terça-feira, 27 de março de 2018

EMINÊNCIA PARDA TRIBUTÁRIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  27 / 3 / 2018 - A 328

A principal fonte do poder exercido pelo Cardeal de Richelieu estava na sua habilidade de enfiar o Rei Luís XIII numa série de enrascadas político/militares, de modo que as soluções permaneciam trancafiadas no pensamento maquiavélico do religioso. A complexidade, portanto, é capaz de perturbar a cabeça de uns e ao mesmo tempo conferir autoridade a outros, de forma que os perturbados são bem mais numerosos.

De acordo com o Professor Daniel Lacasa, a regulamentação do ICMS saiu do poder legislativo, passando a ser administrada por atos do executivo. Quando muito, os deputados estaduais apenas ratificam matérias formatadas pelos funcionários das secretarias de fazenda. À princípio, isso poderia evidenciar somente um problema de legalidade, mas trata-se de algo bem mais grave. Estamos falando dum grande e gravíssimo déficit democrático.

O ICMS se transformou num assunto absurdamente complexo e de tamanha magnitude burocrática, que somente equipes de altíssima qualificação técnica conseguem mapear toda a sua extensão normativa. Isso significa que o governador não tem a menor ideia do que é desenvolvido e publicado nos diários oficiais. Os dispositivos legais são assinados com base na confiança depositada no secretário de fazenda, o qual depende inteiramente do seu corpo de assessores diretos. Dessa forma, o poder acaba por se estabelecer nas mãos de profissionais bem treinados, mas que não detêm mandato. Esse pessoal não recebeu voto para determinar carga tributária, enquadrar produtos em regimes específicos, apontar responsáveis pelo recolhimento ou definir quem vai ser cobrado subsidiariamente. Esse modus operandi ocorre até mesmo no Confaz, onde tudo vem pronto na forma de pacote para ser votado pelos representantes estaduais. As equipes técnicas é que gerenciam a dinâmica da coisa. Evidentemente, que tal modelo não pode subsistir porque tudo acontece à revelia do contribuinte.

Tantos embaraços e conflitos de prerrogativas constitucionais acabam por prejudicar seriamente o ambiente de negócios, levando a todos para um contencioso gigantesco. Mas alguém pode dizer: “Ainda bem que temos o Judiciário”. O STF demorou quase três décadas para resolver a questão da interpretação do parágrafo sétimo do artigo 150 da CF (restituição de perdas com ICMS-ST). E o fato mais grave; ele não resolveu o problema e ainda por cima criou novos problemas porque não ficou claro se o Fisco pode exigir complemento de imposto quando a venda efetivada for maior do que a presumida.

Para reforçar o engrandecimento exacerbado do Confaz, o Convênio 52/2017 decidiu eliminar as entidades de classe do processo de pesquisa de preço para determinação de MVA. E como é claro e notório, a majoração de MVA é uma forma ilegal de aumentar imposto. Essa é uma das razões que culminaram na ADI 5866.

O presidente da ABIHPEC, senhor João Basílio, alerta para as discrepâncias existentes nas instituições de MVA para fins de cobrança da substituição tributária. Por exemplo, é impossível trabalhar índices razoáveis em face da existência de 900 marcas de shampoo no mercado, com preços que variam de cinco a duzentos reais. Encontrar uma média ponderada é a mesma coisa que colocar o pé no freezer e a cabeça no forno. Isso significa que todas as MVA utilizadas no sistema ICMS-ST são suspeitas de irregularidades técnicas.

Falando de irregularidade, a Consultoria Patri apontou num recente levantamento que metade das leis vigentes nos estados é inconstitucional. No Distrito Federal, esse índice salta para 70%. Diante de tamanho despautério há de se perguntar: Como pode o cidadão viver num país onde a inconstitucionalidade impera? Como trabalhar com segurança jurídica em face de tamanha excrescência?

Quando se pensa na caótica legislação estadual, lembramos que são 27 “países” tributando, sendo que um não fala a língua do outro. São milhares de páginas normatizadoras que são diariamente alteradas. No setor de cosméticos acontecem cerca de 800 alterações anuais. Nesse setor, há uma empresa que possui 130 funcionários contratados exclusivamente para cumprir obrigações acessórias. E o dono dessa empresa diz ter certeza de que todo dia algum erro é cometido; uma ou outra pessoa deixa escapar minúcias normativas que podem culminar em autuações milionárias.



















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