terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

VESPEIRO TRIBUTÁRIO DOS COMBUSTÍVEIS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  16 / 2 / 2021 - A421
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Há no Brasil um culto sagrado ao modelo tributário denominado imposto sobre valor agregado (IVA) ou, tecnicamente falando, “não cumulatividade tributária”. Com isso, visa-se tributar somente o que é agregado pelo comerciante, evitando taxar novamente aquilo que já foi cobrado em etapas anteriores. Teoricamente, essa ideia parece justa. Só que, na prática, a coisa toda embolota dum jeito que fica impossível identificar a carga exata de determinadas operações comerciais, o que abre espaço para esquemas majorais e para diversas práticas corruptas.

Impressiona, por exemplo, o apego dogmático ao modelo IVA presente nas propostas de reforma tributária atualmente em discussão no Poder Legislativo. A impressão que fica é que não cabe espaço para outra corrente de pensamento. Acontece que o modelo da substituição tributária do ICMS e do regime monofásico do PIS/Cofins quebram a espinha dorsal do IVA. Isso se dá quando processos multifásicos são transformados em monofásicos por meio de prognósticos obscurantistas. E, claro, obvio, um troço maluco desse acaba jogando o contribuinte num inferno tributário perturbador. Não por acaso, o contencioso derivado disso tudo acabou virando um monstro indomável.

Na prática, o regime da substituição tributária poderia muito bem servir de modelo para uma reforma tributária que efetivamente desburocratizasse o nosso sistema tributário fiscal. Ou seja, o cálculo seria substituído por uma alíquota única e definitiva e sem débito e sem crédito que seria cobrada uma única vez, como já acontece hoje quando determinadas mercadorias ingressam no Amazonas. Até o presente momento, os variados percentuais de ICMS substituição tributária gerenciados pela Sefaz são resultantes de cálculos oriundos de suposições polêmicas (MVA) contidas em regras insanamente conflituosas.  

Vamos analisar o rocambolesco caminho tributário da gasolina e do óleo diesel. O petróleo é transportado da Província Petrolífera de Urucu para a Refinaria de Manaus, onde acontece a tributação do ICMS sobre esse transporte. Depois do processamento, o combustível é enviado para a Distribuidora que faz adição de álcool anidro e de biodiesel. Tanto o álcool quanto o biodiesel vêm de outros Estados e estão sujeitos a complexos regramentos tributários em suas cadeias de produção, distribuição e transporte (frete). Depois de pronto para consumo, o combustível segue para os postos espalhados pela cidade. E, novamente, o frete dessa distribuição é tributado pelo ICMS. E, por fim, a venda ao consumidor é também tributada, só que de modo antecipado. Essa antecipação ocorre ainda na Refinaria de Manaus, onde a Petrobras utiliza uma base presumida resultante de pesquisa quinzenal da média de preços vigente na bomba (ICMS-ST). Pois é. Com tantas etapas e com tantos processamentos e com tantas tributações sobre tantas operações, fica muito difícil afirmar com exatidão a carga tributária de cada litro de combustível. E, com certeza, os números impressos nos cupons fiscais estão subestimados.

Agora, voltemos ao regime da “não cumulatividade”.

A perversidade do regime “não cumulativo” do ICMS é potencializada pelo sistema de “impostos por dentro” e pela prática denominada “bis in idem” somada ao ato da bitributação. Podemos dizer que a Receita Federal taxa o combustível com três tributos (PIS, Cofins e Cide). Podemos afirmar ainda que tanto a Receita Federal quanto a Sefaz tributam o mesmo produto. O sistema de “impostos por dentro” faz com que tudo vire base de tudo, onde um imposto vira base do outro. E nesse jogo de perversidades, o ICMS é o mais danoso porque fica sempre no final para que todo o entulho matemático seja utilizado como base tributária, incluindo o próprio ICMS. E é justamente nesse vespeiro infame que o presidente Bolsonaro está cutucando.

Lamentavelmente, pode-se dizer que o presidente está fazendo um barulho que no final resultará apenas em frustração do consumidor. É bom lembrar que a quinta parte das arrecadações estaduais vem do ICMS combustíveis. Essa montanha de dinheiro é anabolizada pelas maluquices normativas. E a correção de erros implicará em perdas gigantescas. Isso significa que estamos num impasse. Todo esse barulho presidencial lembra a história da decolagem do pinguim obeso (pura ficção).

O que talvez possa surtir um efeito positivo, seja a tal da placa contendo a composição de preços que todo posto terá que exibir ao consumidor, com destaque para os tributos. Essa iniciativa do presidente tem o poder de sacudir as estruturas psicológicas do já extorquido consumidor que sofrerá uma taquicardia toda vez que abastecer o carro. Na verdade, eu lancei essa proposta num artigo publicado em 13/06/2017. Curta e siga @doutorimposto






























terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

CRÔNICA DO APOCALIPSE


 
Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  9 / 2 / 2021 - A420
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Num reduto feudal bem longe da Transilvânia habitava uma comunidade dividida por dois espécimes emblemáticos. No centro do território havia uma cidadela guarnecida por uma robusta muralha que conferia segurança e distinção aos privilegiados moradores, que, aliás, nutriam-se exclusivamente do sangue das pessoas que viviam do lado de fora da fortificação. O sangue dos pobres coitados fornecia energia e poder aos senhores feudais que criavam, executavam e julgavam as leis. As sanguessugas não plantavam nem colhiam nem fabricavam nem transportavam nem nada; suas atribuições eram focadas no inchaço da máquina burocrática para justificar a existência de tanta gente sugando o sangue dos verdadeiros trabalhadores. Esse pessoal no topo do poder institucional era ávido por mais e mais sangue. Eles estocavam sangue, desviavam sangue, desperdiçavam sangue, aumentando assim a demanda pela vitalidade retirada das pessoas que verdadeiramente trabalhavam nessa comunidade. Enquanto isso, o povo explorado era numeroso (vinte vezes maior) e esparramado por uma área gigantesca ao redor da fortaleza vampiresca. Semanalmente, cada morador adulto era obrigado a fornecer um litro de sangue para os senhores feudais. Essa era a lei.

A rotina seguia num ritmo sacrificante, mas suportável, até que um terremoto destruiu os casebres do entorno da cidadela, mas não provocou nenhum arranhão nas fortíssimas construções vampirescas. E para completar a desgraceira, uma densa chuva de granizo dizimou as plantações, acabando assim com toda fonte de sustento de muitas famílias. As sanguessugas sentiram o tremor e viram do alto das suas torres a população pobre gritando em meio ao desespero por tantas perdas. Como não comiam frutas, nem verduras, nem cereais nem nada de origem vegetal, os vampiros não se preocuparam com a catástrofe alimentar dos pobres escravizados. O governo parasita ignorou a fome dos servos vegetarianos e assim não diminuiu a demanda de sangue que deveria ingressar nos tanques (cofres) públicos. Ou seja, o povo pálido de fome continuou obrigado a retirar das veias o pouco de sangue que os mantinha vivos. Essa lei draconiana provocou um morticínio generalizado e, como resultado, o governador Wladvilçu exigiu que os sobreviventes compensassem o desfalque com mais sangue por habitante.

A parte mais estranha dessa história macabra é que os vampiros possuíam uma fragilidade notória. Ou seja, alho, crucifixo e água-benta dissolviam os vampiros e até mesmo os portões da cidadela. Mas, curiosamente, ninguém era capaz de organizar um levante popular que desse fim a tanto sofrimento. E os vampiros sabiam desse bloqueio psicológico dos explorados. Por tal motivo continuavam implacáveis nas extorsões sanguinárias (fiscais) para manter suas mordomias e suas depravações.

Pois é. Estamos no meio do furacão; no auge do apocalipse. E mesmo assim, o poder público por inteiro toca sua rotina completamente alheio à chuva de calamidades que desaba no setor privado. Enquanto pessoas morrem de fome impedidas de trabalhar pelo Ministério Público, esse mesmo Ministério Público exige que as empresas fechadas paguem extorsivos impostos para garantir seus astronômicos salários. Por exemplo, o salário do corregedor-geral do Ministério Público de Mato Grosso, Hélio Faust, é de R$ 173.703,94 e do procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges, é de R$ 167.834,55 (Gazeta Digital 17/01/2020).

Enquanto 35% dos bares e restaurantes fecharam definitivamente no Brasil (Folha de São Paulo), o Poder Público segue sua gastança com leite condensado, chicletes, jatinhos e volumes colossais de gasolina numa época em que todo o serviço público está de licença remunerada (exceto o pessoal da saúde, segurança e cobradores de impostos). Somente o senador Izalci Lucas mantém 85 assessores. Agora, multiplique isso por cada parlamentar federal, estadual e municipal e veja o número pornográfico de dinheiro jogado no bolso desses aspones (somente no Senado Federal esse gasto é de R$ 388 milhões por ano). O que esse pessoal todo está fazendo nesse quase um ano de pandemia? Estão trabalhando em home office? O fato concreto é que o mundo está desmoronando em torno do setor público que permanece intacto e perdulário. Curta e siga @doutorimposto

 






























segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

QUE TIPO DE POBRE É VOCÊ?


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  2 / 2 / 2021 - A419
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Amazonas Atual 19/12/2019 – Os deputados da Assembleia Legislativa do Amazonas aprovaram o aumento de R$ 100 no vale-alimentação dos servidores ativos, inativos e comissionados, que passou de R$ 1.400 para R$ 1.500. O deputado Belarmino Lins disse que a elevação do benefício fazia justiça aos abnegados servidores. Pois é. Quando se pensa em alimentação, há de se considerar as necessidades nutricionais oriundas de carnes, verduras, cereais, frutas, leite etc. Daí, a justificativa dos R$ 1.500. Afinal de contas, o preço da picanha estava proibitivo. Também, muito caro, estava o queijo brie, o presunto de parma e a geleia dalfour cramberry com mirtilos. Na verdade, R$ 1.500 é pouco para essas necessidades básicas dos servidores da ALEAM.

Mas, descontando o exagero irônico, um vale-alimentação decente deve ser robusto para conferir mínima dignidade a uma família de 4 pessoas. Nos EUA, por exemplo, as cestas básicas distribuídas aos necessitados são turbinadas com produtos de boa qualidade, enquanto aqui, no Brasil, junta-se o pior do pior numa cesta básica destinada aos pobres. O recém empossado Joe Biden já providenciou medidas para aumentar em 20% o “food stamps” (vale-alimentação), que passou para mais de 300 dólares por residência. Também, foi instituído um auxílio emergencial de 100 dólares para as famílias que dependem de merenda escolar. No pacote de medidas ainda consta o envio direto às famílias de um cheque no valor de 1.400 dólares e seguro-desemprego de 400 dólares por semana.

É bom lembrar que nenhum tipo de alimento paga imposto nos EUA, enquanto que 37,30% do nosso biscoito é puro imposto. Calculando “por fora”, o percentual fica em 59,49%. Pra se ter ideia da maldade da Sefaz, se um biscoito de R$ 2,00 deixasse de pagar imposto o preço seria reduzido para R$ 1,25. Esse tipo de carga extorsiva pesa até nos produtos de extrema essencialidade. A Sefaz não tem pena do pobre; ela bota é pra arrebentar em quem já está lascado. A Sefaz tira o pouco de comida da mesa do pobre. Não fosse tanto imposto, o pobre poderia comprar mais comida. Se houvesse decência nesse país de corruptos, nenhum produto da cesta básica pagaria imposto. Agora, pergunte se o Ministério Público presta atenção nessas coisas? O MP só se empenha no fechamento de empresas e na promoção da fome.

Alguém pode dizer que o governo americano é rico e que por isso mesmo pode distribuir dinheiro aos quatro ventos. Na verdade, o governo é organizado. O governo americano não é entupido de ladrões que surrupiam a arrecadação de impostos. O governo brasileiro faz pouca coisa porque quase todo o dinheiro é roubado pela corrupção sistêmica. E, não bastasse a corrupção e a gestão desastrosa do pouco que sobra, temos ainda R$ 5 trilhões presos no contencioso fiscal por causa da transloucada e criminosa legislação tributária. Se todo esse dinheiro fosse pago ao erário, o Brasil sairia do buraco rapidamente. Mas o conjunto de forças sobrenaturais impede que isso aconteça. Pergunto novamente: Cadê o MP?

Dignidade pressupõe respeito à pessoa humana. E uma ajuda enganosa, um faz-de-conta, piora o quadro de quem já está derrotado. Por exemplo, na cidade mexicana de Chetumal, o mendigo José Barrera Méndez recebeu um prato de arroz misturado com ração pra cachorro. Isso não é ajuda, isso é uma ofensa extremamente grave. É ultrajante, por exemplo, dar um valor miserável a uma pessoa necessitada sabendo que aquilo não vai resolver nada. É ultrajante, por exemplo, dar uma moeda de R$ 0,05 para o pedinte. Esse tipo de atitude humilha quem já vive marginalizado.

Pois é. Na semana passada o governador anunciou a ajuda financeira de R$ 600 para as pessoas que vivem na extrema pobreza. O governador repetiu várias vezes: “extrema pobreza”. Na verdade, o valor é de R$ 200 para o pobre passar o mês de fevereiro, mais R$ 200 para março e mais R$ 200 para abril. Na verdade, a ajuda é de R$ 200 (37 dólares). O governador argumentaria que isso foi o máximo que pôde fazer em face das limitações orçamentárias. Mas então vem a pergunta: Como justificar os turbinados vales-alimentação concedidos ao funcionalismo se o Estado não tem dinheiro? Como explicar os gastos astronômicos dos deputados, dos secretários, dos jatinhos e dos luxos em geral? Por que tem dinheiro pra tudo isso e não tem para um auxílio minimamente decente aos pobres? Cadê o Ministério Público nessa hora?

Como o governador frisou repetidamente, o valor de R$ 200 é para a extrema pobreza. Se você paga um aluguel de R$ 300 pra morar num quartinho e se está proibido de trabalhar pelo Ministério Público e se tem 5 filhos pra criar, lamento dizer que você é um pobre lascado. E lamento dizer também que para receber os R$ 200, você terá que descer mais dois degraus na escada da pobreza para ter direito ao benefício. Mesmo porque, existe o pobre, o pobre miserável, o pobre lascado, o pobre arrombado e a extrema pobreza. Curta e siga @doutorimposto