terça-feira, 22 de julho de 2014

RISCO CONTÁBIL


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 22/07/2014 - A179

A construtora que pretende erguer um edifício residencial não contrata qualquer engenheiro para tocar o projeto. Afinal de contas, a incompetência pode cobrar um preço alto demais. Por isso é que empreendimentos dessa natureza são cercados de aparatos tecnológicos variados, além de muita expertise e monitoramento rigoroso de cada ação executada. Curiosamente, a mesma precaução não é dispensada aos assuntos contábeis e fiscais. Por ignorância ou descaso deixam-se essas áreas críticas à deriva, vagando rumo ao desconhecido; onde só se percebe o tamanho do erro gerencial quando os negócios são fortemente impactados por autuações fiscais ou quando se perde um grande contrato. Geralmente, o epicentro de tantos prejuízos está nas atividades fiscais e contábeis, e, provavelmente, a causa maior de tais problemas esteja no desinteresse dos gestores por esses importantes assuntos e também na falta de uma cultura de auditoria empresarial. A coisa ganha ares dramáticos nos ambientes de alta complexidade e expressivo volume de operações.  

De acordo com estudos da consultoria Crowe Horwath RCS, o Brasil é uma das nações com a menor taxa de auditores por habitante, o que poderia justificar o motivo de tanta corrupção no nosso país. Enquanto aqui a taxa é de um auditor para cada 24.600 habitantes, na Holanda é de um para cada 900 habitantes; Inglaterra, taxa de 1 para 1.300 e Canadá, 1 para 1.500. Dessa forma, pode-se afirmar que o Brasil daria um salto substancial se o hábito da utilização da contabilidade para tomada de decisões fosse incorporado à cultura empresarial brasileira, visto que cada gestão contábil eficiente resultaria num patrimônio protegido. E quanto mais empresas protegidas, menor seria a quantidade de fraudes e menos ainda o número de empresas doentes.

A ensandecida estrutura regulatória do governo transformou o ambiente de negócios brasileiro num campo minado de alto risco e pouca margem de manobra. Por isso, não há mais espaço para amadorismo. E os profissionais responsáveis pela saúde contábil e fiscal dos seus clientes estão diante de um sério dilema, tal qual seja: ou se atualizam ou mudam de profissão. A pior decisão é insistir num modelo de trabalho ultrapassado, visto que isso tende a resultar em consequências desastrosas para ambos os lados da relação profissional.

Quanto aos administradores, está na hora desse pessoal acordar para os assuntos de retaguarda do negócio, visto que a seriedade do momento exige uma urgente revisão do modelo administrativo, contábil e fiscal da organização. A palavra de ordem é CONTROLE. A outra também importante palavra é PROFISSIONALIZAÇÃO. Portanto, é preciso coragem e disposição para encarar tantos desafios, mesmo que tudo se mostre caro e demorado. É bom lembrar que custo maior é o da ineficiência e do descontrole, que juntos levam muito dinheiro diretamente para o ralo do desperdício e da fraude.

O presidente da empresa, antes de tudo precisa ser um otimista e precisa ainda enxergar além do horizonte. Um apurado faro também é necessário para identificar profissionais capacitados e comprometidos com os valores e diretrizes da organização. Mais ainda, é essencial reunir competências contábeis e tributárias para que assim possa analisar o desempenho do negócio a partir dos relatórios produzidos pelo seu contador. Inclusive, deveria ser a coisa mais natural do mundo o hábito do contador se reunir mensalmente com o diretor para prestar contas das atividades desenvolvidas no mês; apresentar relatórios e posicionar a alta administração sobre uma série de assuntos relevantes. 

O fato é que a cada ciclo de crescimento, a empresa precisa se reinventar e se adaptar às pressões externas para assim garantir sua perenidade no mercado. Uma saudável estrutura de controle permite que se façam ajustes graduais na estrutura do negócio de modo natural e sem atropelos. Além do mais, tais controles podem detectar uma série de fenômenos anormais ou desvios nos indicadores de desempenho.

O pior dos mundos é trabalhar no escuro, sem noção dos custos, da lucratividade ou do dimensionamento da estrutura administrativa. Sem números confiáveis em mãos fica impossível interferir acertadamente nos processos e assim fazer os ajustes que se fizerem necessários, fato que se torna mais dramático e arriscado nos momentos de crise.

Por fim, é bom não esquecer que uma informação de qualidade leva a uma decisão acertada, ao passo que informações erradas produzem decisões estabanadas.

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terça-feira, 15 de julho de 2014

GESTÃO PÚBLICA DESORIENTADA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 15/07/2014 - A178

Os grandes centros de excelência educacional, como Harvard, Oxford ou Sorbonne sintetizam o grau evolutivo de seu povo, como uma insígnia a resplandecer para o mundo o brilho civilizatório da nação. E a razão de tanto sucesso se deve ao grande investimento dessas instituições em pesquisa e desenvolvimento nos vários campos do conhecimento humano. Na realidade, o desenvolvimento tecnológico advindo de tais estudos vem constantemente aprofundando o abismo entre as nações menos ou mais avançadas.

A história da terra manauara é pontuada de eventos pioneiros carregados de arrojo e ousadia. Por conta dessa riqueza ancestral é que os manauenses contemporâneos têm o dever de zelar por essa bela tradição. Sendo assim, pergunta-se: Por que a Cidade Universitária da UEA não poderia se tornar um centro de excelência reconhecido internacionalmente? Já temos um trunfo que muito pode nos ajudar nessa empreitada, que é a marca Amazônia. Da mesma forma que foi despejada uma montanha de dinheiro nas obras da FIFA, poder-se-ia também fazer o mesmo no campo educacional, com resultados muito mais promissores.

O Brasil carece de centros de excelência em diversos tipos de pesquisa. Por exemplo, as entidades patronais seriam imensamente beneficiadas se houvesse um grande núcleo de altos estudos no campo tributário, dedicado à construção de soluções para os infinitos problemas da ensandecida estrutura fiscal que se abateu sobre o país. Outro universo extremamente carente de suporte técnico e capacitação é a gestão pública, sendo que nesse caso, há um clima de urgência por conta do prazo esgotado de algumas disposições da Lei da Transparência e da contagem regressiva para adequação à Nova Contabilidade Pública. Isso, fora as enigmáticas regras de funcionamento do Controle Interno, um assunto que também está atormentando os gestores públicos.

Por conta de tantas demandas e prazos exíguos, os gestores públicos estão desorientados e sem noção exata de como lidar com tantos desafios. Faltam justamente as orientações práticas de como efetivamente promover as necessárias adequações nas diversas estruturas operacionais da administração pública. Tais dificuldades têm concorrido para a formação de um clima de ansiedade e insegurança de muita gente. Esse quadro é agravado nos municípios localizados no interior do estado, onde o acesso aos recursos tecnológicos e humanos é bastante restrito. Ou seja, falta orientação, falta preparo, falta capacitação; falta aos demandantes de conhecimento a descoberta de uma fonte abastecedora que sacie a sede tantos funcionários públicos engajados na firme ideia de profissionalização das suas incumbências. O atendimento de tantos requisitos numa proposta unificada de solução poderia ser viabilizado através da união de esforços da Associação Amazonense de Municípios em conjunto com o Conselho Regional de Contabilidade e com o Tribunal de Contas do Estado. Essas três entidades capitaneariam um projeto de desenvolvimento de modelos administrativos via criação de núcleos de excelência em gestão pública.

Atualmente, os gestores do interior do estado não sabem a quem recorrer no momento em que decidem revisar ou construir processos operacionais complexos. Alguns casos de serviços de consultorias especializadas trazidas a peso de ouro do sul do país não se mostraram adequados nem satisfatórios. Por isso é que as soluções devem ser criadas aqui, pelos amazonenses. Temos competência para isso. Basta apenas acordar para o problema e em seguida buscar os meios eficientes para efetivar esse ideal pedagógico. Ao que parece, o cerne da dificuldade atual vivida pelos gestores públicos está no desinteresse de alguns e na falta de diálogo de todos. Por isso, está na hora de alguém levantar a voz. Está na hora de promover um grande movimento de valorização da gestão pública amazonense, com repercussões na mídia e convocação do funcionalismo para abraçar essa causa grandiosa.

A efetiva implementação de excelentes disposições legais já existentes teria o poder finalístico de suprimir o cabedal de práticas tortuosas entranhadas até o osso da gestão pública. Ou seja, o germe revolucionário da gestão pública pode ser desenvolvido no meio da pirâmide hierárquica. Posteriormente, se expandiria para baixo e em seguida pressionaria o topo. Portanto, Lei da Transparência, Contabilidade adequada e Controle Interno eficiente são os elementos capazes de quebrar muitos paradigmas e ao mesmo tempo valorizar a imagem do funcionário público. E a capacitação profissional é o elemento-chave dessa revolução.

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terça-feira, 8 de julho de 2014

A quem interessa um sistema injusto?


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/07/2014 - A177

No ano passado o governo aprontou mais uma das suas lambanças ao publicar a Instrução Normativa 1397, que obrigaria meio mundo de grandes empresas a reabrir seus últimos balanços. O objetivo da medida era identificar dividendos supostamente distribuídos em excesso por conta de um imbróglio jurídico criado pelo próprio fisco federal. As consequências dessa insensatez seria um terremoto a sacudir mais ainda a combalida imagem do Brasil nos mercados internacionais, onde somos vistos com desconfiança por causa da famigerada insegurança jurídica. Diante de tamanha esdruxulosidade, as grandes empresas reagiram prontamente, forçando o governo a engavetar a diabólica IN 1397 num curtíssimo espaço de tempo. Um fato curioso nessa história toda foi constatar o poder de fogo dos grandes grupos empresariais sobre a administração pública. Isso significa que tais grupos são coniventes com os desmandos e com as injustiças da legislação tributária, desde que o prejuízo fique com os outros. Antes do caso IN 1397, muita gente desinformada poderia acreditar que o lombo de todo mundo estava ao alcance das chibatadas do Fisco. O caso da IN 1397 quebrou esse paradigma ao revelar um ambiente fiscal ajustado aos interesses de grupos específicos.

Interessante, é observar a barulheira em torno da pesada carga tributária e das maluquices normativas do governo. Mas, se examinarmos a questão atentamente será possível constatar que o alvo da taxação é frequentemente o imenso contingente de pessoas desprovidas de poder e de influência, tal como o empregado que tem os impostos retidos pelo empregador ou o microempresário desprovido de recursos suficientes para contratar um tributarista superstar. Ou então o cidadão comum que ao consumir um pacote de biscoito, antes experimenta o sabor amargo de vários impostos acomodados na embalagem do produto. A prova cabal e irrefutável desse modelo regressivo de tributação está nos números comparativos do Brasil frente a outros países. Enquanto que aqui o imposto de renda contribui com 21% do bolo arrecadatório, nos EUA o percentual é de 44%; e no Canadá é de 47%. Quanto aos tributos sobre consumo, a fatia do bolo arrecadatório americano é de 18%, enquanto que no Brasil é de 44%. Nesse quesito, a Argentina é pior, com 52%. Ou seja, a taxação sobre consumo é uma característica marcante de governos dominados pelo poder econômico (governos fracos). O motivo da baixa participação do imposto de renda no nosso bolo arrecadatório é muito simples. Quanto maior a empresa, maiores são as possiblidades de escapar da tributação. Basta explorar as infinitas brechas propositadamente deixadas na lei, cujo mapeamento de tais fragilidades só é compreensível aos advogados superstar. Outra constatação do nosso deformado sistema tributário que protege o rico e ataca o pobre está num levantamento da Ernst & Young, onde mostra que enquanto no Brasil a taxação sobre heranças e doações é em média de 3,86% sobre o valor herdado, na Inglaterra é de 40%, no Japão 50% e na França pode chegar até 60%.

Com o direcionamento do governo sendo fortemente influenciado pelos interesses dos grandes grupos econômicos, a tendência do Fisco é continuar atuando no varejo com o seu mirabolante projeto SPED, deixando de lado o imposto de renda. Os conglomerados econômicos pouco se importam com as majorações de tributos sobre consumo, visto que tudo é repassado para o preço do produto. Traduzindo: quem paga o pato é sempre o consumidor. E enquanto o governo estiver perseguindo o consumidor, a indústria e o atacadista terão seus rendimentos próprios fora da alça de mira do Fisco.

Nesse momento, praticamente 100% dos esforços da Receita Federal estão concentrados na parte mais fraca do poder econômico, que são os trabalhadores. O objetivo do eSocial é fortalecer a arrecadação previdenciária e ao mesmo tempo estancar o sangramento decorrente das fraudes no programa do Seguro Desemprego e no FGTS. Ou seja, o primeiro grande alvo foi o simples consumidor e agora quem está na alça de mira é o empregado. Pergunta-se então quando e se um dia o governo vai ter coragem de envidar esforços semelhantes para atuar na tributação do imposto de renda das empresas do regime Lucro Real. Melhor ainda, será que um dia teremos um modelo arrecadatório parecido com o canadense? Talvez nunca.



terça-feira, 1 de julho de 2014

PRINCÍPIOS DIVINOS SOB DEMANDA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 01/07/2014 - A176

A igreja medieval era detentora dum poder absurdamente esmagador. Tanto, que o império papal chegou a controlar um terço das terras cultiváveis da Europa Ocidental, sendo assim o grande “senhor feudal” da sua época. Seus inquebrantáveis cânones eram sustentados por dogmas estabelecidos diretamente pelo poder divino, cabendo aos humanos uma cega e inquestionável devoção.

As regras vigentes num dado momento eram eternas e oriundas do texto bíblico. Portanto, claras como um cristal. Lá pelas tantas, algum tipo de rebuliço circunstancial obrigava determinada autoridade eclesiástica a promover modificações na doutrina, sendo o novo preceito uma representação fidedigna da vontade dos céus.

A persistente intervenção do imperador Oto I nos assuntos eclesiásticos levou o papa Gregório VII a instituir o celibato dos sacerdotes. Tal decisão concorreu para preservação do poder da igreja e a consequente defesa do seu patrimônio. Dessa forma, o celibato passou a ser algo natural e sagrado, como se tivesse nascido junto com o catolicismo.

O instituto do matrimônio, bem como a ordem centralizadora de Roma eram causas primárias da fé cristã. Mesmo assim, o Ato de Supremacia do parlamento inglês quebrou essa pedra angular numa só tacada. A nova doutrina estabelecida pelos céus permitiu o segundo casamento do rei Henrique VIII e ainda lhe conferiu o título de Chefe da Igreja Cristã. Consequentemente, os opositores dessa nova ordem foram executados por violação da sacrossanta crença recém-estabelecida.

Assim como acontece na dimensão religiosa, carecemos também de uma doutrina objetiva no sistema tributário. Precisamos ser convictos da solidez do terreno em que estamos pisando e ao mesmo tempo é fundamental que tenhamos em mãos um mapa normativo bem desenhado. Especificamente, no caso brasileiro, a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional deveriam ser vistos como balizadores capazes de conferir um grau mínimo de segurança jurídica no campo tributário. Não é bem o que acontece. Na realidade, os nossos princípios tributários mais se parecem uma colcha de retalhos cheia de buracos e indefinições. Por isso é que nos momentos de impasse tais princípios mais atrapalham do que ajudam a pacificar conflitos normativos. Pior ainda, todo o nosso sistema jurídico é frágil. Isso ficou bem claro no episódio do Mensalão, que mostrou o quão vulneráveis são os nossos fundamentos jurídicos diante da força de certos grupos políticos.

Outro fato preocupante é a prática recorrente do poder executivo, de mandar pras cucuias determinados fundamentos normativos ao criar ou majorar tributos. Esse tipo de procedimento é bem a cara daquele governante desprovido de formação educacional mínima para ocupar cargos públicos relevantes. O enredo é sempre o mesmo: Quando o dinheiro passado por diversos filtros propinolísticos não é suficiente para a execução de obras eleitoreiras, cria-se da noite para o dia uma maluquice normativa capaz de gerar fundos suplementares ao erário. Em seguida, joga-se no peito dos doutrinadores a responsabilidade de “legalizar” a bandalheira. Paralelamente, os mais eruditos juristas e pensadores começam a construir uma aura divina em torno da flagrante ilegalidade tributária. Obviamente, tanto esforço não convence a ninguém, mas mesmo assim fica garantida a sucessão de espetáculos demagógicos materializados nas decisões administrativas e judiciais.

Esse quadro dantesco pode ser resumido da seguinte forma: Legisladores e juristas das mais altas castas constroem lindas estruturas conceituais, perfeitamente alinhadas com as melhores práticas adotadas nos principais sistemas legais do mundo. Em seguida, como um elefante desengonçado na loja de cristais, os insensatos comandantes do governo resolvem detonar essas ditas estruturas conceituais. Foi assim com a EC 3/93, que virou pelo avesso o conceito de Fato Gerador ao constitucionalizar o regime de Substituição Tributária do ICMS. Quem acessar a Seção II do CTN pode contar 50 vezes o termo “revogado” nos seus sete artigos. Isso dá a dimensão do quanto sofre o pobre do ICMS nas mãos do legislador. E olha que a Seção II do Código Tributário Nacional é apenas um guia orientador das 27 legislações estaduais que regulamentam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Ou seja, os princípios fundamentais do ICMS já foram revogados 50 vezes. Pode-se considerar tanto mexe e remexe de princípio fundamental? Os desarranjos se sucedem, como o emaranhado caso do Finsocial/Cofins, taxa de internamento da Suframa e vários outros mais.

Tanta maluquice faz a delícia da vida dos advogados e ao mesmo tempo promove um clima de terror nos tribunais, entupidos até o teto de ações tributárias. Assim, desprovidos de princípios tributários mínimos, somos obrigados a dormir, acordar, almoçar e jantar com a insegurança jurídica grudada no nosso cangote. E a balbúrdia generalizada só tende a crescer com o passar dos anos.

O comediante Groucho Marx já dizia: “Estes são os meus princípios. Se você não gostar deles, eu tenho outros”.

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