terça-feira, 12 de outubro de 2021

FORMIGAS TRIBUTÁRIAS


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  12 / 10 / 2021 - A435
Artigos publicados 

Por que a carga tributária pesa mais nas costas dos pequenos? A resposta é muito simples: para compensar o desfalque praticado por aqueles que sabem utilizar as ferramentas que o próprio sistema tributário oferece. Relatório do Insper 2020 aponta a cifra de R$ 5,4 trilhões presos no contencioso tributário; valor esse, que poderia estar na saúde, na educação, segurança pública etc. Estudos de entidades públicas e privadas revelam que os valores são de difícil recuperação. Em outras palavras, os processos vão se arrastando até a prescrição, revelando assim o magnífico negócio que se tornou a multimilionária indústria do contencioso fiscal. Na verdade, essa coisa de contencioso é um grande teatro, já que as empresas inadimplentes têm plena certeza de que não vão pagar nada. Contencioso fiscal foi o meio encontrado para criar um falso ambiente de legalidade. Em termos práticos, existe no Brasil um ESQUEMÃO envolvendo diversos atores, tais quais, empresas, agentes públicos e eminentes magos versados na arte da alquimia tributária. Claro, obvio, somente interessados de grosso calibre podem ingressar nesse terreno pantanoso, já que a folha de pagamento envolve gente grande. É preciso pagar caro para auferir rendimentos estratosféricos.

Jornal da Band - A Atem Distribuidora de Petróleo é um verdadeiro milagre do crescimento econômico. Em 2016, ela detinha 20% do mercado amazonense de combustíveis; dois anos depois saltou para 52%. Mas o que há por trás desse crescimento vertiginoso? Por conta de uma liminar judicial, possivelmente, a empresa deixou de pagar R$ 1 bilhão e 800 milhões em tributos. A legislação não contempla a renúncia fiscal pleiteada na ação. Mesmo assim, a Atem não teve problema em conseguir o benefício por meios legais. A liminar gerou uma competitividade desleal, uma vez que os concorrentes pagam os tributos devidos. O governo federal sancionou uma lei em julho, reiterando que não há isenção fiscal na importação de combustíveis, mas, por pressão de parlamentares amazonenses, em algumas horas a União voltou atrás e vetou esse artigo, beneficiando diretamente a Atem do Amazonas. Em nota, a Atem garante que atua dentro da legalidade; ressalta ainda que paga impostos quando o combustível é vendido fora do Amazonas.

Pois é. A matéria jornalística joga um pouco de luz no nosso tenebroso ambiente legal, mas ao mesmo tempo insinua que a empresa é a única vilã da história. O repórter bem que poderia, em outra reportagem, investigar o submundo jurídico tributário para revelar as contaminadas entranhas de um sistema que tem mais furos que um queijo suíço. Portanto, é necessário compreender o vibrante mecanismo que é azeitado por normatizações maliciosas. A prolixidade normativa se tornou um monstro demoníaco porque se alimenta da falta de freios e também da ausência de punição aos agentes públicos que violam o ordenamento jurídico naquilo que é publicado nos diários oficiais. Também, não é punido o juiz que profere uma sentença ilegal. A razão de tantas deformações fiscais está no texto legal amplamente contaminado por dubiedades, de modo que, no frigir dos ovos, todos os grandes ficam de boa (e ricos). E por que não se corrige o sistema? Porque todos alimentam esperanças de um dia trilhar os tortuosos caminhos legais para ganhar alguma coisa.

Ninguém pode negar que a empresa Atem agiu dentro da legalidade. Outros podem dizer que ela adotou uma conduta imoral por supostamente recorrer ao lobby político. Mas isso também não é crime, já que tal prática fervilha em todas as esferas do poder público. Ou seja, não se pode reclamar do excesso de formiga com o terreno polvilhado de açúcar. Outra coisa: o sistema jurídico/político não é uma entidade sobrenatural; as leis são escritas por pessoas, onde outras pessoas julgam condutas ilegais. Portanto, se a população quer seriedade, que procure tais pessoas e cobre seriedade delas. Intolerável mesmo, é a Sefaz continuar mansinha com os grandes e ao mesmo tempo feroz com os pequenos, como ocorreu na escandalosa majoração do ovo de galinha pelo Decreto 43182. Curta e siga @doutorimposto. Outros 434 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br

 





























terça-feira, 5 de outubro de 2021

O que há por trás da reforma tributária?

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  5 / 10 / 2021 - A434
Artigos publicados  

Antes de abordarmos o assunto, vamos lembrar que o setor público é um corpo só; não existe essa coisa de executivo, judiciário, legislativo, ministério público, tribunal de contas etc. O poder público é uma grande ameba de proporções continentais pairando sobre nossas cabeças – lembra até aqueles filmes de invasão alienígena. Tal qual um parasita, o setor público é movido pelo instinto predatório: ele sempre quer mais e mais e mais e mais dinheiro. Os funcionários públicos de salários astronômicos ficam o tempo todo reclamando e brigando por aumentos remuneratórios e também lutando por mais penduricalhos, tipo licenças remuneradas, prêmios, promoções automáticas, auxílios isso, auxílios aquilo etc.

E sendo um corpo só, o poder público se protege. Observamos claramente que qualquer ação judicial contra agentes públicos demora muito mais que os outros processos legais, visto que, além de se arrastarem numa indefinição eterna, as punições são sempre simbólicas, como, por exemplo, aposentadoria compulsória de juízes que cometem crimes hediondos. Esse traço peculiar gera uma força titânica que sempre é usada contra o setor privado. Por outro lado, o setor privado é totalmente fragmentado e desorganizado, onde, ao invés de se unir em bloco contra o sistema opressor, seus membros travam lutas individuais. Também, frequentemente, aderem ao setor público para usufruir de esquemas delituosos.

O que está por trás do atual debate envolvendo reforma tributária dos tributos indiretos? A resposta obvia, ululante e notória é: aumento de arrecadação. A máquina voraz está sedenta e babando pelos cantos da boca. Ela quer mais; ela está agitada e obsessiva. A única forma de acalmar a fera é despejar rios de dinheiro no poço sem fundo do erário. Entram em cena os tradicionais arautos do rei com suas revisões dogmáticas e novas visões do paraíso. Dessa vez, a nova doutrina diz que serviço paga pouco imposto e que somente ricos compram serviços. Por isso, é preciso, não dobrar ou triplicar a carga, mas decuplica-la. Dessa vez, o poder público não economizou no cinismo e na cara-de-pau. Os especialistas de araque repetem seus mantras incansavelmente até conseguir levar a carga para além da estratosfera.

E por que agora? Pois é. Novas tecnologias e novos modelos de negócios vêm impulsionando a arrecadação sobre serviços, despertando assim a cobiça dos governos estaduais e federais que querem se apropriar desse novo filão tributário. Os municípios perceberam a manobra e assim tentam preservar suas fontes arrecadatórias; os prefeitos rejeitam frontalmente a inclusão do ISS no novo tributo sobre consumo. Eles estão cientes do golpe armado para lhes tirar o pouco que arrecadam.

Todo esforço de convergência tributária envidado por batalhões de autoridades tem apenas um único propósito, que é trazer os serviços para dentro da nova alíquota unificada do consumo. Ninguém quer simplificar nada nem organizar nada. O foco único é aumento de imposto. E tem mais: A tal da alíquota proposta de 25% é prosopopeia para acalentar bovino, já que a intenção é logo a frente dobrar esse percentual. Quem lembra da CPMF? (começou com 0,25% e terminou com 0,38%). Além da majoração percentual, seremos solapados por uma avalanche de contencioso fiscal, caso algumas propostas malucas sejam aprovadas.  

As duas propostas (PEC 45 e 110) pretendem transformar o ISS em tributo não cumulativo, significando assim que estará sujeito à apuração, tal qual o ICMS. E como não se tem de onde tirar crédito, as empresas ingressarão em massa no Judiciário para contestar as infinitas ilegalidades que hoje são obvias e previsíveis. Basta olhar para Pis/Cofins, que até o ano de 2002 era um tributo simples de administrar e recolher. As Leis 10637 e 10833 fabricaram um monstro burocrático pela instituição da não cumulatividade. Por consequência, no ano de 2018, Pis/Cofins participavam com 21% do contencioso fiscal.

Os advogados tributaristas estão coçando as mãos de tanta ansiedade para que o ISS se transforme logo num tributo não cumulativo. Os políticos em Brasília estão construindo uma estrada que vai enriquecer mais ainda os advogados, e que vai aumentar gigantescamente o custo de conformidade das empresas de serviços; e que vai tornar tudo mais caro e inacessível. E também, que, no final, vai potencializar a força dos agentes públicos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 433 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br