terça-feira, 27 de abril de 2021

SEFAZ EXIGE ICMS EM DUPLICIDADE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  27 / 4 / 2021 - A423
Artigos publicados

Gazeta do Povo, 11/04/2021 – O litígio entre o Estado e os pagadores de impostos envolve pelo menos R$ 5,44 trilhões, ou 75% do PIB brasileiro. O Brasil tem um dos piores sistemas tributários do mundo. A pesquisa Doing Business, realizada pelo Banco Mundial, mostra que o país ocupa a 184ª posição, de 190 países, no ranking de facilidade para pagamento de impostos. No tempo gasto com o pagamento de impostos, o Brasil é imbatível: são 1.501 horas por ano, pelos cálculos do Doing Business. O tempo gasto nessa tarefa é dez vezes a média dos países da OCDE. “A complexidade tributária dificulta o cumprimento de qualquer tarefa aos seus atores, o que significa dizer que, como contribuinte, eu posso errar; como agente arrecadador, um fiscal pode errar; o juiz que julgará tais erros também poderá errar”, sintetiza Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Esse breve resumo ilustra a tragédia calamitosa que assola o Brasil. O caos normativo não é obra do acaso; todo o chafurdo provocado pelos agentes fazendários tem o firme propósito de alimentar um fervilhante ambiente de corrupção. O modus operandi é muito simples: se não existe regra, o agente fiscal faz a regra de acordo com a conveniência do momento e de acordo com a capacidade propinolística do contribuinte achacado.

Estamos cansados de ouvir dos especialistas de araque que é muito difícil modificar um sistema tributário complexo, blá-blá-blá etc. etc... E assim, o assunto reforma tributária vem se arrastando há décadas, sendo que o Ministro Paulo Guedes acabou de ajustar a expectativa para 2023. Os ditos especialistas falam dum jeito como se a reforma tributária fosse um troço metafísico, tipo dobra espacial ou matéria escura. Na verdade, algo medonho repousa nas entrelinhas de tantas alegações dificultosas – só Deus sabe dos esquemas mirabolantes que se desenvolvem entre o público e o privado. Por outro lado, e, contrariando o discurso negativo, a estrutura viciada pode ser desmontada se houver empenho e organização do setor privado. Tal desmonte se daria em etapas e por meio de correções pontuais e persistentes (comer o mingau quente pelas beiradas). Uma curiosa normatização legal que duplica o ICMS diferença de alíquota poderia muito bem ser objeto dessa correção pontual.

O inciso XIV do Artigo 3 do RICMSAM determina a cobrança de ICMS diferencial de alíquota pela entrada no Amazonas de mercadoria ou bem destinado ao consumo ou ativo imobilizado.

A Cláusula oitava do Convênio 142/18 manda o remetente efetuar a retenção de ICMS diferencial de alíquota em operações interestaduais envolvendo mercadoria do regime substituição tributária destinada ao consumo ou ativo imobilizado.

Pois bem. Vejamos o chafurdo resultante desse choque de competência. Uma empresa de automação localizada em São Bernardo do Campo vendeu um cilindro para uma indústria manauara. E, como o dito cilindro está gravado no item 89 do Protocolo 41 (do qual o Amazonas é signatário); e como ficou evidente a destinação para ativo imobilizado, o fornecedor efetuou a retenção do diferencial de alíquota que posteriormente recolheu para a Sefaz amazonense via GNRE. O problema é que a nossa Sefaz cobrou novamente o diferencial de alíquota via notificação lançada no DTE da indústria manauara, que até tentou anular essa segunda cobrança, sem sucesso. Resumo da ópera: A indústria manauara foi forçada a pagar o DIFAL para a Sefaz por força do artigo 3. E foi obrigada a pagar o mesmo DIFAL para o fornecedor por força da cláusula oitava.

Mesmo depois do leite derramado, a indústria insistiu na tese de que a dupla cobrança era injusta. A Sefaz disse então que a empresa poderia pleitear ressarcimento com base nas regras do parágrafo 4 do Artigo 374-A, onde esse direito só é concretizado após decisão administrativa irrecorrível (última instância). A Sefaz conta com pouquíssimo efetivo de pessoal para analisar uma montanha de pedidos. Por isso, as respostas estão demorando cerca de 10 anos. Ocorre, que o parágrafo 1 do Artigo 10 da LC87/96 garante o ressarcimento quando o órgão fazendário não se manifesta no prazo de 90 dias.

Amigos advogados já me confirmaram que a LC87 prevalece sobre o RICMSAM. Porém, um dos crônicos problemas brasileiros está na autorização concedida ao agente fazendário para promover todo tipo de perversão legal (não existe punição). Essa postura viciada pariu o contencioso de R$ 5,44 trilhões. Pois é. Lamentavelmente, no Brasil, a ilegalidade é a lei.

Listamos aqui dois erros normativos que se corrigidos provocariam um grande e positivo impacto na vida do contribuinte. Só que, de modo surpreendente, o empresariado não se interessa por nada disso. Curta e siga @doutorimposto

























sábado, 24 de abril de 2021

Quando o atacadista cobra ICMS-ST do cliente?


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 4 / 2021 - A422
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Na medida em que o ICMS substituição tributária é recolhido, as demais repercussões na cadeia de distribuição ficam desobrigadas do imposto. Por isso, a Sefaz reclama que perde arrecadação sobre os agregados subsequentes; o que, teoricamente, é verdade. Mas a prática já demonstrou claramente as vantagens dessa modalidade arrecadatória. É bom lembrar que diversas operações devem se restringir às jurisdições estaduais. Daí, a razão da inexistência de diferimento interestadual. Os produtos S.T. dispensados da taxação passam novamente a ser tributados se ultrapassarem os limites fronteiriços.

No regime do ICMS-ST o imposto incide sobre a presunção de venda futura, onde é calculado com base numa série de regramentos peculiares. Cada Estado da Federação define a lista de produtos sujeitos ao pagamento antecipado e definitivo do ICMS. Também, os estados determinam em conjunto algumas regras aplicáveis a operações interestaduais. Os enquadramentos envolvendo descrição, NCM e CEST são orientados pelo Convênio 142/2018.

Os produtos listados nas Resoluções 30 a 41 pagam ICMS definitivo quando ingressam no Amazonas. Essa regra não se aplica às mercadorias recebidas em transferência por estabelecimentos atacadistas, quando então a Sefaz cobra antecipação por diferença de alíquota. Consequentemente, tais mercadorias ficam submetidas ao regime normal (débito X crédito). Vejamos o que dispõe a norma legal:

RICMSAM artigo 116. A substituição tributária não se aplica: I - às transferências de mercadorias para outro estabelecimento, exceto varejista, do mesmo sujeito passivo por substituição, hipótese em que a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto devido por substituição tributária recairá sobre o estabelecimento que promover a saída da mercadoria com destino a outra sociedade empresária.

Convênio 142/2018, cláusula nona. Salvo disposição em contrário, o regime de substituição tributária não se aplica: II - às transferências interestaduais promovidas entre estabelecimentos do remetente, exceto quando o destinatário for estabelecimento varejista;

O motivo dessas disposições legais está no baixo valor das transferências; fato esse, que acaba gerando uma arrecadação inferior em relação às operações de compra. Considerando um caso real, e para efeito comparativo, vamos analisar dois cenários. No primeiro, a Sefaz aplica MVA de 38% sobre o recebimento da transferência para determinar o ICMS-ST a ser recolhido (o que não acontece). No segundo cenário (que é o correto), a mercadoria recebida em transferência é revendida para um comércio varejista com agregado de 60%. E sobre esse valor de revenda deve ser aplicada a MVA de 38% para calcular o ICMS-ST que será cobrado do comércio varejista. Fica evidente que a base de cálculo é alargada no segundo cenário, gerando mais arrecadação de imposto.  

E já que o atacadista não paga ICMS-ST sobre recebimento de transferências, ele deve cobrar esse imposto do seu cliente amazonense. Desse modo, o atacadista se transforma em substituto tributário. Por outro lado, o atacadista assume o papel de substituído quando paga ICMS-ST sobre compras de mercadorias oriundas de outras UF.

A aplicação dessa norma é relativamente fácil de operacionalizar quando toda mercadoria é recebida em transferência, como é o caso da BRF S.A., que vende no Amazonas os seus diversos produtos de origem animal que recebe em transferência de suas unidades produtivas localizadas em outros estados. O amazonense que compra da BRF local sabe que vai pagar a mercadoria e vai pagar também o ICMS retido por S.T.

A operação pode ser complicada se o mesmo produto entrar no Amazonas por meio de compra e também por meio de transferência. Isso obriga o atacadista a separar os produtos em códigos diferentes e emitir nota fiscal, ora sem S.T. e ora com S.T. Isso pode causar atritos com o cliente. Por tal motivo, os atacadistas procuram receber em transferência somente as mercadorias tributadas normalmente.

Pois é. De modo surpreendente, uma distribuidora manauara de grande porte estava recebendo toda a sua mercadoria da matriz localizada fora do Amazonas; estava pagando antecipação DIFAL ICMS e depois revendendo sem destaque de ICMS próprio e sem retenção de ICMS-ST. Por consequência, sofreu um auto de infração pesado que resultou numa mudança de procedimento. A empresa passou a destacar ICMS próprio, mas ainda não está fazendo a retenção do ICMS-ST. Os dirigentes estão insistindo na possibilidade de modificar a tributação de DIFAL para S.T. sobre as transferências recebidas, mas a Sefaz está negando essa reanálise, já que isso contraria o artigo 116.

O que vai restar de opção para esse atacadista é simplesmente fazer a retenção do ICMS-ST dos clientes e observar a legislação pertinente no campo “dados adicionais” da NF. Curta e siga @doutorimposto