terça-feira, 31 de agosto de 2021

Pagamos 64% de impostos na gasolina


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  31 / 8 / 2021 - A430
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A gênese primordial da tributação pressupõe entregar parte do patrimônio ao Poder Dominante. O procedimento é igual em todo canto e em todo sempre, onde se aplica um percentual sobre determinada base para fixar a taxação. Assim acontece no imposto de renda, no IPTU, no ISS, no IPI e na tributação do varejo norte americano. Pois é. Em relação à tributação do consumo varejista, o Brasil apelou pra uma invencionice descabida que foge completamente do pensamento racional e que por isso mesmo vem há décadas entupindo o Judiciário de questionamentos legais. A raiz de tantas insanidades está no tal “imposto por dentro”, que classifica imposto como produto. Esse mecanismo embusteiro serve para esconder da população a gigantesca carga tributária que pesa no bolso e limita drasticamente a capacidade de consumo. Outra consequência está na ótica da leitura tributária, que compara a parte com o todo. Isso mascara a verdadeira carga porque a etiqueta de preço classifica tudo como produto, não informando ao consumidor uma coisa separada da outra. Os americanos não misturam produto com imposto, onde cada cidadão tem plena consciência do quanto contribui a cada gesto de consumo. Vamos destrinchar a engrenagem maquiavélica do nosso famigerado “imposto por dentro”.

Suponhamos que o varejista compre uma determinada mercadoria por R$ 100,00, onde estabelece 20% de custo operacional e mais 10% de lucro bruto para definir o preço de venda de R$ 142,86. Considerando os percentuais ICMS 18% e Pis/Cofins 9,25%, teríamos R$ 25,71 mais R$ 13,21. Mas não é assim que a coisa funciona. O inciso I do parágrafo 1 do artigo 13 do Decreto 20686/1999 diz que a base de cálculo do imposto é o próprio imposto. O cumprimento dessa exigência imposta pela dupla Sefaz/RFB eleva ICMS para R$ 42,11 e Pis/Cofins para R$ 21,64. Desse modo, a verdadeira carga é de 29,48% (ICMS) e de 15,15% (Pis/Cofins) quando se considera a base de R$ 142,86. É bom lembrar que na mercadoria comprada por R$ 100,00 pode conter uma pesada carga de IPI. Como desgraça pouca é bobagem, o nosso sistema tributário é marcado por outros abusos confiscatórios, tais quais “imposto sobre imposto” e vários impostos sobre a mesma base. Essa celeuma toda não é aleatória nem acidental. O propósito de tudo isso é arrancar vários pedaços em diversas etapas, de modo a escamotear a carga total paga pelo consumidor. Por isso é que 72% do videogame é puro imposto (cálculo por dentro). O cálculo “por fora” aponta 257%.

Por exemplo, a mercadoria estrangeira ingressada no território amazonense é convertida em real para depois sofrer acréscimos de taxas aduaneiras mais Pis/Cofins, cujo resultado total constitui a base do ICMS. Suponhamos que o montante chegue a R$ 100.000,00. O artigo 3 da Lei 3830/2012 fixa a carga de 7%, que, logicamente, resultaria em R$ 7.000,00. Na prática, acontece o seguinte: A Sefaz manda dividir o montante por 0,82 que resulta em R$ 121.951,21 que aplicada a carga de 7% resulta no ICMS a pagar de R$ 8.536,58.

Considerando o princípio lógico de que imposto é o resultado da aplicação dum percentual sobre determinada base, vamos então analisar a reportagem do dia 28/08/2021, disponível no link glo.bo/3ktcn6Q. O Jornal Nacional mostrou que 39,10% da gasolina é puro imposto. Considerando o preço de R$ 7,00 por litro, a matemática diz que R$ 4,26 é dividido entre Petrobras, Fabricantes de Etanol, Distribuidoras e Postos de Revenda. O restante de R$ 2,74 vai para os cofres estaduais e federais na forma de impostos. O Jornal Nacional passou uma mensagem equivocada de que a carga tributária é de 39,10%. Esse raciocínio junta imposto mais produto e depois faz uma relação percentual de um sobre a soma dos dois. O procedimento correto é identificar a relação percentual de R$ 2,74 com R$ 4,26. Descobrimos assim que a base de R$ 4,26 vezes a carga de 64,2% gera o imposto de R$ 2,74. Ou seja, pagamos 64,2% de impostos sobre a gasolina. O presidente Bolsonaro, apesar dos pesares, tem feito um trabalho de gigantesca importância social ao cutucar e remexer o assunto tributário dos combustíveis. Isso tem levado muita gente a prestar atenção não somente à gasolina, mas aos bens de consumo em geral. Nas nossas aulas de ICMS, fazemos uma série de análises e de estudos sobre grande variedade de situações esdrúxulas, onde apontamos riscos e orientamos caminhos seguros e menos onerosos. É um susto atrás do outro, mas os alunos saem da aula com uma visão mais analítica e mais acurada. Curta e siga @doutorimposto































terça-feira, 24 de agosto de 2021

A SEFAZ E O CHAFURDO DAS REANÁLISES



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 8 / 2021 - A429
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Fenômenos malcheirosos acontecem no reino da Dinamarca.

O Convênio ICMS 142/2018 dispõe sobre regras gerais da substituição tributária, onde lista os produtos sujeitos a esse regime arrecadatório, que estão organizados em 25 segmentos. O parágrafo 7 da Clausula sétima diz que “o regime de substituição tributária alcança somente os itens vinculados aos respectivos segmentos nos quais estão inseridos”. Isso significa que um compressor de máquina industrial não pode ser alvo de ICMS-ST, mesmo que NCM 841480X e descrição estejam contidos no item 34 do Anexo II (autopeças). Outro aspecto vital que pesa substancialmente é a atividade da empresa. Um bom exemplo são as lojas do ramo de manutenção de equipamentos de refrigeração. Como não existe esse segmento no Convênio 142, não deve haver, portanto, cobrança de ICMS-ST. Isto posto, vamos mergulhar nas águas turvas da Sefaz.

O item 56 da Resolução Sefaz/AM 40/2015 aponta “tubos de cobre e suas ligas, para instalação de água quente e gás, de uso na construção”. Observe que esse produto está vinculado ao Anexo XI (materiais de construção) do Convênio 142. Desse modo, tubo de cobre utilizado na manutenção de equipamentos de refrigeração não deve pagar ICMS-ST. Para que tal assertiva seja válida a loja não deve ter CNAE nem trabalhar com materiais de construção. Agora, vamos nos estrebuchar no chafurdo criado pela Sefaz.

Por vários anos, a empresa de refrigeração era notificada a pagar ICMS-ST dos tubos de cobre, mas vinha conseguindo mudar a tributação para diferença de alíquota. Neste ano de 2021, a Sefaz mudou radicalmente de posição, negando e negando a reanálise e obrigando a empresa a pagar 23,07% ao invés de 11%. Claro, obvio, a Sefaz vem cometendo um crime por inobservância do parágrafo 7 da Cláusula sétima do Convênio 142. E para piorar e para deixar a coisa ainda mais nebulosa e mais suspeita, o dono dessa empresa prejudicada tem informações de que vários concorrentes estão pagando 11% sobre o mesmo produto. Ou seja, a Sefaz, ora cobra ST de um; ora cobra Difal do outro. Esse tipo de enquadramento flutuante acontece todos os dias com milhares de produtos por não existir uma norma legal que esclareça objetivamente o que é ICMS-ST e o que não é. E o pior é que tudo é uma grande e malcheirosa caixa-preta; ninguém tem acesso aos critérios utilizados para beneficiar um e prejudicar outro contribuinte. Na realidade, não se sabe o que acontece no setor de reanálise da Sefaz. Ninguém tem conhecimento dos erros e dos gigantescos prejuízos causados aos contribuintes por cobranças indevidas. Teoricamente, quem deve fazer isso é o Tribunal de Contas do Estado, mas, certamente, o pessoal do TCE não faz esse tido de auditoria. Consequentemente, temos um departamento clandestino que possui plena liberdade de fazer o que bem entender, por não existir uma norma legal capaz de listar todos os produtos existentes no Brasil e todas as possibilidades de enquadramento por questões de aplicação e atividade da empresa. Obviamente, a lista iria daqui até a China. Mas é bom lembrar que quem criou essa confusão toda foi a própria Sefaz.

Eis outros exemplos de cobranças erradas (e criminosas): Produto hospitalar é classificado como autopeças; álcool gel vira cachaça; kit de exame Papanicolau deve pagar ICMS-ST de mamadeira; preparado de sobremesa paga carga MVA 328%; produto nacional paga carga de importado (CST 3 e 8), e por aí, vai. São milhares e milhares de cobranças indevidas todos os dias sobre milhares e milhares de contribuintes. E quando alguém vai até a Sefaz cobrar justificativas de cobrança majorada, os funcionários fazem de tudo para enganar e convencer e até ameaçar o contribuinte. A Sefaz tem o poder e o chicote na mão, que usa com toda força possível para arrancar o couro do pobre comerciante.

Lamentavelmente, os pequenos comerciantes não têm pra quem recorrer e acabam humilhados e espoliados pela Sefaz, porque não existe nenhuma associação ou sindicado ou federação que possa lutar por eles. Eu mesmo, Reginaldo, apresentei em duas reuniões da Fecomércio, uma proposta de criação de um núcleo de estudos tributários que pudesse mapear os problemas comuns da categoria e depois resolvê-los junto a Sefaz, RFB, Semef, Jucea etc. Mas não existe mínimo interesse no assunto, uma vez que ninguém quer “problemas” com a Sefaz. Ninguém quer cutucar a onça nem sacudir a casa de marimbondos. Somos todos reféns dum sistema diabólico. Curta e siga @doutorimposto


































terça-feira, 3 de agosto de 2021

O JOGO É BRUTO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  3 / 8 / 2021 - A428
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Em rápida pesquisa na internet, encontrei uma bola de futebol pelo módico preço de R$ 399,90. Na sequência, verifiquei no site do IBPT a carga tributária de 47,69% escondida no interior do objeto esportivo. Quem faz essa compra acaba pagando R$ 209,19 pelo produto mais R$ 190,71 de imposto. Mas ao consumidor não é prestada essa informação na etiqueta de preço. E como todo mundo enxerga somente uma coisa, pouquíssimos cidadãos sentem que grande parte do dinheiro que sai do bolso vai para o erário. O dito valor de R$ 190,71 corresponde a 19,07% do salário de R$ 1.000,00; 3,81% de quem ganha R$ 5.000,00; e 0,95% do rendimento de R$ 20.000,00. Observe que, quanto maior a renda, menor é a carga relativa de imposto (regressividade tributária). Os pesados tributos embutidos nos bens de consumo não prejudicam o rico, mas causam uma desgraça na vida do pobre, principalmente quando a mão da Sefaz pesa na cesta básica. É bom lembrar que a maior tributação da cesta básica está no Amazonas; por aqui também encontramos os maiores percentuais MVA do ICMS-ST.

Há um assunto que perturba demais os prefeitos Brasil afora, que é o dilema do aumento de IPTU. Há casos de cidades que passam anos sem reajuste porque o chefe do poder local teme a revolta dos munícipes. Insurgências também acontecem em decurso de majorações no imposto de renda ou no IPVA. Tais fenômenos belicosos estão na gênese dos impostos “por dentro”. O governo precisava operacionalizar um mecanismo que permitisse majorações infinitas sem atiçar a fúria dos espoliados. Era necessário arrancar o couro da população e ao mesmo tempo construir um arquétipo de vilania para absorver os males causados pela voracidade arrecadatória. Foi assim que toda culpa da escalada confiscatória foi jogada nas costas do empresário ganancioso que vive aumentando os preços das mercadorias. E de tanto bater nessa tecla, o governo conseguiu demonizar o espírito empreendedor. No Brasil é pecado ser um comerciante próspero; é um sacrilégio gerar empregos que sustentam famílias empobrecidas. Por isso, a dupla Sefaz/RFB está sempre punindo quem se atreve a gerar riqueza e desenvolvimento.

A novela Nos Tempos do Imperador, que estreia na próxima semana, vai contar um pouco da formação dos grupos aristocráticos acostumados a manipular o sistema institucional para impor seus caprichos e fazer valer suas depravações. Os fidalgos de ontem são os mesmo de hoje (vivem num eterno processo de reencarnação). Tais eminências pardas nunca gostaram de pagar imposto e sempre deixaram isso bem claro. Diante desse ultimato, o legislador cuidou então de criar um sistema que garantisse arrecadação sem mexer no bolso dos poderosos. A saída então foi o tal imposto “por dentro”.

Com o aumento descarado da roubalheira no setor público, a demanda por mais arrecadação cresceu exponencialmente. Era urgente a necessidade de enfiar o punhal mais fundo nas costas do pagador de impostos. Criou-se imposto sobre imposto e depois vários tributos sobre a mesma base etc. Na verdade, seguiu-se produzindo um festival de gritantes ilegalidades. O próximo passo da engenhosidade diabólica estava na intensificação da complexidade normativa. Os legisladores do país inteiro se juntaram numa maratona exaustiva para produzir milhões de detalhamentos normativos de modo que o sistema ficasse indecifrável. Essa confusão toda ajudava os grandes e massacrava os pequenos. A velha aristocracia de sempre passou a jogar o pouco que pagava no contencioso para não recolher nadica de nada. E para compensar o rombo fiscal, a dupla Sefaz/RFB resolveu espremer os pequenos negócios até a última gota de sangue.

Após décadas aprisionado na idade das trevas fiscais, eis que surge a proposta iluminista que promete libertar o contribuinte do inferno tributário. Depois de um começo esfuziante e muita pirotecnia, a discussão sobre a reforma tributária foi tomada de sombras até que escureceu totalmente. A montanha de expectativas pariu o rato da alíquota do imposto de renda. A velha aristocracia (de novo) aproveitou o momento para forçar a redução do imposto de renda. Agora, o governo vive a dizer que vai reduzir imposto de renda das empresas e das pessoas físicas. Em outras palavras, o governo sinaliza que vai intensificar a regressividade: vai aumentar os impostos da gasolina, da energia elétrica, do telefone, dos alimentos, dos remédios etc. Provavelmente, o governo vai criar novos impostos sobre consumo e certamente a confusão normativa vai piorar e o número de pobres vai aumentar.

No ano de 2016, em resposta às provocações de Donald Trump, a candidata Hillary revelou que o casal Clinton ganhou US$ 10,6 milhões e pagou 43% de impostos em 2015. Nos EUA, a elevada tributação da renda gera um enorme poder de consumo pela baixíssima taxação de mercadorias, combinada com normatização simplificada. Ou seja, o tributo é “por fora” e cobrado somente quando o consumidor passa no caixa (não existem zilhões de regras como acontece no Brasil).

Enquanto o rico americano paga taxas elevadas de imposto de renda, as recentes discussões no congresso brasileiro propõem 10% para pessoas jurídicas e 15% para pessoas físicas. Ou seja, o mundo civilizado está errado e só o Brasil está certo (efeito jabuticaba). As ricas eminências pardas compraram a reputação de célebres figuras hipócritas que trabalham intensamente no pressuposto de que pouco imposto sobre renda e muito imposto sobre consumo é o melhor caminho. Em outras palavras, estão mandando o pobre se arrombar. Curta e siga @doutorimposto