terça-feira, 26 de julho de 2016

CRUZAMENTO DE INFORMAÇÕES FISCAIS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 26 / 7 / 2016 - A260
Artigos publicados

O artigo 113 do Código Tributário Nacional contempla a figura da obrigação principal e também da obrigação acessória, tendo por objeto o pagamento do tributo, bem como as prestações legais de interesse da fiscalização. Não adianta bater no peito e dizer que recolheu os impostos direitinho, se não houver atenção diligente para com o entulho burocrático. É bom lembrar que a obrigação acessória se converte em obrigação principal pelo simples fato da sua inobservância (parágrafo terceiro do referido artigo).

O fato é que o lamaçal de redundantes obrigações acessórias vem promovendo uma onda de terror Brasil a fora. A cada dia que passa o governo cria uma nova maluquice com duzentas mil regras conectadas a um sem-número de mecanismos eletrônicos de controle. Não à toa, estudos do Banco Mundial revelaram que a nossa burocracia tributária consome 25 vezes mais tempo do que a burocracia inglesa. As consequências devastadoras desse paroxismo normativo se traduz na máquina super ultra gigantesca das agências fazendárias, entupidas de funcionários públicos até as tampas. É um monte de gente atordoada e enroscada num cipoal burocrático, onde ninguém sabe esclarecer todas as dúvidas do contribuinte. Na realidade, poucos deles se esforçam para prestar um bom serviço ao pagador de impostos.

Quem produz o texto legal deve morar numa zona remota do planeta, uma vez que esse pessoal não entende bulhufas da rotina de uma empresa. Esses óvnis nunca dirigiram um caminhão do sul até aqui, nunca trabalharam num almoxarifado, nunca venderam, nunca pagaram, nunca compraram, nunca ficaram perambulando nos órgãos de controle pra liberar uma carga retida. Essas criaturas bisonhas imaginam o ambiente operacional de um estabelecimento varejista e a partir dessa imagem fantasiosa criam diversas normas legais. Do lado de cá, aqueles que de fato estão na lida, vão se espantando e se assustando com bizarrices estapafúrdicas publicadas no Diário Oficial. A todo o momento alguém pergunta: “Quem diabo foi que inventou tanta asneira?”.

Pois é. A montanha de gente empilhada nos órgãos públicos precisa justificar sua contratação. Daí, que a burocracia tem que crescer alucinadamente para alimentar a indústria dos concursos públicos. Daqui a pouco esse monstro esfomeado vai devorar toda a riqueza gerada pelo setor produtivo. Ou seja, não demora muito e vamos trabalhar exclusivamente pra pagar imposto.

Voltando ao lamaçal de redundâncias burocráticas, vivemos atualmente o curioso fenômeno das denúncias espontâneas em larga escala. Antigamente, as coisas feias eram escondidas; hoje, todas as inconsistências são comunicadas ao Fisco nos seus mínimos detalhes. Pode-se afirmar que o Brasil inteirinho está com a ficha suja junto ao Fisco. É provável que NINGUÉM esteja atendendo a essas novas obrigações eletrônicas com erro zero. Nas palavras do ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, Rogério Amato, nenhum contador consegue dá segurança para seu cliente. Parte do motivo de tanta instabilidade reside na obrigação de enviar a mesma informação através de vários canais. Por exemplo, uma empresa amazonense disse para a Sefaz que vendeu R$ 107.162,40. Fez isso através da DAM. Acontece que no mesmo período emitiu R$ 538.879,15 de notas fiscais eletrônicas. Já no SPED Fiscal informou R$ 498.956,35. Outra empresa fez uma lambança ainda maior. No ano de 2013 ela emitiu R$ 2.482.451,00 de notas fiscais eletrônicas, mas declarou no DAS uma venda oficial de R$ 390.617,00. É bom lembrar que as empresas do Simples estão sendo monitoradas pela Sefaz através de análises trimestrais. Isto é, discrepâncias entre compras e vendas já estão gerando notificações imediatas.

No exemplo da empresa amazonense, a mesma informação chegou ao Fisco através da nota fiscal eletrônica, através do SPED Fiscal, através do SPED Contribuições, através da DAM, através do SPED Contábil e através da Escrituração Contábil Fiscal (ECF). Essa última substituiu a antiga Declaração de IRPJ. Um detalhe importante: Os bancos estão informando para o SPED a movimentação de duplicatas. Tal procedimento visa detectar divergências entre valores da nota fiscal e do boleto. Diversos outros instrumentos eletrônicos de controle estão interligados via sistema SPED, como a DIRF, DCTF, DIRPF, SEFIP, RAIS etc. Não demora muito e outros módulos serão operacionalizados, gerando mais burocracia e mais custo administrativo, tais quais: SPED Financeira, SPED Retenções, eSocial, Bloco K etc. Resumindo, tudo tá ligado com tudo, como se o SPED fosse um grande ERP. Isso significa que os contribuintes precisam melhorar suas estruturas de controle interno.

Em meio ao intenso bombardeio do governo surge a urgente necessidade de investimento em mecanismos de Contrainteligência Fiscal para escapar vivo de tantas e mirabolantes armadilhas. O Fisco não está brincando e o risco é real. Infelizmente, o contribuinte não tem saída. A não ser capacitar seu corpo funcional de modo a digerir todo esse universo de novos desafios burocráticos e tecnológicos. Fazer de qualquer jeito é que não dá mais.



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terça-feira, 12 de julho de 2016

CRUZADA PELA VERDADE TRIBUTÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 12 / 7 / 2016 - A259

O governo resolve aumentar a taxa do IPVA em 50%. Esse fato hipotético assanha a mídia em geral, com muitas reportagens e destaque nos telejornais. Por dias e dias uma série de reclamações e justificativas se sucede na televisão e na internet. Enquanto o quebra-pau se desenvolve no ringue entre Consumidor e Sefaz, o dono da concessionária de veículos acompanha a discussão de longe. O presidente da federação das montadoras de automóveis nem sequer é procurado por repórter algum.

Quem paga IPVA é o proprietário de veículo automotor. Quem paga IPTU é o proprietário de imóvel. Quem paga ICMS é o consumidor de produtos. É preciso ter veículo para se tornar contribuinte do IPVA; é preciso ter imóvel para pagar IPTU; é preciso consumir para pagar ICMS. O alvo dessas taxações é o proprietário de veículo, é o proprietário de imóvel, é o consumidor de produtos. Tanto o vendedor do imóvel quanto o vendedor do veículo não tem nada a ver com IPTU nem com IPVA. Isso é responsabilidade do comprador. Nos EUA o, digamos, “ICMS”, tem o mesmo tratamento do nosso IPVA. Isto é, o consumidor que se vire com o governo. O comerciante fica fora da briga taxativa. O comerciante tem as suas próprias obrigações para com o Fisco, como, por exemplo, a declaração de imposto de renda. De fato, é assim que deve ser. Nos EUA, o preço do produto constante na etiqueta é somente o preço do produto. O imposto é cobrado posteriormente; no ato de emissão da nota fiscal. Tal procedimento lembra alguns dos nossos restaurantes que acrescentam dez por cento de taxa de serviço na conta entregue ao cliente. Resumo da ópera: Uma coisa é separada da outra.

Pois é. E o que acontece na chafurdolândia apelidada de Brasil? O governo obriga o comerciante a enganar o consumidor. Explica-se. Nas Lojas Americanas o videogame Playstation4 custa R$ 1.998. Informação errada. Nos EUA, o consumidor entra na loja, namora o equipamento, vê o preço de US$ 249, resolve comprar, vai ao caixa e em seguida tira do bolso US$ 266 para efetuar o pagamento (249 mais o “ICMS“ de 17). Se no Brasil a coisa funcionasse da mesma forma, o preço nas Lojas Americanas seria de R$ 560. Somente no momento de fechar a compra é que apareceria o imposto no valor de R$ 1.438, totalizando a operação em R$ 1.998. Por incrível que pareça, a carga tributária escondida dentro do videogame é de 72% (fonte: IBPT). Imagine então uma presepada dessas nos Estados Unidos. Era guerra civil na certa. Por isso é que o governo brasileiro cria uma monumental complexidade normativa, justamente para negar a informação tributária ao consumidor. Pra dá um ar de legalidade nesse chafurdo normativo, a legislação inventou um tal de “contribuinte de fato (consumidor)” e um tal de “contribuinte de direito (comerciante)”. Ou seja, quebrou o coitado em dois pedaços. No caso do sistema de substituição tributária, quebrou em três pedaços ao instituir a figura do “responsável não contribuinte” (interpretação doutrinária do artigo 121 CTN). Troço de doido!!

E o que está acontecendo agora com o Pis/Cofins? A Receita Federal quer triplicar a carga – dos atuais 3,65 para 9,25 por cento (lucro presumido). O fato mais insano dessa situação rocambolesca é a inacreditável discussão de repasse OU NÃO ao preço dos produtos. A Receita Federal insiste na tese de que o consumidor não será prejudicado. Ao mesmo tempo, transmite a mensagem de que a remarcação é uma faculdade do empresário. Puro cinismo, pura demagogia. É LÓGICO que o preço vai aumentar!!! Imposto e produto são coisas totalmente diferentes. O que o comerciante faz é colocar um, ao lado do outro, e depois cobrar do cliente a soma dos dois. Se não fizer a remarcação ele vai pagar um imposto que não é seu. Quem deve pagar Pis/Cofins não é o comerciante, é o consumidor. O comerciante apenas é obrigado por lei a meter a mão no bolso do consumidor e depois entregar o dinheiro para a Receita Federal. Dessa forma, quem fica com as mãos sujas perante o povo é o comerciante. O Fisco posa de herói que chuta os fundilhos dos vilões sonegadores.

Ser enganado é uma das mais amargas experiências humanas. É isso que acontece todas as vezes que alguém consome algum produto em algum ponto do território brasileiro. Nosso povo vive numa espécie de torpor, com a dupla dinâmica Sefaz/Rfb tirando metade da comida de sua mesa na forma de impostos indiretos. A fome e a desnutrição dos miseráveis se traduzem na mesa farta de funcionários públicos que vivem à custa do imposto cobrado do operário e da faxineira. A parte mais perversa desse jogo de sombras é o ato de fugir da responsabilidade pelas desgraças sociais, jogando a culpa inteirinha nas costas do comerciante. Portanto, as entidades representativas da sociedade têm a obrigação de iniciar uma cruzada em prol da VERDADE TRIBUTÁRIA.

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terça-feira, 5 de julho de 2016

IMPOSTO EM LATINHAS AMASSADAS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 5 / 7 / 2016 - A258

Apesar do hábito compulsivo da população de comprar tudo que vê pela frente, nos EUA, os tributos sobre consumo participam com apenas 18% do bolo arrecadatório, ao passo que no Brasil esse índice é de quase 50%. O alvo do nosso governo é sempre o consumo. Praticamente, todos os dias um ou outro produto se torna objeto de majorações tributárias. Por outro lado, muito raramente se mexe no imposto de renda. O problema do imposto de renda é que ele fica exposto ao sol do meio dia, enquanto que os tributos sobre consumo se localizam no porão duma casa sem janelas. Qualquer alteração no imposto de renda leva a uma gritaria instantânea. Quanto aos tributos sobre consumo, a coisa se dá de modo complexo e sorrateiro. As majorações tributárias dos impostos indiretos são repassadas ao preço dos produtos comercializados. Quando isso acontece, a culpa pelas remarcações cai no colo do comerciante. E não adianta dá explicações ao consumidor; ele não consegue entender um sistema confuso que o governo criou para fugir das responsabilidades taxativas. Daí, a importância do setor comercial se unir numa ação educativa do seu cliente.

Pra começo de conversa, o comerciante define o preço de venda da mercadoria acrescentando sua margem de lucro, um percentual de custo administrativo e os impostos. Um exemplo perturbador: Para obter 10% de lucro com um custo administrativo de 15% é preciso dobrar o preço de aquisição da mercadoria. O restante (75%) é puro imposto. Detalhe: A mercadoria adquirida para revenda já chega carregada de muitos outros tributos das fases anteriores. Por isso que é muito difícil precisar a carga tributária embutida no preço dos produtos. Por isso é que os brasileiros esperaram 27 anos para ver regulamentado o parágrafo 5 do artigo 150 da Constituição Federal. Ou seja, três décadas para saber, mais ou menos, a quantidade de impostos escondidos dentro dos produtos (Lei 12.741).

A tributação sobre consumo nos EUA ocorre majoritariamente em produtos supérfluos, uma vez que os alimentos são poupados da sanha arrecadatória. Trinta e quatro estados americanos taxam os alimentos em zero por cento, sendo a média geral do país em torno de 0,66% (fonte: IDV/FGV). Por aqui, o Fisco não perdoa nem a cesta básica. Isso significa que o mais lascado dos miseráveis paga tanto quanto o mais rico da cidade. É o efeito maléfico do Sistema Regressivo de Tributação. Conforme dados do IBPT, um terço do açúcar é imposto e metade do refrigerante vai pro o bolso do governo. Também, um quarto do óleo de soja e quase 50% do sabão em pó são utilizados para financiar a corrupção e a ineficiência dos agentes públicos.

Dona Mercedes ganha a vida catando latinhas para reciclagem. Ela vive remexendo as lixeiras de bares e residências em busca do seu sustento. Apesar da idade avançada essa incansável trabalhadora precisa coletar 23.500 latinhas para ganhar um salário mínimo. Cada quilo de latinhas de alumínio é vendido por R$ 2,50. Um quilo equivale a 67 latinhas amassadas. Com o sofrido dinheirinho obtido na venda do material reciclável a Dona Mercedes sustenta a família. O lado perverso dessa história dantesca mostra o quão implacável é a Sefaz/Rfb com a Dona Mercedes, cobrando dela uma carga tributária escorchante. Explica-se. Para comprar um quilo de açúcar é preciso catar 110 latinhas. Não fosse o peso dos impostos, 74 unidades seria suficiente. No caso do sabão em pó, Dona Mercedes cata primeiramente 50 latinhas para o imposto e depois cata mais 57 outras latinhas para pagar o produto. É muito difícil precisar a carga tributária embutida em tudo que consumimos, mas a média geral é de 50%. Isso significa que quando um funcionário da Sefaz estiver passeando no seu carrão e casualmente visualizar a Dona Mercedes catando latinhas na lixeira, ele vai saber que ela tá ali se matando para pagar parte do seu belo salário.

Para piorar ainda mais esse quadro aterrorizador, a Lei 3.830/2012 revogou a taxação de 1% de ICMS sobre a cesta básica, estabelecida pela Resolução GSefaz 11/2008. No início de 2013, aquele 1% se transformou nos atuais 18%. Imagine então quantas latinhas a Dona Mercedes teve que catar depois dessa majoração vergonhosa. Outra característica marcante da nossa legislação estadual: Os produtos da cesta básica constantes na Resolução GSefaz 11/2008 totalizam 13 itens, enquanto que no Rio de Janeiro essa quantidade é quadruplicada, contendo até salmão, bacalhau, linguiça, escova, creme dental, papel higiênico, sabonete etc. (Lei 4.892/2006). Na lista do Amazonas não tem escova, nem creme dental, nem sabonete, nem papel higiênico etc. Ou seja, na opinião da Sefaz o pobre amazonense não precisa tomar banho nem escovar os dentes nem limpar.....

O salário do empregado, já capado por vários descontos no contracheque, é novamente surrupiado em 50% no momento em que é utilizado na compra de bens de consumo. Enquanto isso, milhares de isenções e brechas fiscais fazem a delícia de advogados e conglomerados econômicos que são infinitamente menos impactados na sua qualidade de vida do que a Dona Mercedes, que poderia comprar o dobro de alimentos para sua família, se estes fossem desonerados da mesma forma que os dividendos recebidos pelos homens mais ricos do país.

De fato, entender o Brasil não é tarefa para amadores. Sobreviver com tanto imposto, menos ainda.


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