terça-feira, 24 de setembro de 2013

DUAS CONTABILIDADES A PARTIR DE 2014


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 24/09/2013 - A139

Não existe algo mais achincalhado e mais perseguido pela Receita Federal do que a escrituração contábil das empresas. A contabilidade é o mais importante e eficaz instrumento de controle dos fenômenos patrimoniais; sua adequada utilização pelos comandantes de diversas entidades foi seriamente prejudicada pela intransigência do fisco federal que, na prática, manteve essa contabilidade acorrentada no calabouço insalubre do Regulamento do Imposto de Renda. Não se sabe exatamente a data e hora do sequestro. Sabe-se somente que depois de décadas encarcerada no charco da burocracia oficial, a contabilidade foi finalmente libertada em dezembro de 2007 pela Lei 11.638. A coitada estava tão maltrapilha e tão desfigurada que mesmo depois de tanto tempo, ainda não conseguiu se recompor. Esses últimos anos têm sido marcados pela intensa dedicação de muita gente que se debruçou na reinterpretação da técnica contábil. As empresas fizeram altos investimentos, tanto na modificação de alguns processos operacionais quanto na capacitação dos seus empregados. Do lado de fora da empresa, no ambiente acadêmico, o vasto e absoluto contingente de professores e de alunos foi transportado para um terreno conceitual inteiramente distanciado do anacronismo contábil sepultado no final de 2007. De lá para cá a Receita Federal vinha demonstrando uma postura de neutralidade para não atrapalhar o processo de adoção das IFRS.

Para surpresa geral e espanto da classe contabilista, a Receita Federal ressuscitou o padrão contábil que jazia no cemitério do tecnicismo fiscal. A Instrução Normativa 1.397, publicada na semana passada (17/09/2013), mudou radicalmente o sadio rumo que as empresas vinham tomando para o contínuo aperfeiçoamento da qualidade das suas informações econômicas e financeiras. Essa nova obrigação legal simplesmente promove um sério, confuso e oneroso retrocesso técnico ao instituir a tal da Escrituração Contábil para fins Fiscais (ECF). A partir do próximo ano as empresas serão obrigadas a fazer duas escriturações contábeis. Uma, para as chamadas “partes interessadas” ou “stakeholders” (acionistas, bancos, fornecedores etc.), e outra, exclusivamente para o fisco federal. Até o final desse ano, o instrumento utilizado para cumprir as determinações da Receita Federal de modo a não comprometer o processo de convergência às normas internacionais de contabilidade (IFRS) é o Regime Tributário de Transição (RTT), instituído pela MP 449/2008, que posteriormente foi convertida na Lei 11.941/2009.

O aspecto mais polêmico e preocupante da IN 1397 está relacionado ao tratamento tributário do lucro e dos juros sobre capital próprio (JCP), que obedecerá às regras vigentes até 2007. O perigo reside no fato dos fiscais da Receita Federal se sentirem no direito de aplicar essa nova regra às operações contábeis dos últimos cinco anos, quando por falta de clareza legal, várias empresas desprezaram o antigo regime fiscal em operações de distribuição de dividendos, JCP e reestruturações societárias. O pronunciamento do subsecretário de Tributação da RFB, sr. Fernando Mombelli, aponta para o caminho da tributação retroativa. Por isso várias empresas já estão tomando medidas judiciais cautelares.

Todo esse rebuliço, na verdade, não surpreende o observador mais atento. A Receita Federal sempre enxergou sérias ameaças no padrão contábil IFRS. Mesmo assim, muita gente esperava uma reformulação do modelo tributário que preservasse o processo evolutivo da internacionalização da nossa contabilidade. Como os novos conceitos são de fato muito complexos frente à objetividade engessante da antiga contabilidade, a RFB preferiu retroceder a queimar pestanas para conferir uma nova dimensão à estrutura tributária do imposto de renda.



terça-feira, 17 de setembro de 2013

RAÍZES DA CORRUPÇÃO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/09/2013 - A138

Um olhar minucioso ao tema corrupção nos faz perceber que suas raízes são muito mais profundas e capilarizadas do que o senso comum possa imaginar. Estamos tão entorpecidos de graves perversões morais que só enxergamos os casos folclóricos e midiáticos de corrupção. Na realidade, essa doença se transformou num sinônimo de política, como se fatos correspondentes ocorridos no cotidiano de pessoas comuns fossem deslizes inconsequentes. Dessa forma, a esperteza, tão glamourizada e “tão necessária” para a garantia do sucesso profissional acaba frequentemente ultrapassando as fronteiras do tolerável. E como nunca se pergunta ao vencedor se ele trapaceou no jogo, mais e mais pessoas vão deixando pelo caminho alguns princípios éticos que não encontram lugar na vida prática. E assim a epidemia da corrupção se alastra de forma virulenta. Claro, sabemos que tudo isso só nos enfraquece como nação e nos condena a um atraso crônico. Muitas empresas já se conscientizaram das consequências nefastas da corrupção e seus impactos danosos ao patrimônio de qualquer negócio. Daí, o crescente interesse pelos programas de compliance e de governança corporativa.  

Na quarta-feira passada a novela Amor à Vida ilustrou de forma didática como a corrupção está entranhada na vida do povo brasileiro e como ela corrói o bolso dos que pagam impostos. Numa reunião de prestação de contas da auditoria convidada para analisar contratos superfaturados, o personagem Félix foi identificado como responsável por vários casos de extorsão aos fornecedores da empresa do pai. Depois muita discussão e baixaria a personagem Vega interferiu na polêmica ao afirmar que a corrupção é algo comum nesse país; não só na política como também nas empresas, e que funcionários do setor de compras costumam “levar um por fora” para escolher esse ou aquele produto. O Félix complementou o assunto dizendo que os médicos também cobram o “por fora” dos pacientes e que assim ele só fez o que todo mundo faz. Daí sua revolta. Por que só ele deveria ser crucificado? Em outra cena, Félix reconheceu o erro, mas disse que não roubou; só superfaturou alguns contratos para aplicar o dinheiro desviado na constituição da própria empresa. Sua avó então perguntou qual era a diferença entre uma coisa e outra.

Várias e várias respeitadas empresas são fruto da “árdua dedicação” de pessoas “honradas” que no passado trabalharam no setor de compras dos seus antigos patrões. O tempo passou, os negócios prosperaram e a origem “daquele” capital inicial que antes incomodava, agora é visto como uma esperta manobra do vencedor, que hoje é um ferrenho defensor da ética empresarial. Os compradores das empresas são normalmente pessoas distintas dos demais e alvo da inveja de colegas porque prosperam muito rapidamente. Alguns têm o desplante de ostentar pompa e fausto sem a mínima preocupação com a opinião alheia. Mas, curiosamente, seus pares se derramam em elogios ao sucesso conquistado. Claro, quem não deve achar graça em nada disso é o patrão.

Como então fugir da corrupção se ela está em todo lugar? Parece até aqueles filmes de terror onde o vilão sempre surge com um machado em punho. Para piorar de vez e matar o fio de esperança que nasceu nas areias da desolação através do empenho do ministro Joaquim Barbosa, estamos contemplando o triunfo incandescente da impunidade a brilhar na mais alta corte do país como uma chama ofuscante a legitimar toda bandalheira presente em cada canto da vida do povo brasileiro. O ministro Celso de Melo sinalizou que seu voto eternizará o julgamento do mensalão, frustrando assim as expectativas da sociedade quanto à prisão dos envolvidos. Sabe Deus quantas manobras tenebrosas estão acontecendo nos bastidores para que ninguém seja punido. Dessa forma, quantos anos de frustração ainda teremos que viver sabendo que almas escondidas em togas luxuosas e discursos embusteiros são tão parecidas com outras que nos embrulham o estômago quando se mostram de forma crua? Aquelas pessoas asquerosas que aparecem no programa Cidade Alerta, do apresentador Marcelo Rezende; todas elas, juntas, não são tão nojentas quanto os que conspiram para confirmar que o Brasil é sim, a terra da bandidagem institucionalizada, onde poderosos fazem gato e sapato das instituições que deveriam proteger os sustentáculos da nação brasileira. Que Deus tenha piedade de todos nós.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

RELAÇÃO FISCO-CONTRIBUINTE


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13/09/2013 - A137

A relação entre fisco e contribuinte sempre foi marcada pelo antagonismo de ideias e rivalidade de posições. Em cada um dos flancos são arquitetadas estratégias mirabolantes para garantir a defesa de interesses sectários. Isto é, os dois lados estão em constante jogo de gato e rato. A convivência de ambos universos diametralmente opostos era assentada na tolerância mútua de atitudes pecaminosas. O pecado da corrupção era tolerado pelo sonegador enquanto o pecado da sonegação era tolerado pelo corrupto. Ou seja, eu barbarizo no trânsito e por esse motivo ignoro o maluco que desrespeita a faixa de pedestre (tamo junto, brother!!). O problema é que a balança pendeu gritantemente para o lado do fisco quando este passou a bombardear diversos esquemas de sonegação com artilharia pesada. O resultado claro e inequívoco desse bombardeio está na drástica redução da informalidade. A nossa economia subterrânea passou de 21% em 2003 para 16% em 2011, sendo que nesse mesmo período não ocorreu nenhuma mudança de postura do poder público que sinalizasse alguma queda nos níveis de corrupção. Ou seja, a relação que já era ruim azedou de vez porque o governo continua pintando e bordando na avenida da relação tributária a 100 km por hora, ao passo que o contribuinte é obrigado a se manter na linha. Tantos desmandos são a causa maior da revolta crescente que incha no peito do povo brasileiro.

A pressão esmagadora do SPED está redefinindo os termos de conduta que regem a relação fisco-contribuinte. Se um não pode sonegar então o outro não pode roubar nem também administrar mal os recursos públicos. E já que está sendo sangrado pelo governo, o contribuinte quer se inteirar completamente dos mecanismos que dão sustentação legal ao poder público de tributar. O contribuinte quer conversar cara a cara com o fisco e quer estudar legislação tributária. Daí, que o fisco precisar se preparar para esses novos tempos. Por isso mesmo é que determinadas atitudes de alguns entes fazendários são louváveis quando se dispõem a um franco e aberto diálogo com aqueles quem pagam tributos. 

O êxito desse diálogo passa pela racionalização das normas tributárias, visto que além e acima da pesada carga de impostos, o que mais inferniza as empresas e paralisa a economia do país é o cipoal tresloucado das labirínticas normas tributárias. A obsessão pela complexidade é a marca maior do legislador brasileiro, onde nada, absolutamente nada pode ser regido pela objetividade. Tudo é sinuoso, subjetivo, interpretativo e confuso. Tudo é meticulosamente construído para garantir a propina do fiscal. Tudo é pró-propina. Ou seja, a lei é confusa justamente para impedir seu uso como arma de defesa do contribuinte.

Racionalidade torna-se assim a interface entre o lado de cá e o lado de lá do tributo. Isso significa que grandes esforços devem ser empreendidos na tarefa de transpor as regras fiscais para os sistemas eletrônicos de cobrança tributária. Os processos de sistematização eletrônica das regras tributárias possuem o poder de identificar entraves burocráticos dos mais diversos. Daí, a importância da análise meticulosa das rebarbas que podem ser aparadas e dos excessos que devem ser rejeitados. Por isso é tão importante investir na capacitação profissional do pessoal técnico dos entes fazendários. Pessoas capacitadas e equipes de alto desempenho precisam de estímulo e investimento para que seja possível melhorar toda a infraestrutura normativa da administração tributária, conferindo assim melhores níveis de racionalidade à gestão pública. Cabe aqui a criação de um núcleo de inteligência fiscal que possa investigar práticas internas e externas que sejam danosas tanto ao fisco quanto ao contribuinte. A clareza das regras é o primeiro passo da cidadania fiscal.

A racionalidade das normas fiscais em conjunto com parametrizações impecáveis dos sistemas eletrônicos de gerenciamento tributário abre caminhos para o estabelecimento de bases sadias que possam apontar um futuro de justiça fiscal. Por sorte, e apesar de tantos percalços, a nossa Secretaria de Fazenda Estadual vem avançando a passos largos nesse sentido, estando na vanguarda em comparação a vários outros estados da federação. Sorte também, tivemos com o comando da nossa Secretaria de Fazenda Municipal que finalmente está sendo administrada por um executivo incensado pela nossa elite econômica e politica. 



terça-feira, 3 de setembro de 2013

Atropelos na Desoneração da Folha de Pagamento


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/09/2013 - A136

O benefício tributário da desoneração da folha de pagamento, tão alardeado pelo governo no final do ano passado e tão almejado pelo comércio foi duplamente atropelado pela inércia do executivo federal. Primeiramente, a Medida Provisória 601/2012 perdeu sua validade em 03/06/2013 através do Ato Declaratório 36/2013, do Congresso Nacional. Essa dita MP havia incluído os setores do comércio e da construção civil no regime substitutivo da desoneração da folha de pagamento a partir da competência abril/2013. Ou seja, já no início de junho as empresas enquadradas foram jogadas numa espécie de limbo fiscal, onde ficaram aguardando o trem seguir em frente ou retornar ao ponto de partida. Para corrigir a pisada de bola e garantir o compromisso firmado com os setores beneficiados o governo acionou seus magos, que num ritual de alquimia jurídica inocularam o espírito da MP 601/2012 no procedimento que converteu a MP 610/2013 na Lei 12.844/2013.

O Senado aprovou a MP 610 dia 11/07/2013, restando a presidente Dilma sua sanção como última etapa da alquimia jurídica. Dessa vez, e novamente, o governo, além de pisar na bola, tropeçou nas próprias pernas promovendo assim uma lambança digna de destaque nos anais da república.

A Lei 12.844/2013 incluiu o parágrafo 8º no artigo 8º da Lei 12.546/2011, que é a Lei Mãe da desoneração da folha de pagamento. O supracitado parágrafo 8º permitia que as empresas interessadas pudessem continuar desoneradas a partir de junho de 2013, visto que a Lei 12.844 estabeleceu a competência novembro desse ano como nova data de enquadramento obrigatório no regime substitutivo da desoneração da folha de pagamento.

O problema é que a Lei 12.844/2013 incluiu também o parágrafo 9º no artigo 8º da Lei 12.546/2011, que condicionou a opção de continuidade do enquadramento ao recolhimento da contribuição substitutiva no prazo de vencimento. Dessa forma, quem quisesse continuar desonerado deveria ter feito o recolhimento da competência junho/2013 na modalidade substitutiva até o prazo de vencimento, que foi dia 19/07/2013.

A Lei 12.844/2013 foi publicada na edição extra do Diário Oficial no final do dia 19/07/2013. Ou seja, só no final desse dia as empresas foram oficialmente informadas que deveriam ter feito a opção nessa data. O problema é que não foi possível fazer essa dita opção porque o expediente bancário já estava encerrado e praticamente todo mundo havia pagado o INSS patronal com base na folha de salários. Como a própria lei diz que a opção deveria ter sido feita de forma irretratável, a consequência imediata foi a criação de um vácuo entre maio e novembro de 2013. Essa lambança beneficiou as empresas prejudicadas pelo regime, que ficarão cinco meses fazendo o recolhimento patronal de 20% sobre a folha de salários enquanto as beneficiadas pelo regime que tiveram redução de INSS em abril e maio ficaram obrigadas a pagar mais nos cinco meses subsequentes.

O rebuliço provocado pela morte da MP 601/2012 voltou como uma assombração a infernizar a vida das empresas quando a Lei 12.844 permitiu e instantaneamente proibiu a continuidade no regime substitutivo da desoneração da folha de pagamento. A coisa foi tão surreal que muitos contadores ficaram a ver e rever várias vezes a regra legal até que o Ato Declaratório Interpretativo 04 da Receita Federal, de 27/08/2013, confirmou a existência desse vácuo entre maio e novembro de 2013. Ou seja, como é possível o governo conceder um benefício fiscal já invalidado? É a mesma coisa que presentear o agricultor com sementes mortas.

A consequência desse imbróglio é que muita gente simplesmente ignorou o tal do parágrafo 9º ao retificar o recolhimento da competência junho para o regime previdenciário substitutivo. Outras empresas consultaram seus departamentos jurídicos para conferir sustentação legal às suas decisões. Alguns até dizem que o governo não teria a cara de pau de punir as empresas que deram prosseguimento ao regime da desoneração da folha de pagamento por causa do absurdo legal do parágrafo 9º. O certo é que esse assunto deu muito pano para mangas, evidência mais do que gritante da incompetência de um governo que possui, talvez, a estrutura administrativa mais cara do planeta e que por isso mesmo não poderia cometer tantos deslizes.

Só para jogar um pouco de lenha na fogueira da insônia do empresariado, é bom lembrar que a inclusão do INSS no rol de tributos sobre o consumo (que já são tantos!!) foi autorizada pela Emenda Constitucional 20/1998, que também incluiu o lucro (CF, Art. 195, I, c). Portanto, é bom ficar esperto, visto que a qualquer momento o governo poderá iniciar a taxação de INSS também sobre lucro das empresas.