sábado, 31 de dezembro de 2016

UMA NOVA CONSCIÊNCIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27 / 12 / 2016 - A279

Parece que tudo aconteceu em 2016: Impeachment presidencial, detenção do presidente da câmara, tragédias aéreas, prisões em série de políticos, delação do fim do mundo, desmoralização do STF, dilaceramento do sistema político etc., etc. E toda essa maçaroca embrulhada na mais aguda crise financeira das últimas décadas. Um grande empresário da nossa região declarou que em meio século de atividade empresarial, esse foi o primeiro ano de demissões em massa no seu grupo econômico.

Só agora está ficando patente e ostensivo a verdadeira causa das desgraças que assolam os serviços públicos. Somente nos últimos tempos as vísceras putrefatas dos agentes públicos espocaram num sincronismo orquestral. Daí, o fedor insuportável a empestar o país inteiro. Daí, a razão de tanta decepção de homens e mulheres que ficaram sem opção diante do tsunami de roubalheira que começou pelo litoral e chegou até os confins da Amazônia. A raiz de todo mal, portanto, nada mais é do que a intensiva, sistemática e epidêmica prática da corrupção. Tanto descontentamento é um prato cheio para os oportunistas de plantão.

Parece que nada funciona no Brasil. O regime militar foi demonizado por atrocidades hediondas, enquanto que a tão sonhada democracia só serviu para formar a maior gangue criminosa da história da humanidade, com mafiosos perigosíssimos formando uma única quadrilha instalada em tudo quanto é instância municipal, estadual e federal; executivo, legislativo, judiciário; empreiteiros, lobistas, operadores, banqueiros, advogados etc. Todo mundo unido pra roubar. E todos protegendo a todos. Enquanto um rouba, o outro não investiga, um terceiro não julga, uma quarta pessoa não pune e assim todo mundo sai ganhando. Dá um embrulho no estômago quando se vê um bandido de grosso calibre penalizado com prisão domiciliar (deboche acintoso). Bandido esse, que sozinho rouba o equivalente a um milhão de assaltantes juntos. O ladrãozinho fuleiro que rouba cem reais é linchado e preso numa cela imunda, mas quem rouba cem milhões é chamado de excelência num julgamento de mentirinha. Na percepção do atônito cidadão honesto, não há um só cantinho limpo; o nível de confiança em TODAS as instituições é simplesmente ZERO.

O brasileiro despertou no meio dessa imundície, onde faxineiros oficiais são os primeiros a emporcalhar o ambiente. O presidente ilegítimo que ocupa a chefia do executivo federal derrubou sua antecessora por uma questão burocrática pontual e depois disso trouxe para junto de si uma legião de suspeitos por crimes pavorosos – um absoluto contrassenso de quem pregava a moralidade da gestão pública demonizando os atos de corrupção do PT. A gestão Temer veio reforçar a velha e inexorável política – a velha política dos esquemas sombrios e tenebrosos. O que o PMDB não contava era com a imberbe maturidade política da sociedade brasileira, já cansada dos batidos discursos demagógicos.

O ano de 2016 mostrou que os membros duma sociedade possuem ideias próprias e que, portanto, não se dispõem a serem conduzidos como rebanho de gado. Os princípios moralizadores duma sociedade (aquelas doutrinas propaladas na televisão, nos livros, no ideário coletivo) podem só existir na propaganda. Isso significa que as pessoas estão ficando refratárias ao dogmatismo alienante. Isso significa que mesmo debaixo do bombardeio ideológico o indivíduo se volta para as suas próprias convicções. E depois descobre pelas redes sociais que não é o único rebelde. Isso explica o fenômeno Trump, bem como o Brexit, o “Não” Colombiano e outros movimentos sociais que sacodem várias regiões do planeta. A estrutura de castas está ruindo; as pessoas começam a brigar por um lugar ao sol. Brigar mesmo. Talvez essa, seja a base das próximas revoluções sociais. É bom que estejamos preparados para administrar um completo desalinhamento de princípios morais e cívicos. Os jovens, principalmente, não estão dispostos a ser tratados como cidadãos de segunda classe.

Os volumosos comentários das redes sociais evidenciam uma intolerância prestes a explodir numa revolta popular. Mesmo assim, os ladrões não param nem por um minuto de roubar. A bandidagem corre contra o tempo porque sabe que a coisa pode feder num futuro próximo.

É possível que toda essa turbulência de 2016 seja a primeira duma sequência de abalos sísmicos que irão revolver as nossas estruturas sociais e políticas. Sendo assim, que venham muitos rebuliços e confusões. Queira Deus, o Brasil tenha alguma chance de se salvar. 





terça-feira, 20 de dezembro de 2016

LIDERANÇA SOLITÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20 / 12 / 2016 - A278

Rafael Soares era o mais dedicado operário duma grande empresa. Atento e observador, achou por bem rifar entre os colegas um equipamento recém-chegado ao mercado. Surpreendentemente, o interesse geral cresceu tanto que vários outros sorteios foram acontecendo de modo tal que o fabricante do famoso equipamento lhe ofereceu uma concessão comercial. Em pouco tempo o antigo operário havia se transformado num empresário de sucesso. Era como se o homem tivesse trazido a Coca-Cola para o Brasil. Eram carretas e carretas de produtos chegando e logo sendo vendidas. Daí, que uma coisa foi puxando a outra, aumentando assim a variedade de mercadorias na sua loja. No afã de alcançar o máximo de consumidores possível veio então a ideia de expansão do negócio para vários estados da federação. E assim foi feito. O empreendimento subiu, subiu até que começou a engasgar. A parca experiência administrativa e a pouca habilidade para lidar com a burocracia empresarial atropelou o espírito empreendedor do senhor Rafael. Clientes não pagavam, filiais deviam muito à matriz, controles internos não funcionavam, faltavam procedimentos e políticas comerciais etc. Resumo da ópera, o melhor a fazer era liquidar tudo e viver do saldo patrimonial.

Eis que um estudante de contabilidade foi contratado para fazer um trabalho que ninguém sabia exatamente do que se tratava. O senhor Rafael expôs o quadro sintomático da empresa e pediu a esse contador que o ajudasse a salvar os negócios. O contador era um profissional experiente que havia ingressado tardiamente na universidade. Sua experiência em grandes empresas foi decisiva para redesenhar toda a estrutura empresarial. O trabalho foi feito a quatro mãos. Duas cabeças pensando harmoniosa e alinhadamente foram capazes de identificar e neutralizar as diversas falhas operacionais. E assim se seguiu um longo e intenso trabalho de correção de rumos. Por fim, na prática, uma nova empresa surgiu – mais profissional e mais estável. A empresa de hoje é líder em todos os mercados em que atua; possui um modelo de negócio admirado por clientes, fornecedores, funcionários etc. Enfim, um belo case empresarial.

É bom lembrar que nessa gloriosa trajetória houve um ponto de inflexão. Houve um momento em que a rota de declínio foi corrigida. Curiosamente, as soluções mais importantes não partiram do contador. Ele apenas ajudou o senhor Rafael no desenvolvimento dum raciocínio empresarial mais profissionalizado. Evidentemente, muitos detalhes técnicos concorreram para a formatação da nova cultura empresarial. Poder-se-ia dizer que uma boa conversa mudou tudo. Esse é o ponto.

A liderança é solitária. O brilhantismo do senhor Rafael era tolhido pela falta de interlocução. Ele não tinha com quem discutir assuntos estratégicos ou planejar em conjunto o passo a passo dos assuntos internos da sua empresa. Nenhum dos seus funcionários possuía maturidade pra esse tipo de coisa. Nem a firma de contabilidade responsável pela escrituração das suas contas tinha como prestar uma consultoria de gestão. E como o senhor Rafael era um homem simples e já tão escaldado pelas inúmeras traições de parceiros de negócios, ele precisava de alguém que fosse objetivo e que trabalhasse de modo simples e direto – sem floreios, sem ternos, sem rituais e sem perfumarias.

Quantos empresários, nesse momento, estão à deriva em algum aspecto do negócio? Trilhar uma mata fechada, sozinho e calado exige altos níveis de controle mental, além de esforço físico maior por não haver com quem dividir o exaustivo trabalho de desbastar o cipoal do caminho. Travar diálogos francos e abertos com um interlocutor altamente capacitado faz surgir um vasto horizonte de possibilidades. Além do mais, refletir e debater sobre os negócios, é um exercício indispensável para renovar as energias e conservar a chama acesa. Mesmo porque, tudo precisa ser renovado para manter a jovialidade.

Nesses nossos tempos de alta pressão governamental deve haver, no mínimo, um intenso diálogo contábil e fiscal. Pelo menos isso. Daí, que o interlocutor precisa não somente ter uma boa qualidade técnica, mas também a capacidade de traduzir para o cliente toda a intrincada burocracia normativa. Pesa nesse exercício uma boa didática e uma saudável relação de confiança. A informação é importante, o conhecimento é decisivo e o diálogo deve ser frequente.





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A MORTE DA POLÍTICA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 13 / 12 / 2016 - A277

A mãe já idosa morava com seu único filho numa modesta propriedade rural. Eis que depois duma noite chuvosa ela estranha o fato do filho não ter levantado da cama. Por fim, descobre, perplexa, que ele estava morto. O desespero tomou conta da casa, visto que tudo perdera o sentido de existir. Não havia, portanto, qualquer alternativa de dar continuidade à rotina tranquila e acolhedora ao lado de alguém tão atento e cuidadoso. O senso de negação da realidade era tamanho que a atônita senhora quis acreditar que tudo aquilo era apenas um sono pesado. Por isso, não tomou nenhuma providência quanto aos rituais de sepultamento. A presença do corpo inerte reforçava aquela situação esquizofrênica. A coisa funcionou mais ou menos nos primeiros dias. Depois disso o corpo foi se deformando de modo que o clima de negação se transformou num pesadelo aterrorizante.

A tão badalada e temida delação do fim do mundo acabou por confirmar sua fama. Os primeiros depoimentos esquadrinham a dinâmica das relações criminosas que há entre o público e o privado. Impressiona, nesse caso, o espanto que ainda causou numa população já tão escandalizada pela farta e intermitente sequência de denúncias envolvendo todas as colorações partidárias. O que ficou claro, claríssimo, é que TUDO o que se refere ao poder público é completamente dominado pela corrupção. A impressão é de que nada se salva. Claro, óbvio, essa constatação é injusta com muitas pessoas que lutam pela qualidade dos serviços públicos. Mesmo assim, as profundas ramificações de agentes maliciosos nos assuntos de Estado e o recorrente repertório de ações criminosas nos levam a um PADRÃO de comportamento bem definido e acabado. O pior de tudo é que esse dito padrão é sistêmico e orientador de todo o funcionamento das ações públicas, com peso maior no modelo político estabelecido no país. Como teria dito o atual presidente, “a política tem dessas coisas”. Tal afirmação é a síntese daquilo que mais tememos admitir: Nosso sistema político morreu e mesmo assim estamos sem saber o que fazer com o cadáver. O defunto está lá, na cama, enrijecido e amarelado. Mas, atônitos pelo impacto da cruel realidade, tentamos acreditar que tudo ficará bem. Insistimos no discurso de que é preciso acreditar nas instituições. Místicos, iogues e monges tibetanos são desafiados a construir essa alquimia psicológica.

A política está mortinha da silva. A pergunta que fica é a seguinte: O que faremos com o corpo? O que virá depois? O que temos de alternativa?

A delação da Odebrecht mostra que cada gesto do ocupante dum cargo político é inteiramente movido pela corrupção. A corrupção é responsável pelo movimento de cada um dos 650 músculos do deputado, do senador, do governador etc. A corrupção substitui a glicose nos processos metabólicos da fisiologia do político. Ou seja, ele só se mexe a toque de propina. Sem dinheiro sujo o político não vota. A propina é a força propulsora da energia política. Quanto mais dinheiro, mais entusiasmo e mais disposição para varar noites em votações importantes para o país. Quanto maior é a propina, mais autêntica é a honestidade do político. A firmeza no olhar e a convicção de nobres ideais é diretamente proporcional aos depósitos existentes em paraísos fiscais. Se o político é acanhado, fica evidente sua condição de mocinha debutante. Mas, à medida que o patrimônio cresce, a voz engrossa e o peito tufa sob ternos luxuosos e bem cortados.

O fato é que a coisa avacalhou dum jeito tal que está todo mundo desorientado. O cenário é muito preocupante porque a confiança da população é simplesmente zero. Ninguém em sã consciência acredita em mais nada nesse país. Há poucos dias presenciamos ao vivo e em cores a queda da mais alta Corte, que tombou pela espada do senador Calheiros. Agora, ninguém mais se vê obrigado a cumprir decisão judicial, uma vez que o STF estabeleceu jurisprudência nesse sentido. Ninguém acreditava na política e, agora, também, ficou claro que os três poderes da república são uniformes no seu funcionamento disfuncional. Ou seja, o dito PADRÃO vale pra todo mundo.

Voltemos à pergunta de antes: O que vamos fazer com o cadáver? Daqui a pouco ele vai começar a feder e por fim vai espocar de podre. O abacaxi espinhoso está em nossas mãos para ser descascado. O modo de fazer isso, talvez nos obrigue a passar por um doloroso processo de amadurecimento civilizatório. Queira Deus, consigamos fazer a travessia sem traumas irreparáveis.