terça-feira, 28 de agosto de 2012

Núcleo de altos estudos fisco-tributários

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28/08/2012 - A92
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Notoriamente, o Estado é um péssimo administrador. Por isso temos visto vários candidatos no horário eleitoral gratuito criticando a falta de gestão eficiente da coisa pública. O candidato que pretender ocupar a presidência da Votorantim ou da Gerdau deve ser dotado de qualidades sobre-humanas devido ao gigantismo e complexidade de empresas desse porte. E não só o principal cargo executivo possui um perfil rigorosamente exigente; todo o quadro de pessoal é composto por profissionais que dedicaram muito tempo da sua vida se preparando exaustivamente para a conquista de um emprego decente. No setor público a realidade é bem diferente. Praticamente, qualquer um pode, de uma hora para outra, assumir o comando de um município, de um estado e até do país. E depois de empossado pode nomear quem quiser para cargos-chave da administração pública. Agora, imagine se existe possibilidade mínima de um tapado qualquer assumir a presidência da Gerdau. Obviamente, qualquer criatura de boa sanidade mental sabe que isso é sinônimo de bancarrota. Por que então essas mesmas ditas criaturas votantes não raciocinam de forma semelhante quando trocam a imagem da Gerdau pela imagem da Prefeitura?

É possível que no imaginário popular os órgãos públicos sejam falidos por essência, como se fossem doentes terminais. A incompetência é o padrão, é o paradigma. E assim nada de bom é esperado. O barulho que muitos fazem quando reclamam do governo é apenas barulho para conseguir algum tipo de dividendo político. Portanto, e ao que parece, a descrença no poder público já está gravada no nosso código genético.

Não era para ser assim. Os processos de seleção de pessoal via concurso público são concebidos de modo a premiar somente os muito bem preparados. Dessa forma, diversos órgãos públicos estão povoados por mentes brilhantes e profissionais detentores de habilidades extraordinárias. O problema é que os chefes dessas pessoas não precisam fazer concurso, o que é um contrassenso, visto que justamente eles é que deveriam passar por um processo seletivo mais rigoroso. Isso lembra o boi que tem um corpo forte, mas um cérebro atrofiado. E tem mais. Vale lembrar que gente de primeira qualidade contrata gente de primeira; gente de segunda contrata gente de terceira. Se esse quadro medonho não for mudado, todo e qualquer projeto de melhoria do serviço público estará sumariamente condenado ao fracasso.

O fenômeno da dita crise de gestão é claramente observado na nossa secretaria de fazenda estadual. É perceptível o crescente agravamento do problema em vista de coisas que recorrentemente aparecem e somem na área de atendimento on-line dos contribuintes. Isso, sem contar as imensas dificuldades de se tratar um assunto fisco-tributário ou de se obter o esclarecimento de dúvidas relativas a procedimentos fiscais. Esse estado de coisas não significa que todos os funcionários são incompetentes. Existem funcionários excelentes, mas é preciso fazer um exercício de garimpagem para encontrá-los. E também não se sabe se os melhores estão sendo bem aproveitados, visto ser fato notório que vários funcionários se esforçam para melhorar a qualidade do atendimento e até mesmo para aumentar o nível da arrecadação de tributos. Como os altos cargos são políticos, nunca serão as mentes mais brilhantes a ocupá-los e nunca as boas ideias serão colocadas em prática. Os habitantes lá do topo não querem saber de boas ideias; o único assunto que interessa é o poder.

Uma das boas ideias é construir um núcleo de altos estudos fisco-tributários. Esse departamento seria constituído por profissionais de altíssimo nível técnico, e especializados em legislação tributária, engenharia, informática, gestão pública, estratégia etc. O objetivo do grupo seria reunir competência suficiente para identificar com precisão os mais sofisticados e complexos mecanismos de evasão fiscal; e posteriormente reunir elementos jurídicos sólidos o bastante para tipificar criminalmente as fraudes detectadas. Para viabilizar um empreendimento dessa envergadura, seria preciso arquitetar um ambicioso projeto, que envolveria a contratação de grandes nomes da gestão pública para a prestação de consultoria especializada e também o envio de funcionários para renomados centros de excelência do Brasil e até do exterior. Uma das funções desse grupo de elite seria mapear os melhores casos de sucesso de gestão das fazendas públicas e copiar o que fosse julgado adequado para a nossa região.

O maior beneficiário desse projeto seria o próprio contribuinte, visto que a ampliação da base de arrecadação promoveria a tão sonhada justiça fiscal: situação em que se todos pagassem, todos pagariam bem menos do que pagam hoje. Enquanto esse mundo ideal não acontece, as complexas e engenhosas manobras realizadas por grandes grupos econômicos permanecem com suas arquiteturas indecifráveis para o atual corpo de auditores fiscais da SEFAZ.



terça-feira, 21 de agosto de 2012

CALDEIRÃO DE INCOMPETÊNCIAS FISCAIS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 21/08/2012 - A91
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O Brasil é um país marcado pela falta de investimento em pesquisa e qualificação de mão-de-obra, consequência do nosso combalido e equivocado sistema educacional. Por isso, às vezes temos a sensação de que a alma do nosso povo, a nossa quintessência parece ser mais rarefeita frente a nações produtoras de prêmios Nobel ou detentoras de tecnologia de ponta. É claramente perceptível a falta de tutano e consistência de muitos ocupantes de altos cargos na administração pública. Não à toa, algumas entidades governamentais costumam tomar emprestado um ou outro funcionário graduado de outras esferas do poder estatal. Dessa forma, pessoas do quadro da Receita Federal ocupam diretorias nas secretarias estaduais; auditores da fazenda estadual são emprestados às prefeituras etc. Fatos dessa natureza denunciam a ausência de opções no plantel de determinados órgãos públicos. Esse fenômeno da escassez da excelência profissional tem se agravado nos últimos tempos devido à monstruosa complexidade dos controles governamentais que se avoluma ano após ano.

Na contramão da realidade mediana preponderante nos infindáveis departamentos e gabinetes, segue firme a determinação do governo de implantar procedimentos absolutamente impraticáveis. O resultado desse descompasso entre o desejável e o possível é uma putrefata lama burocrática que só piora as nossas já desajustadas relações institucionais, contribuindo para agravar mais ainda a famigerada insegurança jurídica que paira sobre as nossas cabeças como um espírito maligno. Na realidade, toda essa miscelânea escatológica retrata bem o caminho que a sociedade brasileira resolveu trilhar. Assim, somos o país das discrepâncias, dos contrastes, do salve-se quem puder. Um bom exemplo são as escandalosas diferenças de remuneração de um professor, que ganha um salário mínimo, e a remuneração de um juiz que pode chegar a cem mil reais. No meio do caminho os cargos aspônicos estão na média dos vinte mil reais. Ou seja, não faltam verbas para estratosféricos vencimentos aos aspones, mas nunca tem dinheiro para dar um mínimo de dignidade a professores e pesquisadores. Por isso falta capacitação, por isso falta gestão de qualidade aos órgãos públicos onde prevalece o loteamento de cargos pelos partidos políticos.

Um exemplo ilustrativo desse estado de coisas está nas secretarias da fazenda pública, principalmente estaduais e municipais, que não estão conseguindo digerir os rápidos e ultra-complexos sistemas de controle fiscal surgidos nos últimos tempos. O problema é que essa nova realidade está exigindo algo não muito comum na esfera pública, que é simplesmente uma gestão profissional e eficiente da coisa pública. Assim, falta competência, falta gestão, falta qualificação, onde funcionários e esclarecimentos se colidem e se divergem sempre que os contribuintes fazem questionamentos bem estruturados. Encontrar alguém nesses ambientes que possa tratar de forma sensata e ponderada uma questão fisco tributária é um senhor desafio, visto que os cérebros pensantes e sensatos estão enfiados em gabinetes que ficam dentro de gabinetes vigiados por leões-de-chácara prontos para morder quem se aproxima.

Esses novos modelos de controle fiscal tem intimidado e confundido as ações das secretarias de fazenda, que perdidas e desorientadas pela turbulência de tantas tecnologias e normas malucas, acabam direcionando suas miras para os pequenos e médios contribuintes, que também possuem extremas deficiências técnicas nos seus quadros operacionais. É como se fosse a cobra cega lutando contra o sapo aleijado. Enquanto isso, e correndo por fora desse embate de incompetências, os grandes e melhor equipados contribuintes dançam e sapateiam em volta do borbulhante caldeirão de ignorâncias fiscais. A confusão da legislação e a fragilidade técnica dos agentes fazendários tanto prejudica o pequeno quanto favorece o grande contribuinte. O empresário desprovido de conexões estratégicas e de assessoramento adequado sofre constantemente o peso esmagador do fisco que gruda no seu cangote como carrapatos famintos. Já os grandes e poderosos contribuintes incumbem seus lobistas e advogados de elaborar as mais mirabolantes estratégias (legais ou não) para pagar pouco ou nenhum tributo. E o mais curioso é que todos sabem dos esquemas, mas, inexplicavelmente, ninguém se atreve a mexer com os grandes sonegadores. Por que será? 


terça-feira, 14 de agosto de 2012

O AMADURECER DAS INSTITUIÇÕES

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 14/08/2012 - A90
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Certa ocasião, num debate acalorado em sala de aula onde se discutia os desmandos do poder público e o nosso caótico ambiente jurídico, alguns alunos ressaltavam uma série de aspectos positivos da sociedade norte americana. O professor então resolveu jogar um balde de água fria na discussão; falou em alto e bom tom que os Estados Unidos da América tinham duzentos anos de democracia ininterrupta e que o Brasil havia apenas duas décadas se libertado do poder tirânico da ditadura militar. Ou seja, em comparação com as instituições de lá, poder-se-ia dizer que as instituições de cá ainda usavam fraldas. Portanto, não adianta ficar somente reclamando da prefeitura, dos políticos, da corrupção etc. Também não é necessário achar o que país não tem jeito e que a coisa tende sempre a piorar. É prudente lembrar a todo o momento que cada cidadão é responsável pela construção da nação e por isso mesmo deve contribuir com o seu tijolinho e com um pouco de areia e cimento. Essa coisa de não querer saber de política e entregar as rédeas do seu destino para qualquer aventureiro só pode resultar mesmo é em muita decepção.


Se aceitamos o desafio de sermos solidários num destino comum, então em vez de somente nos escandalizarmos e nos indignarmos com tantos despautérios, deveríamos sim, era tomar cada situação escandalosa como uma oportunidade de promover mudanças positivas na estrutura social. Assim, ajustando gradual e permanentemente cada desalinhamento de cada tijolo das paredes da nossa casa, conseguiríamos um dia chegar ao ponto de equivalência com as nações ditas desenvolvidas. Claro, sabemos que esse é um processo complexo que depende de uma afinada orquestração de ações positivas e contínuas. Isso significa que responsabilidade e trabalho são elementos que estão sempre prontos para serem distribuídos à população. O povo não é um mero figurante do teatro social. O povo é o protagonista e por isso mesmo tem o dever de assumir seu importante papel de construir uma sociedade mais justa e solidária.

Na semana passada, um acontecimento simplesmente espetacular se fez presente na Rua José Paranaguá, centro de Manaus. O prefeiturável Serafim Corrêa estabeleceu um franco e direto diálogo com representantes de algumas importantes entidades da nossa região, sendo que várias e relevantes questões foram tratadas, debatidas, esclarecidas etc. O candidato ao executivo municipal desfiou um rol de esclarecimentos e propostas com incomum franqueza e assertividade. Foi curioso constatar a quantidade de ações despropositadas e irracionais geradas em órgãos públicos que deveriam pautar suas atitudes com um mínimo de sensatez. Alguns fatos comentados no evento se pareciam mais com briguinhas de comadres, como foi o caso do corte de uma mangueira que desencadeou uma crise institucional. Lá pelas tantas e depois de várias histórias rocambolescas, ficou a impressão que as instituições se atritam mais do que se harmonizam, se comportando como adolescentes birrentos e imaturos. É como se faltasse aos honoráveis detentores dos elevadíssimos cargos públicos o senso de grandeza e de responsabilidade perante a nação.

Por conta de tantos choques institucionais ficou evidente a beleza do propósito da reunião. Foi muito bonito ver ali o escancarado e insofismável canal de comunicação funcionar de forma intensa e memorável. Ou seja, questionamentos foram feitos, esclarecimentos foram prestados, queixas foram ouvidas, propostas foram colocadas e a palavra foi franqueada para quem tivesse algo a dizer. Mas o mais interessante foi compreender que a mecânica das engrenagens da máquina público administrativa é perfeitamente suscetível a ajustes. Ou seja, pode-se sim, mexer naquilo que não funciona bem. E isso vale para todas as instâncias de todas as esferas, onde o bom senso tem o poder transformador de corrigir tudo que não for deglutível. Daí, a importância da atuação firme e inabalável das células vivas da sociedade.

Ali, na Federação da Agricultura do Amazonas foi possível vislumbrar as nuances de uma sociedade organizada e plena no seu papel de promoção do exercício da cidadania. Pena que depois das eleições o prefeito eleito jamais se prestaria ao papel de se expor da forma como o antes candidato o fez. 


terça-feira, 7 de agosto de 2012

ENLEAR-SE NA PRÓPRIA TEIA

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 07/08/2012
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As aranhas constroem teias cujos fios são cinco vezes mais forte que o aço, e só não morrem presas à sua própria trama devido ao fato de suas patas serem equipadas com pelos especiais que não permitem que isso aconteça. Esse animal possui uma impressionante habilidade para tecer grandes estruturas, onde do centro da teia é capaz de detectar qualquer tipo de movimento e assim saber exatamente de que ponto se origina a perturbação. Dessa maneira, a informação transmitida pela vibração do fio orienta com precisão a estratégia do ataque.

Ao que parece, o Fisco teve uma inspiração aracnídea para construir o Projeto SPED. Tudo funciona de forma análoga, com exceção dos recorrentes atropelos causados pela falta de um estômago capaz de digerir o cipoal de normas entremeadas por infinitos, destoantes e conflitantes dispositivos que se propõem a dar sustentação legal ao projeto. Percebe-se que falta aos burocratas tecedeiros uma espécie de característica especial às suas patas. Por tal motivo esse pessoal vai tecendo e ao mesmo tempo se enroscando na própria teia; quanto mais complexas são as normas tributárias, mais se enterram na areia movediça existente nos gabinetes e nos centros de “inteligência fiscal”. Claro, sabe-se que os fiscais se afogam nos esclarecimentos de procedimentos legais levando consigo o caixa das empresas. Quanto aos contribuintes, estes se afogam na dúvida e na insegurança jurídica das suas operações. E pior ainda, não têm a quem recorrer quando todos os caminhos escurecem.

A solução última seria recorrer à Justiça, mas isso é algo mais temeroso do que suportar o bombardeio maciço dos insanos e vorazes gafanhotos que saem dos seus gabinetes e vão a uma revoada destruir as plantações dos contribuintes. Qualquer ação na Justiça leva no mínimo cinco anos para que uma primeira e provisória decisão aconteça; e dez anos para que uma decisão definitiva venha a ser proferida. Como o fisco dispara sucessivos e intermitentes ataques ao contribuinte, fica impraticável promover uma ação judicial para cada erro cometido pelas entidades fazendárias, visto que tais erros e achaques acontecem em larga escala. Assim, a dita Justiça acaba figurando na sociedade apenas como um objeto de decoração: não funciona de jeito nenhum, mas está impregnada por uma ideologia que a diviniza, mesmo que sua eficiência só aconteça de fato no consumo de verbas astronômicas que engordam o bolso de todos que mantém girando as suas desajustadas engrenagens.

Um fato ilustrativo dessa maçarocada está acontecendo nesse momento na SEFAZ. O instituto do comodato é amparado pelo artigo 579 do Código Civil e também pelo artigo 4º, inciso XIII do RICMS/AM. “É uma das chamadas não incidências didáticas, pois a própria natureza jurídica do fato não é alcançada pelo ICMS. A doutrina sobre planejamento tributário entende que o contrato de comodato, desde que realizado sem vício e abuso da forma, pode ser realizado entre contribuintes com a não incidência do ICMS” (E. S. C. Rocha). Claro, sabe-se que é prerrogativa do Fisco avaliar a legitimidade da operação de comodato. O problema é que cada avaliação gera um calhamaço de papelada que é formalizado num processo e posteriormente entregue à Gerência de Revisão de Notificações. Como muitas operações de comodato acontecem em muitas empresas, muitos processos são gerados mensalmente e assim a SEFAZ fica sem condições físicas e de pessoal para analisar tantos detalhes. Ainda mais quando a ordem superior é indeferir tudo, mesmo que a lei seja atropelada com um trator. Em resposta, o contribuinte reage dando entrada num outro pleito de revisão da primeira decisão, produzindo assim mais e mais volume de processos para serem analisados. Enquanto isso, o contribuinte é diariamente ameaçado pelos fiscais que dizem claro e abertamente que vão exigir pagamento de ICMS das operações de comodato, demonstrando claro e ostensivamente a negação do Estado de Direito.

A “solução” que a SEFAZ está empurrando goela abaixo dos contribuintes é obrigá-los a constituir uma pessoa jurídica específica para as operações de comodato. Para algumas empresas, esse procedimento desestruturaria completamente a organização dos seus negócios, visto que seria preciso alugar galpões, cancelar contratos, perder clientes e ainda se enroscar numa imensa confusão com a prefeitura, que certamente iria cobrar ISS de cada nota dos bens recebidos ou entregues em comodato. Como o fisco normalmente se comporta como um jumento de viseira, seu bom senso é extremamente estreitado; já o seu mau senso, esse é perversamente criativo e corrosivo.

A SEFAZ sabe que a solução para o problema do recrudescimento do volume de processos é simplesmente usar o bom senso. Só que isso poderia diminuir os valores arrecadados dos contribuintes que se apavoram quando são ameaçados pelos fiscais e assim acabam pagando para se livrar dos urubus, mesmo sabendo que foi mais uma vítima de extorsão. Infelizmente, essa é a nossa sombria realidade.