essas premissas funcionam bem em ambientes homogêneos de negócios. Quando mudanças drásticas nesses ditos ambientes passam a demandar requisitos até então ignorados por uma massa expressiva de empreendedores, a coisa começa a se mostrar instável e perigosa. Um elemento crítico a entrar no jogo é o aperto fiscal via projeto SPED, o qual vem provocando ondas e mais ondas de turbulência operacional e financeira. O outro elemento crítico é consequência direta da ação do SPED. Trata-se da necessária e urgente profissionalização da gestão empresarial. Agora, não basta ao empreendedor somente ser enérgico e corajoso. Ele precisa deixar de ser apenas dono e passar também a ser empresário profissional; agir e se comportar como um executivo capaz de planejar, executar e controlar diferentes aspectos da gestão do negócio. Para isso, é preciso ter competência técnica adquirida tanto em programas formais de aquisição de conhecimentos, quanto em leituras, viagens, sondagens, compartilhamento de experiências etc. Isso vale também para os seus funcionários.

O encapsulamento das atividades habituais numa rotina engessada bloqueia a percepção de alternativas e de possibilidades para novas formas de gerenciamento dos negócios. Quem não viaja, quem não lê, quem não pesquisa, quem não experimenta, quem não se instrui, acaba se transformando num refém de circunstâncias aleatórias. A percepção do novo e o rompimento da casca paradigmática podem abrir caminhos que conduzem ao campo de batalha. Ou seja, podem permitir jogar o jogo da competitividade. A maior tragédia que pode vir a acontecer é não haver condições suficientes para se entrar em campo. Ou então receber um cartão vermelho quando se está no auge da disputa. Temos dois casos emblemáticos aqui na nossa região que são bastante ilustrativos; um de sucesso, outro de fracasso. O primeiro exemplo é relativo a uma empresa comercial que investiu fortemente na capacitação tanto dos diretores proprietários quanto dos funcionários, onde membros do alto escalão foram se capacitar nas melhores instituições educacionais do mundo. O resultado de anos de insistência e perseverança é a consolidação de um modelo referencial de negócio bem sucedido. Quanto ao segundo exemplo, os proprietários optaram por entregar seu patrimônio nas mãos de pessoas supostamente bem preparadas, as quais empurraram a empresa para o abismo. O triste resultado está ostensivamente estampado nas fachadas das lojas, na forma de cores e padrões diferentes do habitual.

Dentre todo o conjunto de ações voltado para o controle interno da organização, um se destaca como a mais eficiente ferramenta de gestão empresarial. Trata-se da contabilidade gerencial. É muito interessante observar a multiplicidade de métodos e a criatividade prolífica nos ambientes corporativos. A falta de conhecimento técnico leva aos mais mirabolantes formatos de controle, cada um mais curioso que o outro. Alguns até que são surpreendentes e funcionais, mas a maioria peca pela dificuldade de atender objetivamente às demandas de informações da diretoria. A contabilidade possui recursos capazes de transformar eventos operacionais numa imagem panorâmica dos elementos patrimoniais, além de oferecer múltiplas formas de avaliação do desempenho de unidades de negócios, de atividades, de projetos, de departamentos etc. E ainda amarra todas as operações umas às outras, evitando assim que uma ou outra informação saia do alcance da sua órbita. É o famoso princípio das partidas dobradas em ação.

Apesar do superpoder da técnica contábil, impressiona o fato da sua não utilização para a produção de informações gerenciais. Em vez disso opta-se pela elaboração de relatórios que misturam competência com caixa, investimento com despesa, passado com futuro, custo com resultado, curto com longo prazo, lucro com prejuízo etc. O enredo recorrente nos ambientes desprovidos de controle interno conta com o dono a exigir do setor financeiro as informações sobre o desempenho das operações. O outro personagem é o encarregado do financeiro que se desdobra na construção de um mosaico de números que mais parece um caleidoscópio. No meio dos dois fica o contador já cansado de ver suas propostas de implantação da contabilidade gerencial ser rejeitadas devido ao fato do diretor ser desprovido de conhecimentos necessários para a leitura dos demonstrativos contábeis. A coisa começa a ficar desesperadora quando a informação gerencial de qualidade é vital num momento de crise aguda que requer decisões precisas e acertadas.

A competitividade está na ordem do dia. É possível que a turbulência inicialmente provocada pelo SPED venha apontar uma saída para a mesmice das administrações ineficientes. Talvez o SPED seja o agente promotor da profissionalização da gestão empresarial. A lei Sarbanes-Oxley também provocou furor nas empresas norte-americanas, mas depois de certo tempo se mostrou uma excelente ferramenta de gestão empresarial, principalmente na área de Tecnologia da Informação.


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

QUEM SOBREVIVERÁ AO SPED?

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 21/11/2012 - A101
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Mudar hábitos arraigados não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é passar por transformações abruptas com características de catarse. Imagine a dificuldade de um boxeador que da noite para o dia se vê obrigado a seguir a carreira de bailarino. É mais ou menos isso o que está acontecendo com uma gama variada de empresários. Há pouco tempo um comerciante do centro de Belém do Pará recebeu várias ofertas vantajosas de aquisição de pontos comerciais bem situados. Os ofertantes são empresários vencidos pelo paroxismo burocrático dos controles fiscais. Esse pessoal simplesmente não conseguiu segurar a onda de mudanças radicais que vem balançando as estruturas de empreendimentos anteriormente tidos como sólidos e inabaláveis. Essa dita onda tsunâmica está deixando muita gente desorientada e sem nenhuma alternativa para salvar os negócios, visto que hábitos forjados no molde da sonegação tributária dificilmente serão modificados, não importando a pressão dos controles mirabolantes imposta pelo Fisco. Os ventos da mudança de paradigma já são perceptíveis há muito tempo. O problema é que os alertas fiscais não foram levados a sério. Agora, a brisa lá de trás já se transformou num vendaval e logo, logo, irá adquirir proporções de um furacão a devastar estruturas administrativas mal construídas.

O modelo de gestão vigente nessas empresas enfermas só considera existência dos setores financeiro e comercial. O setor administrativo é uma coisa que sempre está meio que à deriva; uma coisa que vai se ajeitando por si só. Os responsáveis por essas administrações empíricas não conseguem sequer identificar as causas da sua ineficiência, como também não conseguem compreender a natureza das ações bem sucedidas que alavancaram o desempenho do concorrente que está rodando fiscalmente a 100%. O empresário tradicionalista não costuma perder tempo com assuntos que não envolvam compra e venda. Seus funcionários são toscos e de baixíssima capacitação profissional. Sua estrutura de informática é mínima. Seu controle interno tem mais furos do que um queijo suíço. Ou seja, a sustentabilidade do negócio está diretamente ligada à prática da sonegação de tributos. A sonegação é o contrapeso da ineficiência.

A nota fiscal eletrônica, coluna mestra do projeto SPED, está perturbando as relações do comerciante com o seu fornecedor e também com o seu contador. O fornecedor já está trabalhando com nota “cheia” e assim “entregando” a operação para o Fisco; não deixando margem para ajustes na escrituração fiscal. Alguns contadores não conseguem aplicar na escrituração de todos os seus clientes a plenitude da complexidade das obrigações fiscais; eles acabam trabalhando apenas na superfície do problema, enquanto que lá nas profundezas o resultado da inobservância de tantas novas e complexas normas fiscais é um sério risco aos negócios do cliente. Não à toa, cresce ostensivamente a insatisfação e inquietação de empresários quanto à qualidade dos seus controles fiscais.

Quando uma sucuri engole um bezerro, ela fica lá, parada, convivendo com aquela deformidade até conseguir fazer a digestão completa. É mais ou menos isso o que aconteceu com o Fisco. O SPED está lá, aquela coisa monstruosa na barriga, que pelo visto ainda vai demorar muito tempo para ser digerido. A própria Receita Federal está atolada no mundaréu de normatizações e procedimentos que empurrou goela abaixo de contribuintes absolutamente despreparados. Nas secretarias de fazenda estaduais a deficiência dos processos gerenciais é mais crítica. Quanto aos contribuintes, não existe preparo suficiente, principalmente das empresas pequenas, para se aprofundar no detalhamento e na sofisticação técnica do SPED. A Secretaria de Fazenda de Rondônia não conseguiu conferir objetividade ao gerenciamento da substituição tributária interna de ICMS, de tal forma que se viu obrigada a repristinar uma norma legal por pura falta de estrutura de tecnologia e de pessoal qualificado. O fato é que cada estado segue seu próprio ritmo; uns mais rápidos, outros mais lentos. A SEFAZ/AM dispõe de um serviço que falta a algumas secretarias de fazenda Brasil afora, que é a disponibilidade aos contribuintes via internet, das notas fiscais emitidas e recebidas. Mesmo com todos esses desencontros, é bom ressaltar que o Fisco está debruçado na análise detalhada de diversas operações fiscais. Sabe-se que no estado de Pernambuco, alguns contribuintes já são alertados pela Secretaria de Fazenda via ligação telefônica de que um determinado produto do estoque está com saldo negativo.

O complicado da coisa é que não é preciso somente haver disposição de acabar com a sonegação e rodar fiscalmente a 100%. O problema é que se tudo for pago o caixa quebra e a empresa fecha as portas. O cerco fiscal via SPED está finalmente mostrando que a carga tributária é insustentável. Muitos que decidiram cumprir à risca a insanidade das regras fiscais estão quebrando. O problema não é só pagar. Problema maior é cumprir as ultra complexas normas de controle fiscal, que exigem um altíssimo custo para construir uma megaestrutura administrativa que envolve sistemas caríssimos de informática e mudanças radicais nos modelos de gestão, além de altos investimentos no quadro de profissionais especializados, sendo que tais profissionais especializados são cada vez mais difíceis de achar.

Um renomado consultor empresarial paulista disse que não existe mentalidade empresarial no Brasil. Prova disso são aqueles que mesmo querendo se adaptar aos novos tempos, não sabem como fazê-lo. Esse pessoal não possui conhecimentos sobre tributos, informática, contabilidade, gestão financeira, gestão de pessoas, planejamento etc. Tal ignorância os torna presas fáceis de consultores e de vendedores de soluções de gestão empresarial mal intencionados.



terça-feira, 6 de novembro de 2012

ORGANIZAÇÕES DO APRENDIZADO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 06/11/2012 - A100
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Há alguns anos, uma série de fatores vem impactando os tradicionais modelos de gestão e assim provocando reflexões sobre as práticas gerencias vigentes. Trata-se do despertar de consciências para um novo ambiente de negócios. Essa nova realidade está exigindo uma nova postura dos comandantes das mais variadas formas de organizações. Se antes o foco principal era a concorrência; agora, é o viés fiscal que está pautando as ações das empresas. A necessidade de controle fiscal está trazendo consigo a necessidade de controle pleno dos processos via sistema ERP, o qual deve ser imprescindivelmente complementado pela contabilidade gerencial. O sentimento de que as coisas estão fugindo do controle e a paranoia de constantes ameaças aos negócios tem angustiado o espírito de pessoas responsáveis pelo sustento de muitas famílias que dependem da manutenção do emprego. O mercado de agora está mais exigente, a conjuntura econômica está mais exigente, os controles governamentais estão terrivelmente mais exigentes. E a solução para lidar com esse estado de coisas é se reinventar; é quebrar paradigmas, é se organizar.

Essa dita reinvenção passa obrigatoriamente pelo amadurecimento profissional dos atores corporativos, os quais devem se comportar como protagonistas das suas incumbências; onde cada um deve estar plenamente comprometido com a sua quota de responsabilidade. Evidentemente, sabe-se que em face do modelo de gestão vigente na maioria das nossas empresas, isso é a mesma coisa que transformar água em vinho. Pode ser, mas muitos iluminados gestores já estão revolucionando seus modelos de negócios. E a fonte desse milagre está no poder das equipes de alto desempenho. Agora, mais do que nunca, se observa a imposição da competência. Ou seja, onde há casos de sucesso existe uma afiadíssima equipe de excelentes profissionais. Não há outra saída. Para manter-se estabelecido é preciso investir em qualificação profissional, principalmente nas áreas burocráticas de controle interno.

As pressões esmagadoras dos controles fiscais estão obrigando praticamente tudo quanto é funcionário a possuir sólidos conhecimentos fisco/tributário/contábeis. Por exemplo, o Comprador deve está munido de informações suficientes que lhe permita discutir com a fábrica questões relacionadas com CST, NCM, CFOP, ZFM, ALC, substituição tributária, regime monofásico, alíquota, fato gerador, tributo por dentro, tributo por fora, “bis in idem” etc. De modo semelhante, o Almoxarife precisa está igualmente preparado, visto ser ele o responsável pela alimentação de vários módulos do sistema ERP quando faz adições ao estoque. O Vendedor deve orientar seu cliente varejista que determinado produto já foi tributado via substituição tributária e que por isso mesmo está isento de imposto em todas as etapas subsequentes de comercialização dentro do Estado. O Financeiro deve está atento aos prazos de recolhimento de tributos e ao mesmo tempo obrigado a questionar o Fiscal e o Contábil sobre situações grosseiramente discrepantes que possa vir a detectar. Os riscos fiscais atuais são imensos e por mais cuidadosos que sejam os procedimentos, sempre existe a possibilidade de a empresa ser apanhada no contrapé. Daí o motivo de mais e mais pessoas se manterem atentas aos assuntos fiscais.

Tais desafios estão obrigando as organizações ao desenvolvimento de uma cultura do aprendizado sistêmico e integrado à essência do negócio. O aprimoramento constante de novas habilidades e percepções devem ser capazes de revolucionar crenças e opiniões, levando assim ao senso comum de que o aprendizado contínuo e coletivo é a única forma de manter vantagens competitivas sustentáveis. Departamentos estanques e aprisionamento do conhecimento estratégico em redutos específicos da organização já são vistos como práticas nocivas à saúde do negócio. Porquanto, não há espaço para gênios indomáveis; as empresas querem pessoas com espírito conciliador e raciocínio sistêmico. A disseminação do conhecimento pode acontecer internamente via disposição dos que sabem mais em ajudar os que sabem menos. Isso não é difícil. É preciso que alguém se disponha a dar partida na máquina do saber. É bom lembrar que o conhecimento é propriedade de todos e a sua capilarização é o axioma do momento.

Até aqueles que naturalmente detinham uma carga maior de conhecimento já se sentem pressionados pelas novas e excessivas demandas de informações atualizadas. Por exemplo, vários empresários que decidem profissionalizar seu ambiente de negócios acabam percebendo que seu Contador “meia bomba” não reúne condições suficientes para responder à enxurrada de desafios que diariamente bate à porta da empresa. Normalmente, aquele preenchedor de DARF e peregrinador da SEFAZ possui uma visão muito estreita; falta-lhe conhecimento sistêmico e orgânico dos processos empresariais. Não à toa, muitos Consultores são contratados para preencher o vazio deixado pelos Contadores. Por isso mesmo, contar com os serviços de um bom Contador é hoje prerrogativa de um grupo privilegiado de Administradores.





terça-feira, 16 de outubro de 2012

PACIÊNCIA TEM LIMITE

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 16/10/2012 - A99
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Na Inglaterra da idade média a maioria das pessoas vivia no campo. Devido ao fato de estarem presos à terra dos senhores feudais, os camponeses, também chamados de servos, eram massacrados com pesados tributos. Prevalecia a lei do cão. Quem não pagasse os impostos exigidos pelos poderosos era brutalmente penalizado (algo não muito diferente da nossa atual realidade). Nesse período, o rei Ricardo Coração de Leão empreendeu uma viagem à Jerusalém e entregou o governo do seu povo a um parente chamado João. Malandramente, João aproveitou a ausência do rei para dobrar a cobrança de tributos. Metade ia para a coroa inglesa e a outra metade era usada para a formação de um exército particular capaz de garantir a permanência do suplente no trono. O estrangulamento tributário foi tamanho que houve uma violenta revolta popular. Nessa época surgiu a lenda de Hobin Hood, herói que roubava dos ricos para entregar aos pobres. Ricardo voltou e recuperou seu trono depois de uma batalha sangrenta com João. O estrago causado pelo excesso de tributação culminou na instituição da Carta Magna em 15 de junho de 1215, que foi a primeira limitação legal do poder real de tributar.

Alguns séculos depois, a expansão do comércio e o desenvolvimento das cidades fez surgir na Europa uma nova classe social, representada principalmente pelos comerciantes. Era a burguesia, que passou a sustentar a nobreza e o clero, classe dominante que não trabalhava e era isenta de tributos. Nesse período o rei francês Luiz XIV dizia: “Quero que o clero reze, que o nobre morra pela pátria e que o povo pague”. Insatisfeito com a pressão dessa classe dominante que lhe sugava o sangue, a população promoveu um levante que resultou na queda da Bastilha. O alto escalão da nobreza foi guilhotinado e em 1789 a Revolução Francesa instaurou a república, a separação dos poderes, o orçamento público etc. Nessa mesma época os Estados Unidos da América se tornavam independentes da Inglaterra após uma guerra motivada principalmente pelo insuportável peso da carga tributária imposta pela coroa inglesa.

Uma das causas da Reforma Protestante foi o desejo da nobreza de ver-se livre da excessiva tributação papal. No século XVI Matinho Lutero ficou revoltado ao se deparar com o luxo, a soberba e a grandiosidade das construções da sede do poder católico em Roma. Sua revolta era motivada pelo fato do povo alemão deixar de comer para alimentar a igreja que sempre queria mais e mais dinheiro para financiar seus projetos mirabolantes. Ou seja, muito do supremo poder da igreja católica foi perdido devido à ganância incontrolável de engolir o patrimônio e os recursos do povo que se matava em nome da fé. Interessante é que justamente as nações que mais se distanciaram do catolicismo são as que atualmente dominam o mundo.

No Brasil do século XVIII, a prática intensiva da mineração levou à redução do volume de ouro que era enviado a Portugal. Inconformada com isso a coroa portuguesa comandou invasões às casas das famílias para tomar seus bens. Era a Derrama, uma prática abusiva que desencadeou o processo da nossa libertação do domínio português. Curioso, é que o índice normal de tributação cobrado pela metrópole era de 20% – carga tributária considerada perversa. Tanto, que era chamada de quinto dos infernos. Hoje, o governo devora quase 40% de tudo que é produzido no Brasil e ninguém reclama, sendo que a maior parte dos recursos é consumida na corrupção e nos desmandos administrativos. A sociedade, anestesiada, assiste todos os dias a um festival de escândalos na mídia sem esboçar nenhuma reação organizada.

Os casos aqui tratados deveriam nos envergonhar, visto que os nossos antepassados tinham muito mais fibra e coragem para lutar contra os abusos do poder dominante. Ao que parece nós nos amofinamos e passamos a manter nossa cabeça abaixada como se esperasse o golpe de um machado. O homem perdeu sua essência nociva e o seu espírito definhou. O poder constituído, legítimo, democrático, libertário, massacra muito mais o povo do que os bárbaros do passado. O peso da carga tributária brasileira aumenta continuamente e o que se ouve nas conversas com funcionários das secretarias de fazenda é que o departamento de tributação está permanentemente debruçado em projetos de expansão dos tentáculos arrecadatórios. O ritmo é intenso e os dispositivos normativos não param de pipocar nos diários oficiais. Tais dispositivos ficam cada vez mais virulentos e agressivos, pois mordem com mais força o bolso de quem sua a camisa para produzir a riqueza do país. Será que nunca iremos fazer jus à memória dos nossos ancestrais e também, como eles, dar um basta? Será que só uma revolução violenta é capaz de parar a incessante majoração de tributos? Pois é! Paciência tem limite, até para os inertes. 


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A PERVERSÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09/10/2012 - A98
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O Direito existe para proteger o cidadão, mas quem vai proteger o cidadão do Direito? A força bruta do tempo da barbárie foi substituída pela força do Direito – pela força de uma violência coletiva imposta pelos vencedores aos vencidos. A brutalidade da Lei pode até não chocar a sociedade pela maneira ardilosa que é aplicada, mas os efeitos perversos e avassaladores destroem famílias, comunidades e empresas. Essa mesma brutalidade protege o embusteiro, o tirano e o corrupto. E tudo é feito de forma a induzir o cidadão a acreditar no enigmático Estado de Direito. O processo acontece de modo a evitar que muito sangue seja jorrado do lombo chicoteado, visto que a sujeira poderia perturbar o senso coletivo de dignidade. O objetivo é abafar o sofrimento com o manto da legitimidade para assim preservar o ideário de que não somos selvagens como os lobos nem infames como os ratos.

O cidadão comum cresce com a noção de que está protegido pela Justiça, mas lá no fundo uma perturbadora voz lhe diz que isso é privilégio dos poderosos. Mesmo assim, esse dito cidadão insiste em se enganar; insiste na convicção de que o sistema funciona para todos. Na realidade, o que acontece é que muitos procuram se agarrar a alguma crença para não afundar na desesperança. Talvez por isso as igrejas estejam lotadas de gente em busca de refúgio e de alento.

O nosso sistema jurídico é engenhosamente programado para não funcionar, para incutir na alma do cidadão o absoluto senso de descrença na sua eficácia. Um bom exemplo são os pleitos que questionam a legitimidade das confusas, impraticáveis e asfixiantes normas tributárias. Tempos atrás uma grande empresa do nosso polo industrial local teve o seu direito reconhecido pela alta corte do país de não pagar PIS/COFINS sobre suas vendas internas. A reação de muitas outras empresas foi também pleitear junto a Justiça um benefício semelhante. A maioria declinou da ideia quando soube que na melhor das hipóteses seria preciso esperar dez anos para obter uma decisão favorável. Esse exemplo ilustra muito bem a tal engenhosidade aqui tratada. Ou seja, o cidadão sabe que o monstruoso volume de tribunais, varas, comarcas, juízes, advogados etc., não é capaz de trazer as decisões judiciais para o curto ou médio prazo. Quantas e quantas pessoas morrem aguardando uma decisão da Justiça? E que se faz para corrigir isso? Muito discurso e nada de resultado prático.

O ensaísta francês Montaigne disse que o próprio Direito tem Ficções Legítimas sobre as quais ele funda a verdade da sua justiça. É o que acontece no sistema de substituição tributária do ICMS: presunção e ficção são transformadas em fatos, que geram obrigação, que geram punição. É a mesma coisa que uma pessoa ser presa e condenada por um crime que não aconteceu. A imaginação delirante do nosso legislador criou uma lógica metafísica que desafia a mais ousada das correntes filosóficas. Por mais atrevido que fosse, nenhum doutrinador seria capaz de propor a ideia de o servo entregar parte da colheita ao senhor da terra antes da semeadura. Seria o mesmo que convencer alguém sobre o absurdo de que a chuva sobe em vez de cair. Pois é! Por incrível que pareça o nosso legislador fez isso. O argumento utilizado para justificar tamanha perversão foi o tal princípio da Praticabilidade, que não é senão uma das tais Ficções Legítimas transformada em fato.

Como a própria sigla diz, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, que gera débito, que deduzido do crédito das aquisições resulta no valor a recolher ao erário. Na modalidade de substituição tributária o ICMS é cobrado sobre a não circulação de mercadorias. O imposto é cobrado sem que o fato gerador tenha acontecido. A própria essência primeira, justificadora da criação do ICMS foi destruída e no seu lugar foi colocada uma coisa absolutamente transcendental. E o valor cobrado antecipadamente é alto: mais de um quinto do valor da mercadoria deve ser pago de imediato. Isso até lembra o tão absurdo quinto dos infernos que hoje é apenas um dos mais de cinquenta tributos cobrados no Brasil.

De início, foram criadas as figuras do substituto, que era o fornecedor da mercadoria; e o substituído, que era o comerciante adquirente. O fornecedor fazia papel de Fisco ao cobrar do adquirente o imposto sobre uma presumida venda que poderia até nem acontecer. Não satisfeito, o legislador perverteu o próprio pervertido regime de substituição tributária. Isso ocorreu quando o legislador criou a substituição tributária interna, fato que eliminou a figura do substituto tributário. Nesse regime, o imposto é cobrado pela própria SEFAZ, que assumiu o papel de substituto tributário, ficando claro que a operação fiscal é na realidade uma antecipação definitiva e não uma operação de substituição tributária.

Essa perversa e atroz modalidade de cobrança está matando as empresas. Poucos estão conseguindo sobreviver com os caninos da SEFAZ cravados na sua jugular. Uma maneira de amenizar tantos repuxos nas normas do ICMS seria conceder um tempo hábil para as empresas venderem seus produtos. Os valores notificados num determinado mês poderiam ser pagos no quinto mês subsequente. As empresas estão no limite do estrangulamento e algo urgente deve ser feito para evitar um colapso ou uma insurgência coletiva.






terça-feira, 2 de outubro de 2012

A FARRA DOS SISTEMAS ERP

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2012 - A97
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Na época dos computadores de 8 bits a informatização de processos acontecia de forma metódica e sem as turbulências e convulsões hoje tão recorrentes nas organizações. Um fenômeno curioso e paradoxal é que quanto mais avançadas se tornam as tecnologias disponíveis, mais dores de cabeça, mas complicações e mais custos elas trazem para as empresas. Os robustos mainframes de décadas passadas centralizavam os controles de diversas operações de uma organização. Essa centralização permitia manter o sistema de informações rigorosamente alinhado com as diretrizes e normas estabelecidas. O advento dos milagrosos computadores pessoais (PC) dispersou as informações promovendo o caos e a perda de controle, visto que muitas automações de procedimentos se tornaram redundantes, conflituosas e enigmáticas. Depois de anos de convulsões, aborrecimentos e frustrações com as promessas milagrosas da informática, começaram a se disseminar os Sistemas Integrados de Gestão Empresarial ou, em inglês, “Enterprise Resource Planning” (ERP). Mais uma vez as empresas se viam seduzidas com a promessa de integração total dos seus processos. O problema é que, teoricamente, o conceito era excelente, mas a prática descortinava uma realidade turbulenta e destrutiva. Tanto, que casos de falência motivados por desastrosas implantações de
Sistemas ERP são mais comuns do que se pode imaginar.

Apesar do bombardeio constante de notícias sobre produtos tecnológicos revolucionários e apesar das maravilhosas propostas de soluções avançadas oferecidas pelas softwarehouses, o que se observa na rotina da maioria das empresas é um absoluto descompasso com o tal mundo maravilhoso que só existe na propaganda. Os casos de sucesso conhecidos são fruto de altíssimos investimentos, tanto em sistemas ERP como em toda uma infraestrutura de gestão dos negócios. Empresas com nível de profissionalismo insuficiente penam bastante na mão de analistas inescrupulosos, justamente pela estreiteza da visão sobre o assunto. Essas empresas querem chegar ao topo da escada sem ter que passar pelos degraus intermediários. A mistura de miopia com ignorância torna muitos empresários presas fáceis dos mercadores de Sistemas ERP. A tática dos vendedores é não contar toda a história, visto que se fizer isso acabaria perdendo o cliente, que só terá noção do tamanho da enrascada que se meteu quando o processo estiver bem adiantado. Na etapa da negociação só se fala dos benefícios e das virtudes do sistema, não ficando claro o custo necessário para obtenção de níveis razoáveis de sucesso.

Uma das características mais acentuadas no corpo técnico das empresas comercializadoras de Sistemas ERP é o ostensivo e vergonhoso desconhecimento daquilo que vendem. A impressão que essas empresas deixam é que abraçam uma responsabilidade sem o mínimo preparo. A evidência desse fato pode ser constatada numa infinidade de casos de analistas que se enroscam por inteiro quando tentam corrigir um problema de funcionalidade ou atender demandas específicas de clientes. Muitos desses profissionais deixam a coisa pior do que encontram. E o mais revoltante é que cobram, cobram, cobram por cada detalhe, por cada verificação, por cada análise. Tudo é cobrado e pouca coisa funciona. Normalmente, os analistas locais pouco ou nada sabem do sistema em que “são especializados”. É muita gente ruim espalhada por aí, enganando e irritando usuários de sistemas ERP. Um adquirente de sistemas ERP que quiser alguma funcionalidade terá que estar disposto a contratar profissionais caríssimos, oriundos dos grandes centros de tecnologia do país.

Um Sistema ERP deve ser visto como um meio para se atingir determinados objetivos de controle. Tais sistemas não podem acabar se tornando um fim em si mesmo. O empresário não pode deixar de pensar nos negócios, na concorrência, no mercado etc. para concentrar sua atenção exclusiva numa infinidade de problemas gerados pelo seu sistema de gestão empresarial. Interessante é que sistemas gigantescos de controle existem e aparentemente funcionam bem, como é o caso do monumental volume de operações das empresas de cartão de crédito, significando assim que o problema não está na tecnologia e sim na capacitação da mão-de-obra. É angustiante para um empresário ver todo dia seu pessoal tropeçando nas próprias pernas por causa do sistema que não funciona adequadamente. Pior ainda é se sentir refém de uma softwarehouse que diariamente cria uma deformidade para posteriormente cobrar caro para providenciar o conserto. A maior parte dos problemas só acontece porque as empresas não procuram investir na qualificação das suas equipes. Um grupo de profissionais bem qualificados é o melhor antídoto para confrontar os mercadores de softwares mal intencionados. 


terça-feira, 25 de setembro de 2012

DIALOGAR É PRECISO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2012 - A96
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Vivemos num país em que muitos governantes ainda não perderam o hábito de resolver tudo por decreto, como se os estridentes e apavorantes ecos do absolutismo ditatorial persistissem em viajar no tempo até chegar aos dias atuais. Por isso, libertar-se do ranço do carrancismo é um dever de qualquer cidadão que têm seus objetivos apontados para um futuro mais promissor. Na realidade, há décadas estamos num processo de reaprendizagem; estamos reaprendendo o real significado do termo cidadania. Ainda falta muito, mas os sinais da mudança são perceptíveis e consistentes. Aquela velha forma de encarar as ações do governo como se fossem emanações divinas do poder celestial vem perdendo fôlego à medida que os anos avançam. A sociedade brasileira tem evoluído muito, em parte, graças ao poder incontrolável das redes sociais e da velocidade com que as informações se proliferam na internet e nos diversos canais midiáticos. A consequência dessa revolução social já é notada nos discursos dos políticos que estão por aí tentando arrebatar corações e mentes de eleitores menos suscetíveis ao palavreado artificioso e embusteiro.

O mundaréu de normas legais que disciplinam cada passo que damos não são coisas imutáveis. E sim, é resultado do comportamento e das decisões da própria sociedade. Se os políticos são corruptos, se o Estado é ineficiente é porque têm o aval da sociedade. No dia em que o povo simplesmente decidir dar um basta nos desmandos do poder público, a coisa começará a mudar de verdade. Foi assim com a política de tolerância zero no estado norte-americano de Nova Iorque; foi assim na Operação Mãos Limpas, que levou um monte de mafiosos italianos para a cadeia. Esses dois exemplos saneadores da ordem pública fazem a gente sonhar com um remoto desfecho minimamente decente do julgamento do mensalão. Claro, sabemos todos nós que o heroico esforço empreendido pelo nosso ministro Joaquim Barbosa sequer arranhará o império da impunidade tão fortemente estabelecido em todos os cantos do nosso país. E o motivo dessa inércia é a postura do cidadão desvirtuado, que em vez de combater a corrupção busca é tirar proveito dela.
 
Por conta da existência de várias dificuldades de relacionamento entre os entes públicos e privados, pode-se afirmar que a reunião ocorrida na Associação Comercial do Amazonas na última quarta-feira foi uma das mais importantes dos últimos tempos. Os convidados especiais do evento foram o Secretário de Estado da Fazenda, sr. Isper Abrahim; também, o Secretário Executivo da Receita da SEFAZ/AM, sr. Juarez Tridapalli; e o Auditor Fiscal de Tributos Estaduais, sr. Simão Neto. Na oportunidade, os representantes da SEFAZ/AM discorreram sobre uma série de ações desenvolvidas pela fazenda estadual, que vem melhorando a qualidade dos serviços prestados aos contribuintes. Também, foram apresentados esclarecimentos sobre algumas ações políticas que irá resultar em perda de arrecadação e as consequentes decisões da SEFAZ para manter os níveis adequados de controle das contas do governo estadual. Mas a melhor parte da reunião veio depois, quando os comerciantes presentes aproveitaram o momento para desfiar um rol de reclamações sobre suas dificuldades diárias para gerenciamento de atividades que dependem das intervenções da SEFAZ. O Secretário ouviu atentamente, analisou alguns pontos colocados em questão e muito ponderadamente se comprometeu a dar o devido encaminhamento de cada caso.

Ao final da reunião ficou a sensação de que muita coisa pode ser ajustada através de um simples diálogo, sem paixões, sem exaltações, sem brigas. A postura equilibrada do sr. Isper Abrahim desmistificou, talvez, possíveis imagens negativas que poderiam existir em relação ao comando da SEFAZ. Ficou evidente no evento que sempre há margem para negociação. Tudo depende da disposição das partes interessadas numa demanda, de negociar, de discutir alternativas e de balancear interesses e expectativas. No caso específico dessa reunião da ACA, os empresários abasteceram os representantes da SEFAZ com informações valiosas de práticas desleais e ilegais de concorrência, de descaminho, de contrabando etc. Ou seja, o empresário que opera legalmente é o melhor aliado que a SEFAZ poder ter para melhorar os índices de arrecadação e a qualidade do acompanhamento das operações sujeitas ao controle do fisco estadual.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

ICMS 143% mais caro em 2013

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2012 - A95
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A atual alíquota interna de ICMS sobre Bens de Informática é 7%, conforme enunciado constante na alínea “d”, Inciso I, Artigo 12, da Lei Complementar Estadual nº 19 de 29/12/1997. O Decreto Estadual nº 20.686/1999 (RICMS/AM) ratifica esse benefício fiscal, que começou a vigorar em 31/05/2010. Nossos deputados estaduais se reuniram agora no primeiro semestre e resolveram preparar uma comemoração macabra para o segundo aniversário desse benefício fiscal. Decidiram, num ato ritualístico parlamentar, pela pena capital à dita alíquota de 7%. Quanto a SEFAZ, num iluminado gesto de lucidez, e contrariando a execução sumária proposta pelos honoráveis e digníssimos deputados, deliberou pelo adiamento do sepultamento do benefício fiscal para o dia 31/12/2012. Assim, a condenada alíquota de 7% está desconfortavelmente acomodada num trem que segue em direção ao abismo. Pela ironia dos acontecimentos, isso até lembra aquela profecia asteca do fim do mundo. Se nada for feito, em janeiro de 2013 os Bens de Informática estarão pagando 143% a mais de ICMS, visto que sua alíquota será catapultada para 17%. Para completar o pacote de maldades carinhosamente preparado pelos deputados, a partir do início do próximo ano tais produtos estarão também sujeitos ao pagamento de Antecipação de ICMS via notificação da SEFAZ, coisa que hoje não acontece. Essa antecipação é justamente a diferença da alíquota interna menos a alíquota interestadual.

O dispositivo legal que decretou a extinção do benefício fiscal dos Bens de Informática é a Lei Complementar Estadual nº 103 de 13/04/2012 – Artigo 4º, Inciso II, a qual foi posteriormente ratificada pelo Decreto Estadual nº 32.477 de 01/06/2012 – Artigo 6º, Inciso II. Curioso, é que o próprio supracitado Artigo 12 diz que algumas alíquotas são seletivas em função da essencialidade de determinados produtos. E os Bens de Informática são alguns desses produtos. Será que a tal ESSENCIALIDADE deixou de existir? Sabe-se que não. E prova disso são discursos e mais discursos propagados aos quatro ventos sobre inclusão digital, disseminação dos computadores nas escolas públicas, investimentos em tecnologia de ponta, capacitação de mão-de-obra e todo um longo caminho que temos que pavimentar se quisermos estar entre as nações tecnologicamente mais desenvolvidas. Por tudo isso, conclui-se que a queda do benefício fiscal aqui tratado está na contramão de todo esse movimento que agita o universo midiático. O fato mais trágico dessa história é a possibilidade de muitas empresas nunca ter usufruído desse importante benefício fiscal por falta de uma competente assessoria tributária. E quem lucra com a ignorância tributária é a SEFAZ, que jamais devolve dinheiro pago indevidamente. Tentar pegar o dinheiro de volta é o mesmo que tentar arrancar o osso da boca de um pit bull.

Normalmente, o termo “Bens de Informática” nos remete a computadores, impressoras, mouses etc. Mas não é somente isso. É muito mais. A legislação estadual que criou o benefício fiscal não especificou com objetividade os Bens de Informática. O enunciado da lei diz o seguinte: “sete por cento para bens de informática, assim definidos na legislação federal de regência”. E a dita legislação federal de regência é o Anexo I do Decreto nº 7.010 de 16/11/2009, no qual consta uma vasta quantidade de produtos que contém tecnologia digital, tais como Injeção Eletrônica, Alarme Automotivo, Cerca Elétrica, Antena Parabólica, Relés, Soquetes, Fibras Óticas, Termômetros, Balanças, Caixas Registradoras etc. Ao total, são quase seiscentos NCM. Dessa forma, empresas dos mais variados segmentos de negócios podem ter Bens de Informática no seu mix de produtos.

Como é sabido do grande público, o polo industrial local é agraciado por uma torrencial chuva de benesses oriundas do poder público. E também, por conta da sua aguçada sensibilidade às oscilações do mercado, é alvo de atenção especial de inúmeras entidades e de políticos que estão sempre atentos às suas reivindicações. Já o mesmo tratamento não é dispensado ao Comércio, que fica fora do alcance da visão das entidades promotoras do desenvolvimento econômico e social da nossa região, ao ponto de até ser ignorado num pomposo discurso do superintendente da Suframa, que ficou numa saia justa quando o Presidente da ACA pediu a palavra e, num sutil e elegante protesto, disse que estava aguardando a parte do discurso que mencionasse o Setor Comercial. O resultado foi que num evento subsequente lá estava o Comércio cercado de menções e referências.

Devido ao fato de tão pouca importância ser dada ao Comércio na distribuição de benefícios fiscais, é imperioso deflagrar um movimento para não se perder o pouco que se tem. Está na hora do Comércio deixar de ser tratado como o filho rejeitado pelos pais. Se a SEFAZ está em busca de aumento da arrecadação de tributos, por que ela não corre atrás dos bilhões de reais camuflados nos ousados planejamentos tributários ou nas complexas engenharias de cálculo de ICMS que extrapolam os limites da legalidade? E também, por que não empreende inteligentes e efetivas diligências fiscais na contabilidade dos grandes e poderosos contribuintes? Por que cobrar mais dos que já pagam muito? Por quê?



terça-feira, 11 de setembro de 2012

Há muito a fazer no Brasil

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/09/2012 - A94
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Na semana passada o Fórum Econômico Mundial divulgou o Relatório Global de Competitividade, onde pela primeira vez o Brasil se encontra entre os 50 países mais competitivos. A 48ª posição no ranking não é um feito para se comemorar, visto que tal situação só nos mostra o imenso desafio que temos pela frente se quisermos realmente nos tornar uma nação de primeiro mundo. O Relatório contempla 12 categorias, denominadas pilares de competitividade, tais quais, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde etc. Os índices que empurraram o Brasil lá pra baixo foram os indicadores relacionados às políticas públicas. Por exemplo, ficamos na 135ª posição no item “Desperdícios de Gastos Públicos”; 116ª posição em “Qualidade da Educação”; 111ª posição em “Eficiência do Governo” e a pior colocação no item “Tributação”. Outro índice torna preocupante a nossa pretensa jornada rumo ao primeiro mundo. Trata-se do indicador “Confiança nos Políticos”, onde ficamos em 121º lugar no universo de 144 países pesquisados. Esse emblemático índice é preocupante devido ao fato de que qualquer mudança nas políticas públicas passa primeiramente pela confiança que a população deposita nos homens e mulheres que estão lá em cima e que têm o poder de fazer acontecer, tais como os parlamentares, chefes do poder executivo, tribunais de contas, ministério público, dentre outros.

Essa dita confiança é a onda de choque que poderia quebrar as estruturas enferrujadas e apodrecidas da incompetência e da corrupção que persistem em se manter erguidas a um custo muito elevado para o presente e para o futuro de todos os brasileiros. De nada adiantará a iniciativa privada se desdobrar, se reinventar e investir maciçamente em tecnologia de ponta se o governo continuar atravessado no caminho como um caminhão tombado. O revolucionário presidente norte-americano Ronald Reagan disse certa vez que o governo não é a solução; o governo é o problema. Se lá é o problema, aqui é uma catástrofe dantesca. Talvez por isso sejamos uma das mais heroicas nações, justamente por conseguirmos sobreviver num ambiente tão cáustico e tão contaminado, que mesmo com tanta corrupção e desmandos ainda conseguirmos destaque no cenário econômico mundial. Isso é uma homérica proeza. Por isso, a sociedade organizada precisa urgentemente reagir contra os promotores do atraso e começar a retirar os entulhos que emperram a evolução social do nosso povo.

Dentre a principal entulheira está a entorpecedora burocracia que anestesia o sistema nervoso dos funcionários públicos, retardando sobremaneira as ações do setor produtivo que depende de órgãos reguladores e fiscalizadores para operar. Dessa forma, o empresário acaba sendo um atleta de alto desempenho que tem suas pernas amarradas pelo governo. Ou seja, na percepção do cidadão comum, órgão público é sinônimo de dor de cabeça. E funcionário público é sinônimo de improdutividade. No quesito tolerância à “corrupção” ainda estamos na idade das trevas. Por exemplo, o grande Chanceler Helmut Kohl, responsável pelo processo de reunificação da Alemanha e um dos arquitetos da união europeia não foi perdoado pela população do seu país, que exigiu sua renúncia por conta de envolvimento em escândalo de caixa 2 do seu partido político. Outra situação emblemática tem a ver com o caso da vice do Primeiro Ministro da Suécia que comprou chocolate com cartão corporativo e foi exonerada. Aqui no Brasil o ex-ministro da justiça e advogado do mensaleiro José Dirceu, o honorável sr. Marcio Thomaz Bastos, afirmou que o STF faz flexibilizações perigosas no mensalão. Disse ainda que o mensalão não existiu, como se tudo aquilo que à época assistimos ao vivo e em cores tenha sido uma alucinação esquizofrênica.

Estamos mergulhados em profundas trevas justamente porque lá fora um chocolate derruba um político importante, enquanto que aqui o roubo escancarado de bilhões de reais se transforma em elucubrações sofismáticas e arranjos filosóficos que extrapolam todos os limites que possam existir no terreno do cinismo. Ou seja, usa-se uma peneira furada para tapar o sol como se o país inteiro fosse feito de idiotas tapados (talvez sejam). E ainda se leva várias semanas para julgar o que todo mundo sabe direitinho o que realmente aconteceu. Por esse estado lamentável em que se encontra as nossas instituições, conclui-se que é preciso estômago forte para engolir aquele teatrinho nojento no STF transmitido pela televisão.

É, pelo andar da carruagem, talvez os netos dos nossos netos dos nossos netos tenham coragem suficiente para começar de fato a mudar esse país.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

DESAFIOS DA GESTÃO PÚBLICA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 04/09/2012 - A93
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Na semana passada, representantes de algumas entidades profissionais se reuniram com o diretor de operações do Instituto Municipal de Planejamento Urbano, Sr. Ricardo Braga, para cobrar esclarecimentos acerca de prazos de liberação de processos. A discussão girou em torno de reclamações de muitas empresas impedidas de operar devido a severos atravancamentos burocráticos ocorridos no Implurb. Algumas justificativas do diretor se mostraram plausíveis; outras, nem tanto. A ocorrência mais importante do evento foi simplesmente o fato de um grupo de pessoas estarem ali, frente a frente, colocando as cartas na mesa, avaliando alternativas e defendendo suas posições. No final das contas, decisões foram tomadas, compromissos foram firmados e os sentimentos acalorados ficaram mais arrefecidos. Além disso, concluiu-se que reuniões daquele tipo deveriam ser frequentes e poderiam acontecer não somente para se reclamar de alguma coisa, mas também para que todos pudessem contribuir com propostas para a melhoria da gestão pública. Ali, no Implurb, foi possível constatar os efeitos positivos de uma boa conversa. Sendo assim, seria muito salutar que essa prática pudesse se tornar mais comum.

Quem já vem praticando ação semelhante e de forma sistemática é a Associação Comercial do Amazonas. As recentes reuniões da ACA têm sido marcadas pela presença de altos representantes do poder público, que atenderam ao chamado da classe empresarial e se dispuseram a ouvir as demandas dos comerciantes. Na realidade, essa iniciativa da ACA é mais do que natural e oportuna; até mesmo para dizer para a sociedade que Manaus não é feita somente de indústrias. É importante lembrar que o comércio contribui de forma vigorosa para manter a pujança da nossa economia, além de ser o maior gerador de empregos, sendo que por esses e outros motivos merece atenção e respeito. Se alguns órgãos públicos não funcionam satisfatoriamente, talvez uma das causas do problema seja a apatia e a inércia daqueles que deveriam estabelecer parcerias e marcar presença junto às entidades governamentais. A ACA já está quebrando essa inércia.

É possível até que os funcionários públicos estejam precisando de um tubarão no seu tanque; alguma coisa que agite suas vidas profissionais e os façam até mesmo valorizar seus cargos e justificar seus salários. É fato sabido de todos que aquele funcionário público que fez um esforço gigantesco para ser admitido após penosos processos de seleção, chega ao seu posto de trabalho cheio de energia, mas em pouco tempo vê seu entusiasmo se esmaecer. Logo descobre as licenças médicas ampliadas, as miniférias que emendam com os feriadões e a possibilidade de se ausentar do trabalho por horas a fio etc. Assim, e com raras exceções, o trabalho efetivamente desenvolvido é quase voluntário, pois aqueles que cumprem religiosamente suas obrigações, o fazem sem muito compromisso com a produtividade. Claro, sabe-se que esse ambiente é totalmente distinto da realidade existente no setor privado, onde prazos e tarefas são cobrados com rigor. Há quem diga que a razão dessas dificuldades está na seguinte premissa: O empregado do setor privado pode fazer tudo que não é proibido enquanto que o funcionário público só pode fazer o que é permitido. Se isso for um dogma, talvez esteja na hora de quebrar paradigmas.

Cabe à sociedade organizada interferir de alguma forma nesse anacrônico universo, que mais se parece um insaciável buraco negro que engole toda energia e recursos que o setor privado produz sem dar um retorno minimamente decente na forma de educação, saúde, segurança etc. O que salta à vista é o constante agigantamento da máquina pública, onde verbas e mais verbas nunca são suficientes para financiar a ineficiência dos órgãos públicos e a apatia dos seus respectivos funcionários. Talvez um dos culpados por toda essa má fama sejam os ocupantes do alto escalão, que não possuem estofo, nem competência, nem preparo, mas possuem padrinhos poderosos. E como sabemos, todo corpo só funciona bem se tiver uma cabeça boa. Assim, falta liderança no serviço público; falta profissionalismo, falta gestão de alto nível etc.

Por conta de tantos desencontros de necessidades e aspirações, pode-se tomar o exemplo da ACA como uma excelente iniciativa que tem tudo para provocar uma melhoria na qualidade de alguns serviços públicos. Inclusive, está nos projetos da entidade comercial criar um Conselho de Notáveis, cuja função seria estabelecer uma conexão forte e sistemática com vários órgãos públicos, para assim discutir e buscar soluções para problemas que incomodam tanto os comerciantes como a sociedade em geral. É possível que os próprios funcionários públicos venham futuramente a agradecer a cobrança de eficiência nos serviços prestados, até porque isso contribuiria para amenizar a imagem maculada que tanto lhes é peculiar.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Núcleo de altos estudos fisco-tributários

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28/08/2012 - A92
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Notoriamente, o Estado é um péssimo administrador. Por isso temos visto vários candidatos no horário eleitoral gratuito criticando a falta de gestão eficiente da coisa pública. O candidato que pretender ocupar a presidência da Votorantim ou da Gerdau deve ser dotado de qualidades sobre-humanas devido ao gigantismo e complexidade de empresas desse porte. E não só o principal cargo executivo possui um perfil rigorosamente exigente; todo o quadro de pessoal é composto por profissionais que dedicaram muito tempo da sua vida se preparando exaustivamente para a conquista de um emprego decente. No setor público a realidade é bem diferente. Praticamente, qualquer um pode, de uma hora para outra, assumir o comando de um município, de um estado e até do país. E depois de empossado pode nomear quem quiser para cargos-chave da administração pública. Agora, imagine se existe possibilidade mínima de um tapado qualquer assumir a presidência da Gerdau. Obviamente, qualquer criatura de boa sanidade mental sabe que isso é sinônimo de bancarrota. Por que então essas mesmas ditas criaturas votantes não raciocinam de forma semelhante quando trocam a imagem da Gerdau pela imagem da Prefeitura?

É possível que no imaginário popular os órgãos públicos sejam falidos por essência, como se fossem doentes terminais. A incompetência é o padrão, é o paradigma. E assim nada de bom é esperado. O barulho que muitos fazem quando reclamam do governo é apenas barulho para conseguir algum tipo de dividendo político. Portanto, e ao que parece, a descrença no poder público já está gravada no nosso código genético.

Não era para ser assim. Os processos de seleção de pessoal via concurso público são concebidos de modo a premiar somente os muito bem preparados. Dessa forma, diversos órgãos públicos estão povoados por mentes brilhantes e profissionais detentores de habilidades extraordinárias. O problema é que os chefes dessas pessoas não precisam fazer concurso, o que é um contrassenso, visto que justamente eles é que deveriam passar por um processo seletivo mais rigoroso. Isso lembra o boi que tem um corpo forte, mas um cérebro atrofiado. E tem mais. Vale lembrar que gente de primeira qualidade contrata gente de primeira; gente de segunda contrata gente de terceira. Se esse quadro medonho não for mudado, todo e qualquer projeto de melhoria do serviço público estará sumariamente condenado ao fracasso.

O fenômeno da dita crise de gestão é claramente observado na nossa secretaria de fazenda estadual. É perceptível o crescente agravamento do problema em vista de coisas que recorrentemente aparecem e somem na área de atendimento on-line dos contribuintes. Isso, sem contar as imensas dificuldades de se tratar um assunto fisco-tributário ou de se obter o esclarecimento de dúvidas relativas a procedimentos fiscais. Esse estado de coisas não significa que todos os funcionários são incompetentes. Existem funcionários excelentes, mas é preciso fazer um exercício de garimpagem para encontrá-los. E também não se sabe se os melhores estão sendo bem aproveitados, visto ser fato notório que vários funcionários se esforçam para melhorar a qualidade do atendimento e até mesmo para aumentar o nível da arrecadação de tributos. Como os altos cargos são políticos, nunca serão as mentes mais brilhantes a ocupá-los e nunca as boas ideias serão colocadas em prática. Os habitantes lá do topo não querem saber de boas ideias; o único assunto que interessa é o poder.

Uma das boas ideias é construir um núcleo de altos estudos fisco-tributários. Esse departamento seria constituído por profissionais de altíssimo nível técnico, e especializados em legislação tributária, engenharia, informática, gestão pública, estratégia etc. O objetivo do grupo seria reunir competência suficiente para identificar com precisão os mais sofisticados e complexos mecanismos de evasão fiscal; e posteriormente reunir elementos jurídicos sólidos o bastante para tipificar criminalmente as fraudes detectadas. Para viabilizar um empreendimento dessa envergadura, seria preciso arquitetar um ambicioso projeto, que envolveria a contratação de grandes nomes da gestão pública para a prestação de consultoria especializada e também o envio de funcionários para renomados centros de excelência do Brasil e até do exterior. Uma das funções desse grupo de elite seria mapear os melhores casos de sucesso de gestão das fazendas públicas e copiar o que fosse julgado adequado para a nossa região.

O maior beneficiário desse projeto seria o próprio contribuinte, visto que a ampliação da base de arrecadação promoveria a tão sonhada justiça fiscal: situação em que se todos pagassem, todos pagariam bem menos do que pagam hoje. Enquanto esse mundo ideal não acontece, as complexas e engenhosas manobras realizadas por grandes grupos econômicos permanecem com suas arquiteturas indecifráveis para o atual corpo de auditores fiscais da SEFAZ.